Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 17
Composição


Notas iniciais do capítulo

Novembro chegou e passou depressa. Dezembro veio com tudo acompanhado pelo inverno.



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"Ouço músicas e encontro a nossa história no meio das letras."

Jesse também está de pijama, assim como o meu, porém masculino. Calças de moletom azul naval e uma regata branca amarrotada deixando seus braços cicatrizados à mostra. Mas agora que eu já sabia de toda a verdade ele parecia não se incomodar que eu as visse.

Ele sentou atrás do piano deslizando a ponta dos dedos sobre o teclado. Jesse viu que eu ainda estava parada na porta de entrada, então ele sorriu de um jeito cativante, afastou-se e bateu a mão no espaço vazio ao seu lado, indicando que eu me sentasse ali.

Na mesma hora em que me sentei, estranhamente descontável por sermos só os dois acordados pela madruga em todo o internato, senti o cheio do seu perfume másculo. Uma fragrância leve e refrescante.

— É tudo muito simples. Preste a atenção. – ele voltou os olhos para o teclado. — Primeiro vem os acordes.

Muito calmamente Jesse passou passo a passo verbalmente mostrando a maneira correta que eu deveria fazer. Muito paciente, logo depois que ele ensinava uma tapa, pedia que tentasse fazer igual ou mais ou menos parecida da maneira como eu podia me lembrar de tudo que ele me dissera.

Mas eu sou realmente um desastre e não tenho muita paciência.

— Ah não! Chega. Não consigo!

— Nada disso – ele protestou, me olhando feio. Quase como uma careta que um pai faz a um filho indisciplinado. — É assim, veja.

Delicadamente Jesse pegou as minhas duas mãos e posicional sobre o teclado. Fiquei muito surpresa e senti algo estranho se revirando dentro de mim tamanha a intimidade em que ele guiava minhas mãos com as suas por cima. Enquanto nos movíamos juntos, percebi que prendia a respiração e pior que isso, não prestava a atenção em nada além de traçar meus olhos por toda extensão do seu antebraço e ver mais uma vez suas cicatrizes.

— Sua namorada não gostaria em nada de ver essa cena.

Minha piadinha o atingiu em cheio e no mesmo momento ele parou o que fazia e se afastou de mim. Instantaneamente me arrependi do que disse, fazia tanto frio ali, que eu não queria que ele se afastasse por nada.

— Desculpe. – pedi baixinho, sentindo o rosto queimar.

— Tudo bem. Você tem razão. Alexa não gostaria de ver isso.

Engoli em seco.

— Se bem que não somos nada além de bons amigos. – digo.

— É. Outra vez você tem razão. – ele sorri diminuindo a tensão.

Jesse coça a cabeça rapidamente deixando seus cabelos claros ainda mais bagunçados. E ele volta a sentar-se ao meu lado.

— Porque não toca alguma coisa pra mim?

Tudo pareceu plenamente perfeito quando decifrei a música que ele tocava em sintonia com a chuva fraca lá fora.

November Rain do Guns N’ Rose

A letra da música parecia adequada para o momento.

— Qual é porque dessa essa música? – perguntei sem rodeios, logo após ele finaliza-la.

Perguntei por que chovia e também porque é novembro. Obvio.

— Hayley, nem tudo na vida tem um por que. Hoje estou feliz por estar onde estou. E amanhã não importa.

Mas pra mim importa, tive vontade de dizer.

Se pudesse, teria evitado de todas as formas não estar ali na aula de matemática, não depois de devolver uma prova em branco. Algo me dizia, bem lá no fundo, que eu seria punida por isso de alguma forma. Ainda mais agora, que o professor Caleb estava sentado em sua mesa, muito concentrado, corrigindo prova por prova e chamando os alunos.

Fui uma das ultimas. Arrastei-me até sua mesa passando por todos que me olhavam com desaprovação. Não que isso me importasse. Só não queria ouvir aquele velho me dando liçãozinha de moral.

— Espere um pouco aí Srta. Collins.

Ele foi até a porta da sala, colocando metade do corpo pra fora e acenando alto. Supostamente para algum inspetor de plantão no corredor.

— Leve essa mocinha aqui, por favor, até a orientação.

Pronto! Era só o que me faltava.

O inspetor foi com suas garras em minha direção, só para garantir que eu não fugiria dali. Se eu quisesse teria fugido sim, ele não era páreo para mim na corrida. Afastei suas mãos de mim fazendo uma careta.

— Eu sei andar sozinha. – foi tudo que eu disse, percorrendo o caminho silenciosamente até a orientação ao lado do inspetor.

— O que te trás aqui Srta. Collins? – a velha gorducha me olhou com seus olhos sóbrios com os óculos na ponta do nariz.

— Não sei. – dei de ombros, me fazendo de desentendida enquanto me jogando na poltrona a sua frente. Aquele cenário para mim, especificamente aquela cela, já era bem familiar. — Pergunte ao professor Caleb, de matemática.

Ela me olhou com desaprovação.

O professor foi chamado. Fiquei ali mais ou menos meia hora ouvindo os dois discutirem sobre mim como se eu não estivesse ali presente.

A solução para o meu problema foi à detenção. A única coisa que eu aceitaria numa boa. Aulas de reforço nem pensar. Eles já estavam conscientes disso.

— Isso mesmo. – disse ao Tyler que ria de mim deixando-me ainda mais irritada com aquela situação. — Vou ficar de castigo, igual a uma criança, durante uma semana depois das aulas, sem poder aproveitar nada do meu tempo livre fazendo qualquer outra coisa.

— Eles pegaram leve com você. Relaxa.

Adeus cigarro, adeus diversão, adeus jardim, adeus tardes maravilhosas ao ar livre, adeus piscina, adeus amigos, adeus momentos com o Jesse.

— Legal – revirei meus olhos. — E o que eu vou fazer aqui enquanto isso? – perguntei a mulher extremamente magra a minha frente. É ela - eu desconheço o nome- que fica de olho na galera da detenção naquela pequena salinha nos fundos.

— Porque reclama tanto? – ela me encarou. — Você não faria nada se tivesse o que fazer. Eu te conheço, Collins. Agora sente ali – ela se referia a uma cadeira dura e desconfortável. Realmente aquilo era um castigo. — E reflita sobre seus atos. Repense no que fez, ou não fez, para não conseguir fazer a prova de matemática.

Sentei-me, respirando fundo e contanto infinitamente para passar o tempo. Nem meus fones e meu celular eu poderia ter em mãos. O melhor foi deitar a cabeça sobre o colo e tentar dormir o que não consegui dormir a noite passada.

Isso é moleza.

A semana se passou depressa. Novembro passou depressa.

Amy já não sofria tanto com o envolvimento de Jesse e Alexa que pareciam cada vez mais íntimos um do outro. Como se estivessem verdadeiramente apaixonados. O que não duvido em nada.

Minha relação com ele também não mudou em nada. Ainda somos os dois de sempre. E isso é bom.

Acordei aquela manhã com a euforia de Amy olhando pela janela do quarto como se nunca tivesse visto a neve cair do céu. Nevava tanto que o solo já estava todo recoberto com uma espessa camada de gelo.

Coloquei meu gorro preto e as luvas e desci para comer algo.

Jesse estava sentado em uma mesa no canto, de longe vi que estava sozinho, com um gorro cinza escuro na metade da cabeça e com a franja dourada pra fora. Olhei para os lados e não vi Alexa. Resolvi me aproximar logo depois de me certificar que ela não estava por perto para evitar problemas futuros com namorada ciumenta.

Quando me sentei ele levantou os olhos e sorriu. Notei que seus lábios estavam levemente roxeados. Jesse, até eu chegar, estava escrevendo algo que eu interrompi, em uma folha velha de caderno.

— E isso é? – arrisquei em perguntar, curiosa. Levando minha xícara de leite até a boca.

O céu está friamente acinzentado, ainda caí neve do céu e faz muito frio. Mesmo ali dentro do refeitório. Por todos os lados vejo alunos bem agasalhados e cobertos por panos. O inverno finalmente chegou pegando a todos de surpresa aquela manhã.

— Estava tentando escrever uma música.

Jesse está com um casaco grosso de frio na cor preta. Um cachecol também acinzentado, jeans escuro e um tênis velho. Como seu casaco está aberto, consigo ver seu suéter de cor mais clara. Engraçado, porque o Jesse sempre se veste bem, mesmo casual, está sempre elegante mesmo não fazendo muitas combinações como hoje. Ele preferiu a cores neutras.

— Quer dar uma olhada? – ele perguntou antes mesmo de eu perguntar. Porque é claro que eu queria dá uma olhada.

Essa não é só mais uma música de amor

São pensamentos soltos

Para que você possa entender

O que eu também não entendo

Amar não é sempre ter certeza

É aceitar que ninguém

É perfeito pra ninguém

É poder se você mesmo

Sem precisar fingir

E não precisar esquecer

E não conseguir fugir

Quando penso em alguém

É em você que eu penso

Agora o que vamos fazer

Porque eu também não sei

Será que amar é mesmo tudo isso?

Olhei surpresa para Jesse com a folha da letra da canção tremendo em minhas mãos. Não sei se por frio. Eu sabia que ele tinha talento, mas não sabia que chegava a esse ponto. Enquanto eu lia, foi como se um buraco tivesse sido reaberto dentro de mim. Senti-me muito vazia.

Jesse me olhava com certa melancolia, provavelmente esperando que eu dissesse alguma coisa, qualquer coisa, sobre a letra da música que ele acabara de escrever. Mas por mais que eu quisesse, não conseguiria dizer. Não conseguiria dizer nada. Nada.

Levantei apressadamente, quase tropeçando nos meus próprios pés levando tudo ao chão. Preferi deixar minha bandeja do café da manhã largada sobre a mesa, assim como deixei Jesse pra trás sem entender o que acabara de acontecer ali. Comigo.

Como ainda nevava, eu não tinha condições de ir para trás do ginásio, meu cantinho predileto. Por sorte, quando entrei no quarto ele estava vazio. Fiz questão de trancar a porta. Antes de me jogar sobre a cama, olhei para o quadro que Jesse me dera pendurado na parede. Senti um aperto forte e tive que vira-lo. Como se não quisesse que ele olhasse pra mim. Pois preferia a privacidade.

Chorei debruçada sobre a cama, apertando forte a almofada de encontro ao meu peito. Desejava que Brandon estivesse ali, no lugar daquela almofada, e pudesse me fazer entender o que estava acontecendo comigo, o que foi que aconteceu de repente pra eu me sentir assim: tão estupida.

Acordei com batidas na porta. Batidas tão fortes que tive a impressão que iriam derrubar a porta ou no mínimo quebra-la. Cambaleei para abri-la e dei de cara com Amy com o ar de cansada. Como se batesse na porta há mais de horas.

— Hayley, o que está acontecendo aqui? – ela perguntou, olhando para os lados para se certifica que eu não tentara me matar. Amy é muito exagerada. — O que aconteceu? Porque se trancou?

Dei de costas, sem nem um pingo de vontade de responder.

— Fiquei preocupada. O Jesse me procurou, pela primeira vez, só para saber como você estava. E ele nunca me procura. Então, eu realmente fiquei preocupada. Porque se ele me procurou pra saber de você é que realmente a coisa era séria. Pelo menos na minha cabeça, sim.

— Não foi nada. – dei de ombros, ajeitando o cabelo. — Só queria dormir um pouco. Estava cansada.

— Cansada? – ela estranhou. — Cansada por quê? Você não fez nada hoje. Na verdade, mal acordou e já correu pra vim dormir. E isso é realmente muito estranho. Tem certeza de que não quer conversar?

Definitivamente cheguei a uma conclusão: Amy me conhece melhor do que eu gostaria. Pelo menos em parte.

— Eu bem que gostaria Amy. – me virei pra janela e percebi que a neve já não caia mais. Estava tudo recoberto pelo branco. Até mesmo as arvores que até pouco tempo havia poucas folhas. Agora não há nada além de gelo. — Mas eu não saberia por onde começar.

— Tenta.

— Esquece isso, Amy.

Os aquecedores do internato foram acionados e a lareira da sala de estar foi acessa. Muitos preferiam a lugares quentinhos onde havia mais pessoas juntas. Eu, ao contrário, fui até o jardim e caminhei sobre a neve deixando minhas pegadas para trás.

Por causa do frio me encolhi dentro do moletom e me abracei na tentativa de me aquecer um pouco mais. Fiquei parada de baixo da figueira recoberta pelo gelo e olhei para o alto, para o céu, sem cor e sem vida.

Uma bola de neve me acertou em cheio nas costas.

Virei-me para trás bruscamente para pegar o infeliz-arremessador-de-bola-de-neve no flagra. Mas não deu tempo e eu não vi ninguém. Mas pude ouvir uma risadinha atrás de uma das arvores.

Aproximei-me devagar para averiguar melhor, quando fui jogada para trás com um forte impacto e um peso enorme sobre mim igual aqueles jogadores de futebol americano.

— Só podia ser você.

Tyler me olhava sorridente, ainda sobre mim, com os nossos rostos quase colados um no outro. Ele, assim como todo o resto da galera, estava recoberto por roupas de frio, mas ainda assim continua atraente. Ou até mais, com sua toca preta na cabeça e luvas azul-marinho sobre as minhas bochechas geladas.

— Estava com saudades.

Fechei os olhos imediatamente, sentindo seus lábios gélidos sobre os meus. Seu beijo tinha gostinho de eucalipto, provavelmente Tyler estivera chupando bala antes de me procurar. Mas agora, estava ali, me beijando, com seu corpo sobre o meu, no jardim sobre a neve, acarinhando meu rosto com seus dedos cobertos pelas luvas.

— Hayley – ele me olhou no fundo dos olhos com uma expressão muito sério que me preocupou. — sinto que estamos nos afastamos e isso realmente não é legal. Eu gosto de você, sabe disso. Gosto de ficar com você mais do que qualquer outra garota. Você é diferente e isso meio que me encanta. O ano está acabando e...

— Tyler, onde você quer chegar com essa conversa?

— Espera! Deixa-me terminar – ele apertou meu nariz me fazendo rir, achando graça em tudo aquilo. — Na verdade, tudo que eu queria te dizer é que, as vezes, eu preciso de você mais do que pode imaginar.

— Ah – revirei os olhos, rindo. — que romântico Tyler.

— É sério Hayley – ele se levantou, parecia irritado. — não brinca!

Levantei também, ajeitando a roupa no corpo.

— Ta bom. Desculpe-me – disse, toda carinhosa. Joguei os braços em volta do pescoço dele fazendo Tyler olhar pra mim. — É que eu não estou acostumada... – as palavras se perderam dentro de mim. — ah você sabe! Desculpe. Eu também gosto de você, Tyler. Gosto muito!

Beijamo-nos carinhosamente outra vez. Quando eu dizia gostar dele, eu falava sério. Falo sério. Não estou mentindo. Tyler é um garoto muito especial e me faz sentir bem. Como agora, por exemplo, enquanto nos beijamos suavemente, sinto que não há nada melhor. Ele me faz me sentir assim, de repente, como se estivesse leve. E apesar de não termos uma relação concreta, o que temos é muito significativo. Estamos “juntos” há quase um ano e não é como se eu pudesse me desfazer disso facilmente.

— Vem, vamos comer algo.

Optei por uma sopa quente com legumes, apesar de detestar legumes. Dessa vez eu me rendi. A sopa, aparentemente, parecia ótimo e quando provei, tive certeza que sim. Tive que repetir o prato.

— Dezembro chegou aí e daqui duas semanas vamos voltar pra casa por causa dos feriados de fim de ano.

Tyler estava levemente aborrecido, logo notei. A verdade é que ele detesta a ideia de sair de férias e voltar pra casa. Ele odeia os pais, eles não têm tempo pra ele e ele sente muito por isso. Tyler é um garoto bom, um tanto carente e boa parte do que ele é hoje, mesmo que não seja um exemplo, é culpa dos pais que estão sempre trabalhando.

— O que você vai fazer Hayley? – ele se virou pra mim, deixando o prato vazio de lado. — Digo, o que vai fazer quando sair daqui?

— Nada, na verdade. Além de ter que aturar meus pais. Mas pense pelo lado positivo – eu disse, tentando mostrar empolgação. — depois do ano-novo vamos voltar logo. Passa rapidinho.

— É quase um mês Hayley! Você sabe o que é passar um mês dentro de casa sozinho? Quando a maioria das famílias estão reunida para as festas de fim de ano.

Tentei me colocar no lugar dele. Mas não tenho nada a dizer a respeito. Não sou a pessoa certa pra isso.

— Talvez eu dê uma passadinha na sua casa, pode ser?

Olhei pra ele surpresa, contente por ele está sorrindo.

— Claro que pode! Vai ser ótimo.

Algo no fundo de mim, como um parafuso contra minha pele, perfurava-me sem parar dando-me certo incomodo. Geralmente tenho essa sensação quando sei que as coisas não estão como eu gostaria que estivessem.

Na sala de artes, olho para a tela limpa e branca a minha frente com um pincel já sujo de tinta em mãos. Mas não consigo pintar nada. Não sai absolutamente nada. Nenhuma ideia. Sinto-me como um pássaro enjaulado que não pode viver em liberdade.

— Sabia que te encontraria aqui. – ouço o barulho da porta e ergo os olhos para me certificar que é ele. É ele. — Pelo visto, nos conhecemos mais do que um dia chegamos a acreditar que nos conheceríamos.

Jesse se aproxima a passos vagarosos.

— Qual o problema? – ele para ao meu lado. Olhando pra mim e olhando pra tela com um sorriso meigo. — Não consegue se expressar?

— Parece que não.

— Talvez isso esteja relacionado ao que aconteceu ontem? Quando eu te mostrei a música que compus e você saiu correndo sem ao menos me fazer entender o que aconteceu.

Senti-me estranhamente acanhada. Como se tivesse sido exposta para uma multidão de pessoas.

— Não sei dizer exatamente o que aconteceu ali – larguei o pincel dentro da caneca com água para limpa-lo. Depois o passei em um pano para retirar o excesso de água.

— Entendo. – ele observava com atenção cada movimento meu. Estava me movendo para disfarçar a vergonha, a estranha vergonha martelando dentro de mim, e evitando o contado dos seus olhos. — Também não sei dizer. Por um momento me senti culpado.

— Culpado? – tive que olhar pra ele e mais uma vez, como todas as outras, a cor dos seus olhos me surpreendiam. Como se pudessem atingir o fundo da minha alma. — Culpado por quê?

— Não sei. Talvez – ele soltou um risinho. — porque eu não saiba compor uma música? E você achou muito ruim...

— Não! – eu ri também. — Não é nada disso. Na verdade, tem mais a ver com o que eu senti quando eu li. Foi estranho – fiz uma careta.

— É, foi estranho. – ele retribuiu a careta. Depois mudou o peso do corpo de uma perna para a outra. — Posso pintar com você?

— Mas, eu nem estou pintando. Como pode ver.

— Eu sei – ele riu. — Mas juntos, não sei, quem sabe, bom, é, poderíamos tentar alguma coisa. O que você acha?

— Acho que isso é estranho. – eu ri, sentindo-me cada vez mais a vontade. Como se estivesse onde sempre quis estar. — Bem estranho.

— Tem razão. – ele riu outra vez. — Mas vamos tentar.

Jesse deu o primeiro passo, pegando o pincel limpo e mergulhando na tinta azul celeste.

— Você gosta de azul? É que você sempre escolhe o azul – observei a leveza como ele se movia. — Sempre, não. Mas agora, de novo, você preferiu o azul. É sua cor preferida?

— É. Eu gosto de azul.

— O Brandon também gostava. – disse alto demais, me arrependendo.

— Quem? – ele me olhou, surpreso.

— Ninguém. Esquece – sorri, frágil. Disfarçando qualquer sinal de fraqueza ao pronunciar o nome de Brandon. — Vamos pintar.

Não saiu nada conforme o esperado. Quando ele sugeriu que pintássemos juntos, algo, qualquer coisa, imaginei que faríamos um belo trabalho juntos. Mas, nos saímos realmente mal. Tinta espalhada por todo o chão, por nossos braços, dedos e mãos, até no rosto e roupas. Riamos sem parar feito crianças no jardim de infância. O desenho, por fim, era algo indecifrável. Multicolorido e sem formas ou sentido.

— Estou parecendo uma palhaça. – olhei pra mim, dando uma ultima conferida. Por sorte, a tinta é volúvel em água.

— Pra completar – observei-o falar, enquanto mergulhava um pincel grosso e comprido na tinta vermelha. — só falta isso.

E com um rápido movimento Jesse fez uma bolinha vermelha na ponta do meu nariz. Em seguida, se debruçou de tanto rir.

Não foi engraçado, de fato. Fui pega de surpresa e desprevenida, não imaginava que ele faria algo assim. Mas fez. E o esperado, seria que eu tivesse ficado muito brava e revidado dez vezes pior. Mas pra minha própria surpresa, eu apenas ri com ele. Ri de tudo. Da situação e da brincadeira.

Não gosto das aulas de educação física. Acho que é algo completamente desnecessário. Por muitos motivos. Um dele é por eu ser praticamente obrigada a participar para ganhar nota de participação. Não vejo sentido correr atrás de uma bola.

Ao contrário de Tyler, que simplesmente não vê nada melhor que praticar esportes, soar até cansar.

Pra piorar, está frio e nevando. Mesmo com os aquecedores ligados, nada parece funcionar. Estou tremendo, sentada na arquibancada do ginásio, enquanto os meninos jogam e as meninas estão discutindo para formar times de voleibol.

— Hayley! – o professor chama minha atenção. Dan é um cara muito atraente para um professor. Em media deve ter seus vinte e poucos anos. É alto, forte e atlético. Com uma barba preta sensual por fazer em contraste com a pele branca. — Levante-se! Mova-se. Coloque ordem nessas meninas. Eu sei que é isso que você gosta de fazer.

Em parte, ele tem razão. Não que eu goste de colocar ordem, mas gosto que me obedeçam. Gosto de bancar a durona mesmo quando estou fragilizada por dentro. É que certas coisas nem todo mundo precisa saber.

— Meninas! Ei – grito, levantando-me. Todas olham pra mim, enquanto mantenho a postura, amarrando os cabelos azuis desbotados. — Vamos lá, vamos manter a ordem e a calma. Sentem-se todas.

Por mais incrível que isso pareça, todas me obedecem sem protestar e isso é realmente muito surpreendente. Geralmente as pessoas não agem numa boa quando são comandadas. Quem não gosta de comandar?

Em menos de cinco minutos conseguimos formar os times. E pra minha sorte ou não, sou do tipo oposto de Alana e suas amiguinhas. Não sou boa com esportes ou nada que exija meu esforço, mas gosto de me sentir liberta, livre e solta. Me esforço pra valer, dando ao meu time algumas vantagens a mais.

— Mandou bem Hayley. – Tyler joga seus braços pesados sobre meus ombros ao final da aula na saída do ginásio. Estamos os dois cansados e suados. — Gostei de ver.

Apenas sorrio, agradecida.

— Ei, espera – ele chama, antes que eu desapareça pela ala feminina e ele para a masculina, na direção oposta. — Podemos passar a tarde juntos?


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Notas finais do capítulo

Lembrando que não sou compositora e não entendo nada de música. Então, relevem o trecho da música que "supostamente" o Jesse compôs. Eu me inspirei em frases de músicas já existentes.



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