Crônicas De Redris escrita por Hellkite


Capítulo 1
Capítulo 1 - A MALDIÇÃO




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/422019/chapter/1

Cidade-estado de Hawkmoon. A maior cidade do Domínio de Hawkmoon é o ponto de partida de muitos grupos de aventureiros, sendo localizada na região central do Domínio e dispondo de tudo aquilo que um explorador necessita: equipamentos, informação e muita bebida. São vários os caminhos que levam a Hawkmoon, e todos eles compartilham de uma mesma característica, que é a má conservação das estradas. Hawkmoon não cobra taxas daqueles que vivem fora da cidade, e por isso não se responsabiliza pela sua manutenção. Por isso as mesmas sempre estão esburacadas e com a constante ameaça de serem engolidas pela vegetação que cresce ao redor.

E é por um destes caminhos que encontramos o nosso herói Redris. É um rapaz bonito, que não há muito tempo atrás arrancava suspiros de admiração por parte das campesinas de sua vila natal. Seus olhos são azuis claros, e seu cabelo é ruivo, mantido preso por uma bandana para não cair em seus olhos. Ele é belo, mas também de aspecto frágil e delicado, que não combina muito com a espada que portava, a espada de um guerreiro. Ao vê-lo muitos se perguntariam por que ele escolheria a carreira de aventureiro, correndo o risco de ter uma lâmina em seu ventre, vendo seu sangue se esvaindo na lama, ao invés de encontrar uma nobre rica para sustentá-lo. Porém Redris tinha seus próprios motivos.

Redris estava cansado, pois caminhava desde que amanheceu. Não que se incomodasse de acordar cedo, estava acostumado a fazer isso todos os dias, pois trabalhava numa fazenda já fazia alguns anos. Não, o que cansava não era a parte física, mas a parte mental. As veias de sua testa latejavam de tanto pensar, na sua tentativa vã de encontrar explicação para o seu problema, aquilo que o levou a abandonar tudo que lhe era mais precioso. Seria a sua condição uma doença ou uma maldição? Tinha que encontrar respostas, uma cura para aquele tormento. Abandonou sua vida pacata e sua noiva, sua maravilhosa vida na fazenda, em busca de uma solução.

Perdido em seus pensamentos, Redris não viu um dos inúmeros buracos existentes na estrada e tropeçou, caindo numa poça de lama. O jovem praguejou, socando a água da poça várias vezes para descarregar sua frustração. Ele então notou uma mão estendida, a mão fina e elegante de um elfo. Redris, à exceção daquele particular elfo, nunca antes havia visto um representante desta raça, tão presente nas lendas contadas pelos bardos que frequentavam a taverna de sua vila de origem. Ele era tal qual nas estórias: parecido com um humano, mas mais delgado e um pouco mais baixo, as orelhas pontudas e um irritante ar de superioridade, como aqueles que os adultos têm quando lidam com crianças.

O ruivo, de uma maneira um tanto quanto brusca, recusou a ajuda, e se levantou sozinho. Estava irritado com a companhia daquele elfo calado e estranho, que se chamava Glaranduil. Por que não se comportava como uma gente normal? Pessoas normais têm curiosidade, e Redris não se sentiria mal explicando sua condição. A mente do jovem então retornou ao momento em que ambos haviam se encontrado pela primeira vez, há dois dias atrás, quando Redris ainda caminhava sozinho pelas trilhas que levavam até a distante cidade de Hawkmoon. Em um trecho que passava por uma colina rochosa, bandidos saltaram por detrás de pedras, ameaçando-o com suas armas gastas e enferrujadas, demandando dinheiro.

Redris sentiu medo daqueles homens sujos e feios, maltrapilhos, e imediatamente percebeu que corria o risco de perder algo mais que seu dinheiro. Havia em seus olhos um desejo maior do que simples ganância, algo que o ruivo fazia questão agora de esquecer. Mas ao contrário do que se poderia pensar de um simples fazendeiro, Redris não se sentiu paralisado; ele quis lutar, defender sua vida e sua honra! E isto foi o estalo que deu início a sua transformação: percebeu o seu peito inchar, fazendo suas vestes irem para a frente e se acomodarem aos seus novos seios, sendo a sensação do peso extra algo como se tivesse dois melões presos a seu corpo. Não sentiu dor, o que era estranho foi ter que alterar sua postura para acomodar aquela mudança. Mas embaixo a sensação era ainda pior, pois o que era externo, passou a ser interno, e com isto acompanhava não somente uma mudança física, como também psíquica. Seu cabelo havia crescido para além da altura dos ombros, e suas feições também tinham mudado, tornando-se ainda mais suaves.

Os bandidos por alguns instantes ficaram estáticos, incertos do que fazer. Aquele jovem havia se transformado numa bela ruiva, tendo se tornado um premio ainda melhor, mas em compensação, havia se tornado aparentemente uma guerreira respeitável, com músculos bem delineados e uma aparência felina intimidadora. Mas era ainda uma mulher, não é mesmo?

O primeiro dos bandidos se lançou imprudentemente, fazendo girar sua espada por cima da cabeça. Teve sua garganta cortada num elegante arco de espada desferido por Redris, e caiu com sangue jorrando. Os outros três, ao verem a cena, viram que ela não seria uma presa fácil, e decidiram respeitar sua oponente, tentando cerca-la pelos lados. Embora não conhecesse táticas de combate, a ruiva instintivamente recuou, procurando uma pedra para proteger suas costas.

Redris temeu pela vida, ou destino pior, e resolveu que levaria ao inferno a todos que a tocassem contra sua vontade. Com um riso sarcástico um dos bandidos ergueu sua arma para o ataque, mas então revirou os olhos e caiu ao chão, inconsciente. A ruiva, surpresa, virou-se e viu que os outros dois também estavam dormindo. Foi então que viu um elfo, ainda com a mão levantada, tendo acabado de realizar seu encantamento. Seus olhos eram azuis e tinha os cabelos loiros longos e lisos. Sua indumentária era de cor marrom-clara, e portava um longo cajado, caracterizando-o como usuário das artes arcanas.

Tão logo os bandidos foram ao chão, o elfo jogou uma corda na frente de Redris, mandando-a com sua voz melodiosa porém autoritária amarrar os bandidos, já que o efeito do sono não duraria muito tempo. O tom das ordens fez com que a ruiva, embora agradecida pela ajuda, não simpatizasse com aquele estranho. Depois de prender os bandidos numa árvore, Redris preparou-se para continuar seu caminho sozinho. Foi quando o elfo o chamou para conversar.

– Meu nome é Glaranduil, e estou indo para Hawkmoon. Se também estiver indo para lá, sugiro que façamos o caminho juntos, é mais seguro.

Redris suspirou, e voltou seu olhar para baixo. A dificuldade em ver seus próprios pés o fez lembrar de sua condição feminina. Seria um transtorno explicar o seu problema, mas também continuar o caminho sozinho seria muito perigoso.

– Meu nome é Redris, e também estou indo para Hawkmoon. - disse, estranhando um pouco sua própria voz, que estava mais aguda

O sol já estava quase se pondo, e logo decidiram acampar pelo caminho. Encontraram uma clareira onde as pedras protegiam do vento frio noturno e acenderam uma fogueira. Depois de comerem, Glaranduil se ofereceu para fazer a primeira vigília, e disse para que Redris descansasse.

A presença do elfo não incomodou Redris, e nem passou pela sua cabeça a possibilidade de um ataque noturno e traiçoeiro por parte dele, que ainda era um estranho. A aparência frágil e assexuada de Glaranduil era motivo suficiente para que se sentisse seguro. Mas era necessário avisa-lo de certa coisa... A ruiva então inspirou para tomar coragem, e disse:

– Glaranduil, eu... Não sou assim na realidade. Esta não é minha verdadeira aparência. Ao amanhecer estarei diferente, peço que não se assuste.

O elfo limitou a acenar com a cabeça, e voltou sua atenção para os arredores.

Ao raiar do dia, Redris despertou. Depois de esfregar os olhos e se apoiar com os cotovelos no chão duro, verificou que havia se tornado um homem novamente. Peito liso e um toque nas partes baixas confirmaram sua masculinidade. Com um espreguiçar, procurou pelo elfo, e ele estava ali, recostado na pedra, observando-o fascinado. Era um olhar clínico, que fez com que o ruivo se sentisse uma aberração. Aquilo o irritou, e Redris esperou por uma torrente de perguntas. Que no entanto não vieram.

Continuaram viagem. E nada. O elfo permaneceu calado, como se nada tivesse acontecido, e nada disse a respeito, nem naquela hora, nem até o dia de hoje. E isto irritava mais e mais o guerreiro.

Redris abandonou suas lembranças e focou no presente. Procurou pelo elfo, e encontrou-o sentado num tronco de árvore. E em sua face estava aquela mesma expressão misteriosa da outra vez, fazendo com que Redris se sentisse examinado, desnudando-o até revelar seu próprio interior.

Isto tudo era demais para ele, e já sentia que em breve iria explodir de raiva. Ao perceber que iria desencadear a transformação, Redris se obrigou a acalmar, respirando devagar e tentando pensar em coisas amenas, mas em vão, e sentiu que se tornaria uma mulher mais uma vez. Sua transformação para sua versão feminina foi acompanhada pela observação fascinada do elfo, que deixou Redris possessa, com uma imensa vontade de estrangula-lo. Com as mãos em forma de garras a ruiva voou em direção de seu alvo.

Habilmente o elfo se esquivou, e um rápido encantamento fez com que Redris caísse num sono profundo.

Redris aos poucos sentiu a consciência voltar, e a primeira imagem que viu foi a do elfo o observando. Com um salto se pôs de pé, sentindo uma leve tontura que logo passou. Já não estava com tanta raiva quanto antes, mas o estrago já tinha sido feito: permaneceria como mulher até o amanhecer do dia seguinte. O elfo, por sua vez, continuava com o seu olhar fixo sobre ele, ou ela.

Redris soltou um suspiro e disse:

–Glaranduil, já lhe disse que sou grato pela ajuda com os bandidos, e sei que estamos juntos para nos protegermos até chegarmos a cidade de Hawkmoon... Mas por que raios você não disse nada a respeito do que viu? Por que não me pergunta nada? Por que vocês elfos são tão assim, diferentes?

Glaranduil esboçou um leve sorriso, e acenou com a cabeça.

–Sim, somos diferentes, Redris. Na minha cultura respeitamos o espaço do outro, e somente avançamos quando nos é permitido este direito. Peço desculpas, não sabia que estava sendo rude agindo desta maneira.

Redris ouviu a voz melodiosa do elfo, e sentiu que estava sendo sincero. A réplica havia sido desconcertante, e o guerreiro percebeu ter sido um idiota por ter agido tão impulsivamente.

–Hmm, tudo bem, eu é que peço desculpas, estava errado a seu respeito... – diz, fazendo um gesto apaziguador -Você... Sendo um mago e tal, não conhece uma maneira de acabar com minha doença?

O elfo se aproximou e tocou a face de Redris, que estremeceu com o contato. Imediatamente ruborizou, envergonhado com a reação. Glaranduil, se notou algo, não fez nenhuma menção a isto.

–Não se trata de ilusão. E tampouco uma doença, pois nunca ouvi falar de alguma que cause este tipo de sintoma. O mais provável é que se trate de uma maldição, já que as maldições podem ter efeitos variados, muito peculiares. Você troca de sexo somente quando está nervoso ou sob tensão?

O guerreiro pensou por um instante, e então respondeu:

–Toda vez que passo por alguma emoção forte... Tudo começou quando tive que defender a fazenda em que morava de um ataque goblin. Senti muita raiva, e notei que conseguia manejar bem uma espada, sem nunca antes ter treinado. Somente depois que havia trucidado os goblins que percebi que tinha virado mulher.

Redris novamente suspirou. Suas memórias eram dolorosas.

–E foi então que os problemas começaram. Toda vez que me emocionava, eu me transformava. E tão frequentemente que isto magoava minha noiva, Kaalla, eu sentia isto. Tive que abandonar tudo que mais amava para buscar uma cura, para que um dia possamos ser felizes novamente.

Redris já se sentia melhor por ter contado sua historia, pois já estava se tornando um fardo muito pesado para carregar sozinho. Glaranduil sorriu, e Redris permitiu-se sorrir também.

–Redris, você me parece ser uma pessoa boa e honrada. – disse o elfo com tom firme e decidido - Eu o acompanharei em sua jornada, e juntos encontraremos aquilo que procura.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Crônicas De Redris" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.