Precisamos de um lugar maior.

Com a chegada de Piper e Amy, tudo se complica. É mais água para armazenar, mais frutas para colher e separar e mais atenção a ser chamada.

Ainda não entendi a estratégia de Harry com relação a manter aliados, e admito que prefiro não saber, porque pode virar uma consequência mais tarde.

Estou me afeiçoando cada vez mais com essas pessoas. Lexy parou de tremer e está mais confiante a cada dia. Harry continua misterioso, mas virou um grande companheiro em questões de segurança. Julie se mostra uma menina amigável, e me sinto feliz quando converso com ela. Piper é bem confiável e muito, muito inteligente, assim como Josh. Os dois se afeiçoaram muito entre eles também. Amy é mais distante em relação a algumas coisas, mas é bom tê-la ao nosso lado.

Em relação a Aiden... Sinto saudades. É agoniante falar dele. Mas é como me sinto. Desde que nos beijamos sinto uma coisa a mais por ele, e a dúvida sobre a razão do beijo me preocupa cada dia mais. E se ele morrer e eu não tiver como perguntar a ele? E se eu morrer? Pelo menos nenhum canhão soou desde a morte do parceiro de distrito de Julie.

– Temos que buscar água. - diz Josh se levantando do nosso círculo na manhã seguinte.

– Temos que buscar um novo lugar. - murmuro.

– Concordo. Não podemos ficar aqui para sempre. - Lexy me apoia.

– Então vamos todos agora. Podemos cursar o caminho do córrego. - Julie é direta. Não parece mais tão inocente. - Talvez nos leve para um lugar com mais água e frutas.

Concordamos juntos. Cada um pega sua arma e seus pertences. Estou pronta para alcançar minha espada, mas Harry a pega antes de mim.

– Ei! - reclamo. - Isso é meu!

Vou para frente, tentando puxar a arma da mão do garoto, mas ele levanta o braço, deixando impossível alcançar a lâmina. Chego mais perto, mas sei que não posso pegar. Sou muito pequena.

– Deixa eu usar. Só por um tempo. - o menino faz beicinho como um bebê.

– Você tem suas facas. - tento mais uma vez pegar a espada, sem sucesso.

– Facas não cortam galhos de árvore. - ele rebate.

– Dependendo da força...

– Mas, Faith...

Deixo ele ficar com a espada e me afasto sem dizer nada. Pego minha mochila e sigo o grupo. Amy e Harry lideram, eu, Josh e Piper ficamos na ponta, Lexy como penúltima e Julie fecha a retaguarda com sua adaga.

Seguimos pelo pântano um pouco, e a vegetação fica mais densa do que antes. Estamos todos suados e cansados, mas não paramos. O menino que lidera a fila corta as árvores sem nem olhar, e quando piso nos galhos duros no chão penso que nem com a maior força do mundo eles poderiam ser cortados com uma faca.

– Não era para seguirmos o curso do córrego? - pergunta Piper, ofegando. - Estou com sede. E com calor.

– Amy disse que deveríamos ir para a esquerda. - ouço Harry lá da frente, a voz dele seguida de sons de galhos se quebrando. - Estou seguindo as ordens dela.

– Mas o córrego é para a direita! - exclama Julie lá de trás. - O que vocês estão fazendo?

A menina sai da vigia das costas da fila e corre até onde Harry e Amy estão.

Mas eu sabia que emprestar a espada para Harry ia resultar em algo ruim.

Quando a garota chega perto do menino alto, ele cortava um galho, que caiu bem em cima da cabeça dela assim que despencou. Sem falar que uma grande colmeia de teleguiadas estava presa ao galho.

Um rápido guia: picadas de teleguiadas são más. Muito más. Nos melhores casos, causa alucinações. Nos piores? Já dá para imaginar.

– CORRAM! - grita Piper, como se isso já não fosse meio óbvio.

Corremos com força, muita força, sem olhar para trás.

Até um canhão soar.

No meio do pandemônio, olho de relance para trás.

– Julie! Não! - ouço Lexy gritar.

Vejo a menina chorando, voltando até o corpo inerte e picado de Julie. Ela se agacha ao lado da tributo morta chorando e eu paro.

– Lexy, sai daí! - berro, o mais alto que posso. - Sai! Você vai ser picada!

No momento em que digo isso, os bichos começam a zumbir em direção a menina ajoelhada e a picam vorazmente, mas é como se Lexy não ligasse. Agonia aparece no meu coração enquanto corro até ela.

– Lexy, para! - berro, e com pavor começo a chorar. - Volta!

Sinto um braço me puxando para trás, tão forte que me leva de uma vez.

– É muito tarde agora, Faith! - é a voz de Josh. - Volte conosco! Antes que você seja picada.

Me deixo levar quando ouço o canhão anunciando a morte de Lexy e o corpo da garota cai para trás, se contorcendo numa dança agonizante.

Dor corre pelas minhas veias. Eram minhas amigas, minhas aliadas! Eu as deixei morrer para me salvar! As lágrimas invadem meus olhos e minha visão fica turva por alguns instantes. Fico tonta com as perdas e me sinto desabar no chão.

A última coisa que lembro com clareza é um menino me pegando em seus braços e correndo comigo. Me aconchego em seu peito e choro.

***

Quando minha consciência volta, estou num lugar novo.

Dessa vez estou no meio da relva, não em uma clareira. Estou deitada em cima de uma camisa estranha. É noite. Me ajoelho e percebo que há três corpos à minha direita, e uma pessoa sentada na minha frente.

– Boa noite. - é Piper. Ela me ajuda a levantar. - Está mais calma?

Ignoro a pergunta e conto de novo os corpos. Um, dois, três. Quatro e cinco, contando eu e Piper. Olho com mais atenção. Harry mais perto de mim, Josh ao seu lado, uma camiseta estendida que imagino ser onde Piper dorme e mais distante Amy.

– Então Lexy e Julie se foram mesmo? - digo, sem convicção. Estou rouca.

– Sim. - a menina é direta. - Vem cá.

Ela me abraça sem avisar. Seu abraço parece o de Diana, me dá nostalgia, me faz lembrar de Aiden.

– Tente não falar muito, - ela continua. - você chorou por horas, e berrou a maior parte do tempo. Sorte que não foi picada.

– Me desculpe. - ignoro o pedido de manter silêncio. - Fomos perseguidos por algum outro tributo por minha causa?

– Felizmente não. - a menina sorri de alívio, mas seu rosto volta a ficar sério. - Mas Harry e Josh foram picados ao tentar salvar você.

Mais culpa invade meu peito. Levanto-me, caminho até os meninos e ajoelho no meio dos dois. O braço esquerdo de Harry está estendido para um lado virado para cima, permitindo uma visão da picada em seu pulso. Esta inchada, roxa e há um líquido amarelado em volta dela. Também há uma picada na bochecha do menino. Volto minha cabeça para Josh, procurando a picada nele. Está bem visível, no pescoço. Noto três vezes o líquido amarelado. Não parece pus. Será que...

Aproximo minha cabeça da bochecha de Harry e sinto o cheiro do líquido. Alecrim e menta, como suspeitava.

– Sabia que você iria descobrir. - diz Piper, que aparece como mágica ao meu lado. Ela pega um pote atrás dela e me entrega. - Isso chegou para você, é um tipo de remédio do seu distrito. As picadas estavam muito piores antes de passar isso. Veio um recado junto...

Não espero ela terminar. Abro o pote e ao mesmo tempo um papel cai. O pego.

“Ajude os amigos que te salvaram. Não quebre as promessas. Confiamos em você. - T e S”

Terie e Shawny conseguiram patrocinadores para mim! Conseguiram fazer com que mandassem um remédio, conseguiram!

– Acho que você é grata a eles dois, seja quem for T e S. - murmura Piper. - Agora volte a dormir. Amanhã buscaremos mais água e plantas, e você precisa estas disposta.

– E você? - devolvo com uma pergunta. - Não precisa ficar disposta?

– Amy vai ficar de vigia daqui a meia hora. Agora durma porque você precisa.

Sem protestar, deito na minha cama improvisada.

E no meio de todas aquelas más ideias que levaram a toda culpa e agonia que estava sentindo, há uma pontada de fé e gratidão.