ANTROPÓFAGO - Diário de um Canibal escrita por Adélison Silva


Capítulo 13
A fuga


Notas iniciais do capítulo

Com medo de ser transferido para outro lugar, e assim ficar longe do seu grande amor. Max resolve fugir, e sua ira vai contra todos que tentarem impedi-lo.



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  Já se completavam três meses que eu estava ali. Sara Campestrini parecia de alguma forma se fascinar com a minha mente doentia, era sagrado os nossos encontros. Quando a noite se iniciava, por volta das sete para oito horas, ali estava ela pronta pra me interrogar. Parecia querer infiltrar em minha mente, e desvendar todas as atrocidades que eu havia cometido. E eu a contava cada detalhe. Dando ênfase nos momentos em que me saciava em ouvir os gritos das minhas vítimas, suplicando por misericórdia. E eu como um deus soberano a toda aquela situação. Sentia prazer em causar dor.

 

SARA

Você não se sente culpado Max, por ter matado tanta gente inocente?

MAX

A senhora come carne de animais, doutora?

SARA

Sim.

MAX

Já parou para imaginar a agonia de cada um deles, ao ser condenados a pena de morte apenas para saciar sua fome? Não acredito que as pessoas que eu tenha matado, sejam mais inocentes que essas pobres criaturas.

SARA

Não podemos comparar seres humanos com animais, Max.

MAX

O que faz a senhora pensar, que a sua vida tem mais importância que a de um animal? Por dentro somos iguais, formados por músculos, órgãos e ossos. O que faria se descobrisse, que toda a carne que comeste até então, se tratava de carne humana? Por ventura essas lhe perderiam o sabor? No fim, somos todos animais, doutora. É fácil apontar uma arma em minha cabeça e me condenar por ter matado pessoas inocentes. Talvez, muito desses “inocentes”, mantinham em suas geladeiras carnes de criaturas indefesas em que não tiveram nenhum pudor em matar. Por serem considerados animais, carregavam consigo a desgraça de ter que saciar a fome do bicho homem. É interessante a forma que os humanos têm, de se comoverem com a morte de outra pessoa. No entanto, não tem a menor piedade ao matar e torturar os animais.

 

 

Sara respirou fundo, ajeitou os seus papeis e levantou da cadeira. É interessante a forma que os humanos têm, de se comoverem com a morte de outra pessoa. No entanto, não tem a menor piedade ao matar e torturar os animais.

 

 

SARA

Por hoje a nossa sessão acabou.

 

MAX

Percebo que ficou incomodada com as coisas que eu disse.

 

SARA

Temos maneira diferente de pensar, Maxweel. Porém sinto lhe informar que comparar ser humanos a animais não diminuirá a sua culpa. Como eu disse a nossa sessão acabou por hoje, amanhã a gente continua a nossa conversa.

 

MAX

— (ao ver que Sara já iria saindo) Doutora Campestrini!

 

SARA

Sim, Max?

 

MAX

Vocês falaram sobre me transferi. Quando será isso?

 

SARA

Ainda não foi decidido. Vamos levar você para um lugar mais descente. Eu sei que você gosta de ser tratado como um animal, mas os direitos humanos nos impedem de tratá-lo como tal.

 

 

  Sempre defendi a conduta de um vegetariano, nunca aceitei essa pena de morte aos animais, apenas para saciar a fome do bicho homem. No entanto minha boca salivava ao lembrar-me do sabor excitante da carne humana. Eu continuava a procurar uma maneira de sair dali. Mas ainda não tinha a menor ideia de como fazer isso. Andava inquieto de um lado ao outro da cela procurando uma solução.

  Já era madrugada e ainda não haviam levado a minha janta. Quando ouvi a pesada porta no alto da escada se abrir, desfazendo o silêncio angustiante que tomava conta daquele lugar. Aproximou-se da cela o velho policial Noronha já antigo na cidade, acompanhado de um jovem e ainda aprendiz de nome Rafael Garcia.

 

 

NORONHA

(dando ordem) Levante-se, encosta de frente pra parede com as mãos voltadas para trás.

 

 

Permaneci sentado na cama apenas encarando-o.

 

 

NORONHA

Não ouviu rapaz? Se preferir podemos voltar para trás e te deixar com fome.

 

 

  Obedeci Noronha, levantei e encostei de frente para a parede com as mãos voltadas para trás. Enquanto o velho policial ajeitava minha refeição na cama de cimento, o jovem Garcia apontava o seu revólver, de calibre trinta e oito em direção a minha nuca, enquanto se preparava para me algemar. Olhando para o reflexo de um pedaço de espelho pregado na parede, notei que Noronha havia se descuidado e sua arma estava desengatilhada. Calculadamente, no exato momento em que o soldado Garcia iria me algemar, girei o meu braço agarrando o seu pulso e apontando a sua arma em direção ao companheiro. Que reagiu rapidamente colocando a mão sobre o seu revólver. Porém, antes que tomasse qualquer atitude, é baleado pelo o disparo da arma do amigo. Que se descontrolou na briga dos nossos braços. Sem pensar duas vezes, aproveitei o calor do momento e mordi a orelha do soldado Garcia, que afrouxou a mão liberando a sua arma. Dei lhe um soco no meio do nariz, e um tiro no meio da testa.  

 

 

MAX

(ofegante com a arma de Garcia nas mãos) Será que estão mortos?

 

 

  Conferi se os dois estavam mortos. Percebi que Noronha ainda estava vivo, agonizando com o tiro que recebeu no peito. Tive medo de que o barulho dos disparos tenha chamado à atenção de alguém, mas como a cela era no subsolo, e a porta era feito de ferro resistente, abafava o barulho.

 

 

MAX

(falando sozinho) E agora o que eu faço? Preciso dá um jeito de sair daqui. (se aproximando de Noronha) Que peninha, deveria ter morrido com o tiro, iria sofrer menos.

 

 

  Amordacei Noronha com pedaços de sua roupa. Apesar de que no estado em que estava seria impossível gritar. O arrastei para fora da cela, algemei seus braços cruzados para trás usando sua algema. E com a algema do soldado Garcia e o seu cinto, amarrei seus pés em uma vigota de ferro que se encontrava no teto, onde era fixada as grades da cela. Deixando-o de cabeça para baixo.

 

 

MAX

(falando sozinho) E agora? Só há uma saída, pela a porta principal. E é por lá que eu vou sair.

 

 

  Vesti-me com a roupa do soldado Garcia, peguei sua arma e a chave do Chevette do velho Noronha (pois já conhecia seu carro, ele era vizinho da republica da dona Elizabeth). Subi lentamente a escada em direção à saída. Como já era madrugada os detentos já estavam dormindo, o que facilitou a minha passagem pelo o corredor. Chegando à última cela sou flagrado por um detento magricelo e maltrapilho, que fixava o seu olhar em minha direção. Peguei o molho de chaves que se encontrava no cinto da calça, e joguei para ele proferindo.

 

 

MAX

Viva a liberdade!

 

 

  Ele avançou alegremente, agarrando o molho de chave com euforia. Continuei o meu caminho. Ao passar em frente à recepção, vejo Dr. Moraes entretido mexendo no computador, passo discretamente quando ouço a sua voz, logo atrás de mim.

 

 

MORAES

Espere!

 

 

 Virei para trás, já com a arma na mão, disparei dois tiros que acertou o seu peito. Corri o máximo que pude, pois sabia que esses tiros, sim, chamaria a atenção dos outros policiais. Fui em direção ao Chevette vinho do policial Noronha, que se encontrava logo próximo a entrada da delegacia. Com um tiro certeiro estourei o vidro da janela, pois perderia tempo se tentasse abrir a porta com a chave. Logo atrás vinham dois policiais que mantinham guarda ao lado oposto de onde eu estava. Eles atiravam em minha direção, e um dos tiros passou de raspão ferindo meu braço direito. Pulei para dentro do carro, enquanto a policia continuava a atirar em mim. Dei três tiros em direção a eles, mas nem parei para observar se havia acertado algum

 

SARA

(dentro carro) Mas o que está acontecendo aqui?

 

 

 

Arranquei com o carro sem tomar um rumo certo. Pelo retrovisor, observei o Fiat Uno de Sara Campestrini, que corria em alta velocidade ao notar a minha fuga. E pelo o cantar dos pneus, era possível notar a sua fúria. Eu tinha que pensar em uma saída rápida. Tomei então em direção a ponte, que ligava Braço Forte e a floresta de Mossaíh. Logo atrás do carro de Sara vinha o furgão preto da policia civil. Na certa poderia ser o inspetor Hugo. Fiquei encurralado, sem pensar em outra saída, joguei o Chevette contra o lago. O carro mergulhava nas águas obscuras, tomando direção ao seu fundo. Sair pelo o buraco que havia feito na janela do carro, nadando pelo o fundo do lago. Tentando escapar dos tiros que a Drª. Campestrini atirava, na esperança de me acertar a cega.

 

SARA

Morre desgraçado!

 

 

  Com pouco fôlego consegui alcançar a margem do lago, já dentro da floresta Mossaíh. Saí da água e andei pela a floresta, atento para não ser flagrado, por nenhum policial filho da mãe. Mas muito cansado e sem forças desmaiei atrás de um arbusto.

  Sou acordado minutos depois por um cachorro que latia desconfiado em minha direção. Era um vira lata escanzelado, com certeza não pertencia a policia.

 

 

ONOFRE

(se aproximando) Rambo, o que foi? (ao ver Max) O senhor está bem?

 

 

  Ao olhar para o lado, vejo um senhor de bigode grisalho, chapéu casual masculino antigo, e uma espingarda de dois canos paralelos nas mãos.  Fiquei atento onde estava, apenas o observando. Era impressionante, foi a primeira pessoa que não demonstrou espanto algum ao olhar minha cara desfigurada.

 

ONOFRE

(estendendo a mão para Max) O seu braço está machucado, venha que eu vou te ajudar.

 

 

Fiquei paralisado sem saber o que fazer.

 

 

ONOFRE

Venha, eu moro aqui próximo! Vamos pra minha casa que irei cuidar desse seu ferimento.

 

 

  Apoiou-me em seus ombros e me levou até sua casa. Era uma casa de pau a pique que não ficava muito distante de onde estávamos. Tudo em sua residência era simples, mas a gentileza do senhor fazia do lugar muito aconchegante.

 

 

ONOFRE

Venha, entre! Fique a vontade. A nossa casa é simplesinha, espero que o senhor não repare.

 

MAX

Obrigado, o senhor é muito gentil.

 

ONOFRE

Não precisa agradecer. Vou pegar a minha caixa de primeiro socorros, temos que cuidar desse ferimento antes que infecciona.

 

 

  Assim que chegou já foi acordando a sua senhora e pedindo para que me preparasse algo para comer, enquanto ele cuidaria do meu ferimento.

 

 

ONOFRE

(entrando para o quarto) Alzira! Alzira estamos com visita!

 

 

  Eu andava pela sala observando os objetos. Onofre veio saindo do quarto com sua caixa de primeiros socorros nas mãos.

 

 

ONOFRE

A minha esposa vai preparar alguma coisa para o senhor comer. Sente aí, deixe eu cuidar desse seu ferimento.

 

 

  Sentei em uma cadeira, Onofre sentou em outra cadeira em minha frente. Colocou a caixa de medicamento ao lado e começou a cuidar do ferimento no meu braço.

 

 

ONOFRE

Esse ferimento foi causado por um tiro. O senhor estava perseguido algum bandido?

 

MAX

(sem entender) Bandido?

 

 

  Estranhei a sua pergunta, mas logo entendi. Como eu estava fardado, na certa deve ter achado que eu era da policia. Mantive a ilusão.

 

 

ONOFRE

Sim. O senhor não é da polícia?

 

MAX

Ah sim! Eu sou da polícia.

 

ALZIRA

(saindo do quarto) Boa noite!

 

MAX

Boa noite senhora!

 

ONOFRE

Essa é a minha esposa, Alzira.

 

MAX

Prazer!

 

ALZIRA

Vou preparar algo para o senhor comer.

 

ONOFRE

(terminando de amarrar a faixa) Prontinho. O senhor já pode ir tomar seu banho. Só toma cuidado para não molhar a faixa.

 

ALZIRA

(mexendo com as panelas) Tem toalha limpa no guarda roupa, pega lá pra ele, Onofre.

 

ONOFRE

Eu já levo a toalha para o senhor. O senhor pode ir por ali. O banheiro fica ali fora.

 

 

  O banheiro da casa ficava do lado externo. Assim como o restante da casa suas paredes também eram feitas de pau a pique, e a porta era de madeira velha, comida por cupim. Não havia encanação por toda a casa. Tomei banho usando um balde e uma cuia feito de cabaça. Apesar de toda a simplicidade do lugar me sentia muito bem ali. A gentileza do casal dispensava qualquer luxo.

  Depois do banho vesti uma roupa emprestada do seu Onofre, e comi uma sopa preparada por dona Alzira.

 

ONOFRE

(ao ver Max) Mas olha só! A minha roupa caiu muito bem em você. Sente-se, fique a vontade.

 

ALZIRA

(trazendo a sopa) Aqui está, espero que o senhor goste.

 

ONOFRE

Tenho certeza que ele irá gostar. A sopa da Alzira é de cair os beiços de tão boa.

 

ALZIRA

Obrigada meu bem.

 

MAX

(depois de provar a sopa) Está tudo muito bom, obrigado.

 

ALZIRA

(curiosa) O que aconteceu com seu rosto?

 

 

 Aquela pergunta me entristeceu. Desde que cheguei naquela casa nenhum dos dois haviam perguntado nada a respeito da minha aparência física. O que me deixava feliz, pois me fazia esquecer o monstro que eu era. Mas pelo o jeito o fato deles não perguntarem, não significava que eles não haviam observado a minha decadência.

 

 

ONOFRE

Deixou o moço sem graça, mulher!

 

ALZIRA

Me perdoe, não tive a intenção. O senhor não precisa responder.

 

 

  Não que eu não quisesse responder. Mas eu preferia ficar na ilusão de que eu era um cara normal, preferia a ilusão de que eu não havia me tornado um monstro.

 

 

ONOFRE

Tivemos um filho. Ele teve oitenta por cento do seu corpo queimado.

 

MAX

(vendo um quadro na parede) É o rapaz da foto?

 

ONOFRE

Sim. (continuando a história) O meu filho fazia parte do corpo de bombeiros. Passou a vida toda sonhando com isso. Foi para o Rio de Janeiro para estudar e se formar, e com muito esforço e determinação conseguiu realizar o seu sonho. Um sonho que acabou se tornando pesadelo.

 

ALZIRA

(entristecendo) Eu não gosto nem de lembrar disso.

 

ONOFRE

O senhor está comendo, não vou tirar o seu apetite com as minhas histórias.

 

MAX

O que aconteceu? Por favor, continue.

 

ONOFRE

Meu filho era recém-formado, e estava aqui tirando suas primeiras férias. Quando soube de um incêndio em uma fábrica.

 

MAX

A fábrica de soda caustica!

 

ONOFRE

Isso mesmo. O senhor conheceu a fábrica?

 

MAX

(disfarçando) Não, mas já ouvi falar. E o seu filho, se queimou?

 

ONOFRE

Ele era teimoso e apaixonado pela a profissão. Sabia bem da carência do corpo de bombeiro aqui de Braço Forte. Propôs então ir ajudar. Eu e a mãe dele insistíamos, dizendo que ele estava de férias, que precisava descansar. Mas ele queria ajudar, ele gostava disso. Pessoas precisavam dele, era o que ele dizia. No entanto umas das explosões acabaram pegando ele de cheio, e ele teve sequelas terríveis, e oitenta por cento do seu corpo queimado.

 

ALZIRA

Era difícil até para banhá-lo. (com lágrimas nos olhos) A sua pele se dilacerava no toque de minhas mãos. A roupa colava em sua pele, algumas vezes eu preferia até deixá-lo nu. Com o tempo as feridas foram cicatrizando, mas ele nunca voltou a ser o mesmo. Tinha dificuldades para respirar, ingerir alimentos. Geralmente eu fazia essa sopa, ele gostava e era o que conseguia comer.

 

ONOFRE

O fogo não destruiu só a parte externa do seu corpo. Todos os seus órgãos ficaram afetados. Dois anos depois do acidente, nosso amado filho não resistiu e veio a falecer. (levantando-se da cadeira) Chega de histórias por hoje, é melhor irmos dormir, o dia já está quase amanhecendo.

 

ALZIRA

O senhor pode deitar naquela cama ali na varanda. Já coloquei travesseiro e lençóis limpos.

 

 

  Deitei-me, e fiquei meditando sobre tudo o que o casal havia me contado. Não era difícil para eu, me pôr no lugar do filho deles. Conforme eles narravam a história, eu ouvia como se fosse a minha. É como se eu vivenciasse toda aquela agonia que senti no dia do acidente.

  O cansaço foi tomando conta de mim e logo adormeci. Instantes depois. Sou despertado por latidas repentinas do cachorro Rambo, como se acuasse alguma coisa. Levantei então da cama, e ao passar diante do quarto do casal os observei adormecidos, como se não ouvisse barulho algum. Fui então até a porta que dava acesso ao fundo da casa, tomando direção as latidas que ouvia. Ao abrir a porta, vi ao longe sentada em uma pedra, uma jovem de roupa branca olhando o horizonte, de costas para mim. Em sua frente o cachorro latia com voracidade, como se quisesse abocanhá-la. Mas ela não demonstrava reação alguma. Ao longe o sol apontava mostrando os seus primeiros raios, iluminando a grama e trazendo a luz até os seus pés.

 

MAX

(se aproximando) Hei, quem é você?

 

  A moça foi virando-se para trás. Me assustei, pois se tratava de Érica com o rosto todo ensanguentado.

 

ÉRICA

Max! O que você fez?

 

 

  Érica! Minha amada Érica! Meus delírios mais uma vez me confundiam entre o sonho e a realidade. Era um desespero vê-la daquela forma. Sentia o peso da culpa caindo sobre mim, e o sangue das minhas vítimas escorrendo em minhas mãos. Ouvi barulhos, e um cheiro forte de café. Dei-me conta de que o dia de fato havia amanhecido e dona Alzira se encontrava próxima a um girau de madeira coando o café.

 

ALZIRA

(ao ver que Max acordou) Bom dia!

 

MAX

(se levantando da cama) Bom dia!

 

ALZIRA

Deixei uma bacia de água no banheiro, caso queira lavar o rosto antes do café.

 

MAX

Farei isso.

 

ALZIRA

Onofre foi até a cidade, comprar alguns mantimentos para a casa. (T) Eu queria me desculpar, fui indelicada ontem com o senhor ao lhe perguntar sobre a cicatriz.

 

MAX

Não tem problema. Vou lá lavar o meu rosto.

 

  Lavei meu rosto e retornei a cozinha para tomar café. Dona Alzira se aproximou de mim com uma máscara de meia face moldada em ferro nas mãos.

 

 

ALZIRA

(entregando a máscara) Tome! Era do meu filho. Ele dizia que se sentia melhor usando isso. Esconde a cicatriz dos curiosos.

 

 

  Recebi a máscara e coloquei sobre o meu rosto. Realmente me sentia melhor assim, antes costumava jogar os meus cabelos longos, sobre a minha face esquerda, para esconder a cicatriz.

 

 

ALZIRA

Parece que foi feito sobre medida, encaixou direitinho em seu rosto.

 

MAX

Verdade, assim eu me sinto bem melhor.

 

ALZIRA

Sente-se, tome o seu café.

 

 

  Antes mesmo que eu terminasse o café, ouvi cavalgadas se aproximando. Era o seu Onofre que se retornava.  Entrou afoito com um jornal nas mãos.

 

 

ONOFRE

(chamando) Alzira!

 

ALZIRA

O que foi homem?

 

ONOFRE

Faz favor aqui.

 

 

  Pelo o olhar assustado dos dois, era possível deduzir o que se encontrava impresso ali. Naquele momento eles já sabiam, que eu não era a policia e sim o bandido. Levantei da cadeira em que estava perante o olhar assustado dos dois. Agarrei uma faca que se encontrava jogado sobre o armário, e parei por um instante de olhar firme em direção ao casal. Eles me olhavam ofegantes, com medo do que eu poderia fazer. E suplicavam conforme eu me aproximava.

 

 

ALZIRA

(desesperada) Por favor, tenha misericórdia, nunca fizemos mal a ninguém nessa vida!

 

ONOFRE

(abraçado com sua esposa) Vai embora, nos deixa em paz.

 

 

  Misericórdia! Essa palavra parecia ter fugido do meu dicionário nos últimos anos. No entanto naquele instante, me cobria uma compaixão pelos dois. Não poderia maltratar quem tanto me ajudou. Mesmo tendo tão pouco, me deram o melhor conforto que puderam. Não seria nada justo eu agradecer os ferindo. Passei perante eles e corri para fora da casa. Peguei o cavalo que já se encontrava arreado, montei-me e corri para longe dali. Eu tinha consciência do risco que corria. Agora eu era a caça da policia, não poderia ser pego pela a escolta de Sara Campestrini. Mas também não poderia me esconder pra sempre na floresta. Assim nunca mais veria Érica, eu preferia a morte a ficar sem ela.

  Ao aproximar da cidade de Braço Forte, ainda ao longe, vejo a policia rondando toda a cidade. Dei-me conta também que era época de carnaval, e era costume dos moradores fazer um baile, com fantasias e máscaras. Era uma oportunidade perfeita para me aproximar. Apeei-me do cavalo, e o toquei para longe. Não queria que por descuido a policia o acertasse. E por outro lado eu chegar montando chamaria muita atenção. Aproximei da ponte que ligava Braço Forte a floresta de Mossaíh, escondido por detrás de alguns arbustos que se encontravam nas laterais da estrada. Dois policiais faziam ronda em cima da ponte, mas se distraíam com a folia que passava na rua. Um pouco abaixo de onde eles estavam era possível atravessar o rio, através de algumas pedras, que emergiam por cima das águas. Disfarçadamente atravessei por essas pedras, e me misturei aos foliões. Eu usava com um sobretudo, e a máscara de meio rosto dado por dona Alzira. Cobrindo a minha cabeça com o capuz, usei como uma fantasia.

  É claro que a polícia não deixaria as coisas tão soltas. Por todo lado que eu olhava via um policial atento a qualquer movimento suspeito. Ao virar a esquina minha atenção foi totalmente voltada para uma moça de pele branca, cabelos negros e longos amarrados em um rabo de cavalo. A moça cruzava a calçada em contramão com a marcha dos foliões, que seguiam um carro de som. Em minha cabeça é claro, logo veio a ideia de que poderia se tratar de Érica. O real e o surreal as vezes me deixavam confuso. A minha mente insana, criava delírios e eu enxergava muito mais do que aquilo que os meus olhos captavam. A tal moça entrou por uma porta estreita, em um prédio na esquina em que havíamos passado. Dei meia volta, então, pela a calçada por onde a moça seguiu. Precisava ter a certeza se era ou não a minha amada Érica. Porém ao me distanciar da multidão, chamei a atenção de um policial que se encontrava poucos metros de onde eu estava.

 

POLICIAL

Você aí, espere!

 

  Se eu esperasse na certa ele me reconheceria, e eu seria preso novamente. Apressei-me então e entrei na mesma porta em que a moça havia entrado. Subi uma escada de degraus desgastados, na intenção de encontrá-la. E logo atrás o policial me seguia. O prédio se tratava de um condomínio, de corredores estreitos e cheios de portas, que davam acesso aos apartamentos. No final do corredor do terceiro andar vejo uma mulher, próxima a porta, golpeando o tapete no batente, no intuito de tirar a poeira. Não pensei duas vezes e avancei sobre ela a levando para dentro, lhe amordaçando. Com a mão esquerda eu segurava a faca e pressionava contra o seu pescoço, enquanto com a direita lhe apertava a boca, sufocando o seu grito. Ela esbugalhava os olhos de medo, e aquilo me excitava. O seu cheiro despertava em mim o regalo adormecido, e o desejo desvairado por sangue. A fera malsã e mórbida que morava dentro de mim, se salivava ao se deparar com a olência de sua carne. Mas não poderia esquecer a policia do lado de fora, atenta ao primeiro vacilo meu. Ouvi passos e vozes próximos a porta.

 

POLICIAL

Bom dia! O senhor não viu um homem que acabou de subir passando por aqui?

 

HOMEM

Não senhor, eu sair agora.

 

POLICIAL

Obrigado!

 

 

Notei então que o policial esperou um pouco e depois desceu a escada.

 Naquele momento minha pele se estremecia, ao instante em que minhas narinas sentiam a fragrância, do perfume daquela mulher que estava presa em meus braços. Eu a desejava como nunca, necessitava desesperadamente sentir o seu sabor. Conforme seu medo aumentava, também aumentava o meu apetite pela o sabor da carne humana. A faca perfurava lentamente sua pele, e rasgava sua jugular, jorrando litros de sangue ao longe. Ela enfiava as unhas sobre a minha coxa, extravasando a dor que sentia, e tudo isso me excitava ainda mais. Já sem forças foi desfalecendo-se, e lentamente cedendo ao chão. Uma orexia incontrolável brotava em mim, minha boca salivava, e já não tinha mais controle dos meus atos. Deixava-me levar pelo o desejo mentecapto que sentia. Cortei o seu peitoral, seguindo o mesmo ritual que havia feito com as demais vítimas. Arranquei o seu coração para fora, e ali mesmo o devorei ainda quente. Assustador era o prazer que eu sentia, e nada mais me importava naquele momento. Eu era uma fera degustando sua presa, um animal algoz descontrolado. Era o prazer mais sublime que eu já havia sentido. E tudo aquilo me assustava.

Depois do prazer, vinha a culpa que me envolvia. Aquela pobre mulher era inocente, mal algum havia me feito. Certamente tinha sonhos, projetos e planos para uma vida toda, e impiedosamente eu interrompi tudo isso. Sentei no chão encostado na parede, ao lado do corpo. E ali chorei por cada gota de sangue que tinha derramado naquele local, eu não poderia mais continuar com aquilo. As lágrimas que escorriam sobre a minha face me condenava diante daquele cenário macabro, onde eu era o culpado. Tudo o que eu queria era um dia poder acordar daquele pesadelo, e voltar a ficar com minha amada. Para aonde foi minha Érica? Porque não a encontro? Eu ansiava para o nosso reencontro, mas temia. É claro que Érica não iria mais querer saber de mim, tarde demais. O nosso reino encantado foi destruído, e nada que eu pudesse fazer, poderia mudar isso.


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Notas finais do capítulo

Max voltou a matar, e cada vez se enrolava mais. Mesmo se sentindo culpado não deixava de fazer novas vítimas. E a moça a qual ele havia seguido, será que desta vez se tratava de Érica, ou apenas mais uma de suas alucinações? Comentem...



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