Give Me Love escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 4
Capítulo III - Sob A Tempestade


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Me desculpem, o capítulo deveria ter sido postado na terça-feira mas eu tive alguns contratempos.

Sobre o cap.:
Música: "Storm" - Lifehouse.
Itálico: Flashback, ênfase, trechos da música.
Capa: Cena do anime "Ao No Exorcist", personagem Rin Okumura. Editada por mim.

Boa leitura~



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"Se você precisasse de alguém para viver, não morreria em caixão separado."

Thephalpers

– Você acredita em vida após a morte, Yha? - O rapaz ousou perguntar, como se não fosse nada de mais.

A garota ponderou um pouco sobre o quê responder. Dentro de suas convicções e princípios religiosos que a família instituíra, ela acreditava cegamente na vida eterna. Mas e seu verdadeiro eu? Quantas vezes ela já não havia quebrado seus próprios valores, desobedecendo os dogmas de sua religião?

– Sinceramente, Logan - ela voltou os olhos para o límpido céu -, eu não sei mais. Quero dizer, você acredita que tudo isso é real? O mundo, quem nós somos, tudo o que aconteceu desde o início dos tempos... Tudo. Muitas coisas apenas saíram das mentes perturbadas de pessoas que não tinham nada para fazer e resolveram enganar um pouco as próximas gerações - que nunca chegariam a conhecer. É estranho. Ser humano é estranho.

Logan virou-se para ela, curioso como sua amiga sempre tinha respostas longas e confusas de mais para perguntas que, para serem respondidas, bastaria um "Sim" ou um "Não". Era assim que ele gostava dela. Louca e desenfreada em pensamentos furtivos e desconexos. Aquela era sua preciosa Yhasmin, despida da sanidade do mundo.

O momento tão singelo de compartilhação foi brutalmente encerrado pelo som escandaloso de escapamentos de motos possantes. Passaram velozes pela trilha de terra, levantando poeira. O último motoqueiro fez questão de passar por cima de uma pilha de folhas secas, jogando-as sobre os dois amigos sentados na grama. O único detalhe que Yhasmin pôde reter antes de tentar esquivar-se das folhas, foram os fios louros que escapavam por baixo do capacete.

– Então tudo acabou - o olhar perdeu-se no neutro branco do teto. - Puff.

A ponta da elegante caneta dourada corria sobre o papel sépia, anotando tudo o que o rapaz falava. O psicólogo parecia sombrio, alojado sobre a poltrona de couro no canto mais escuro da sala. Logan gesticulava com as mãos, como se quisesse alcançar algo invisível.

– E como se sentiu em relação a isso, Logan? - O homem ajeitou a armação do óculos sobre a ponte de seu nariz.

Diante ao questionamento, o castanho se sentou no divã, encarando o psicólogo com uma expressão alucinada.

– Como eu me senti? - Repetiu a pergunta, inclinando-se um pouco para fora do divã. - Como o senhor se sentiria se sua melhor amiga morresse bem na sua frente?

Ele se levantou, caminhando até o meio da sala a passos vagarosos, não perdendo o contato ocular. O psicólogo não se intimidou com a aproximação do jovem, tão pouco se moveu para prevenir-se. A tensão se instalava sorrateira na sala, não querendo atrapalhar o sono da tranquilidade.

– Diga-me... Como o senhor se sentiria se a garota que você amou desde a infância morresse por um erro seu?! - Logan aumentou o tom de voz, batendo o pé no chão como uma criança. - Hein?!

– Eu perguntei primeiro, meu caro - o psicólogo ajeitou o óculos mais uma vez. - Faz parte da regra de etiqueta você responder minha pergunta antes de querer saber alguma coisa. Além do que, sou eu quem faz as perguntas aqui. Compreende isso?

Um instante de silêncio, onde apenas tic-tac de uma caneta se fazia audível. Logan relaxou o corpo, sentando-se no chão de modo desleixado. Uma rala e solitária lágrima brotou no canto de olho esquerdo, escorrendo sem que nem ele mesmo se importasse.

– É apenas a nossa primeira sessão, Logan. Você se abriu bastante, e isso é bom. Mostra que você está disposto a perdoar a si mesmo por uma culpa que nem ao menos existe. Mas você precisa ter paciência, meu jovem - a voz calma e pesada do psicólogo o deixava entorpecido.

Um alarme baixo e breve indicou o término da sessão. O homem pousou o bloco de notas e a caneta sobre uma mesinha ao lado da poltrona. Logan se levantou devagar, voltando ao divã para apanhar a mochila.

– Vamos tentar de novo na semana que vem, sim? - O psicólogo já estava abrindo a porta, esticando a mão polidamente para o jovem.

Este se despediu, seguindo pelo corredor até a recepção. O piso de madeira rangia preguiçosamente sob seu peso, alternando-se entre o som oco. Apanhou o blusão no cabide, não se preocupando em confirmar a próxima sessão nem em assinar sua presença na que se encerrara no balcão de atendimento.

– S-Senhor - a secretária tentou chamá-lo. - Senhor!

A porta de saída voltava a se fechar, sequer regredisse seus passos até o balcão. Os outros pacientes que esperavam nos sofás apenas observaram mudos o rapaz sumir da clínica. Obviamente cada um deles respondeu à situação com uma expressão diferente, desde as mais divertidas até as confusas.

As ruas eram movimentadas naquela hora da tarde. Trabalhadores precisavam voltar do almoço, crianças tinham de ir para a escola e alguns estudantes deviam regressar ao colégio para o segundo turno de aulas. Naturalmente Logan foi acertado nos ombros pelos mais apressados. Naturalmente ele não deu a mínima.

Deveria voltar para casa, mas o papel de parede de seu celular lhe cutucou a respeito de passar no cemitério antes. O peito já se apertava em antecipação. Fazia quatro meses que Yhasmin não falava mais com ele nem com ninguém, os únicos sorrisos eram admirados por meio de fotos como aquela.

– Estou indo, Yha - o castanho dirigiu-se ao ponto de ônibus, vestindo a touca de seu moletom.

Ele se sentia sozinho.

O alvo foi acertado sem demora. Um milésimo de segundo depois de Darius ter o ajeitado para a mira.

– Na mosca - gabou-se Yhasmin, baixando o arco.

A flecha acertara precisamente o centro do disco, quase perfurando a mão de Darius no processo. A morena deu alguns passos para trás, observando com orgulho os alvos anteriores. Estes se alternavam entre perfeitos e ótimos, carregando poucos detalhes que mereciam ser ressaltados.

– Você é louca? Ah, não responda - Darius meneou a cabeça negativamente.

– Não enche - Yhasmin retrucou, virando-se para sair da arena de treinos.

Ambos veterano e caloura discutiram mais um pouco sobre a mão do mais velho quase ter virado num alvo no último exercício. A garota riu, dizendo que ele deveria ter mais agilidade ao se colocar na frente de uma flecha tensionada.

– Que seja - o ruivo desistiu. - Seu treinamento básico está concluído. Vou requisitar uma missão para você. Pode escolher suas armas e a roupa, provavelmente já terá de sair amanhã.

– Nossa, tantas missões assim? - Yhasmin se impressionou.

– Claro que sim. Os humanos se aventuram em casos, namoros de uma semana, paixonites, "ficadas" e outras baboseiras mais todos os dias. Isso acontece em todo lugar do mundo, o que nos rende infinitas missões - Darius explicou. - Ah, lembre-se. Anjos não questionam, só obedecem.

– Certo - Yhasmin fechou os olhos casualmente, continuando a acompanhar seu veterano para a Pousada.

Atravessaram o pátio de esculturas de gesso até chegarem a um bosque. Alguns casais passeavam de mãos dadas ou apenas conversando, casais de todos os tipos. Yhasmin sorriu de canto maldosa, pela cena. Cupidos não podem se apaixonar, mas isso não os impede de ter casos como os dos humanos. Enquanto não se apegarem a ninguém conjugalmente, poderão dormir tranquilos.

– Sente falta disso? - Darius murmurou, inclinando-se um pouco para ela.

– Falta do que? - Yhasmin desviou a atenção do bosque. - De andar por aí com alguém? Estou fazendo isso agora.

– Quando você era humana era livre para fazer esse tipo de coisa. Ficar com alguém em algum lugar, namorar, esse tipo de coisa - o ruivo esclareceu.

– Embora eu não me lembre do que eu vivi como humana, sei muito bem que humanos não precisar se apaixonar para viver. Pelo contrário, até vivem mais se ficarem só consigo ou terem apenas casos. São como nós, Darius. Se não nos apaixonarmos por ninguém, estaremos a salvo.

Decididamente Yhasmin tinha mudado desde de que começaram o treinamento. As asas cresceram um pouco e trocaram de penas, estavam mais polidas. Mas o temperamento também tinha mudado. Não era mais ingênua ou assustada, tornara-se um tanto fria, segura de si e forte. O ruivo resolveu manter-se atento para que sua caloura não acabasse virando um Eros, enquanto a observava tomar a dianteira no caminho até a Pousada.

– Alguma coisa errada? - A morena deteu-se antes de descer os degraus de ardósia que levavam ao jardim frontal do complexo de apartamentos da divisão.

Darius a encarou por demorados segundos, por fim dando um sorriso de canto divertido e caminhando para a pequena.

– Não - ele mesmo estava tentando se convencer disso.

– Quer apostar corrida até chegar na varanda? - Yhasmin desafiou, fechando as mãos e torcendo que o veterano aceitasse.

– É proibido correr por aqui, sabe disso - Darius reassumiu sua postura inflexível.

– Acho que deve ser por isso que você é o único da Regência sem um caso - Yhasmin provocou. - Ranzinza demais.

– Também é por isso que eu sou o mais eficiente - o ruivo retrucou. - Não preciso de alguém me esperando na cama para ser bom nas coisas que faço, muito menos para ter bom-humor. Os cupidos bons são aqueles que não dependem de ninguém, como eu. Quando deixar de ser infantil e amadurecer, quem sabe não precise mais de minha supervisão e passe a ser uma cupida de verdade.

A garota lhe fechou o cenho, apertando o passo para chegar antes na varanda da Pousada. Mais uma vez o veterano estancou no lugar, acompanhando as portas de vidro fecharem-se atrás da morena.

– Tenho que controlar mais minha boca - ele suspirou cansado.

Apressou-se em entrar logo no complexo e dirigir-se ao quarto de sua caloura. Provavelmente se engasgaria num pedido de desculpa e puxaria um assunto que desviasse a atenção da jovem de sua falta de sensibilidade.

Faltavam pouco menos de dez minutos para o cemitério fechar os portões. Mas Logan poderia permanecer a eternidade inteira ali, tanto é que nem se dava conta do limite de tempo que tinha.

Depois de ter ficado tanto tempo em pé, o rapaz julgou poder sentar-se sobre a trilha de paralelepípedos que passava pela rua de túmulos. Os olhos esquadrinhavam novamente a lápide e suas gravações, ao passo que ele sentia seu coração se rasgando em remorso.

["Storm" - Lifehouse: https://www.youtube.com/watch?v=QU6AhH2a1cU&hd=1]

Seus pais e os amigos mais próximos tinham lhe recomendado a não ficar tanto tempo no cemitério e a não ir lá todos os dias. Na visão desses, aquilo não era nem um pouco saudável, além do que esperavam que ele já tivesse se acostumado com a ausência da amiga.

Mas era ali que Logan se sentia seguro, completo e - com algum esforço de consciência - em paz. Desde de que Yhasmin partira ele sentia ondas quebrando em sua cabeça, e ficava cada vez mais difícil manter-se sob controle.

Pingos de chuva chegaram ao solo sorrateiramente, até que engrossaram o suficiente para que trovões começassem a ribombar no céu escuro. Logan não se preocupou em pegar o guarda-chuva dentro da mochila e evitar um resfriado, ele já estava em sua própria tempestade repleta de negrumes em sua mente e coração.

Se eu pudesse apenas ver você

Tudo estaria bem

Se eu pudesse ver você

Esta escuridão se tornaria luz

– Yha, será que você me perdoou? - Logan encarava o túmulo de mármore negro com um pesar insuportável no peito.

Eu sei que você não me trouxe aqui para me afogar

Então por que estou a 10 palmos e de cabeça para baixo?

Apenas sobreviver se tornou meu propósito

Porque estou tão acostumado a viver debaixo da superfície

– Eu estou cansado, Yha - ele deixou que a cabeça pendesse para trás.

Tentava fitar as nuvens escuras, mas os pingos de chuva lhe incomodavam os olhos. Sentia a necessidade de encarar a tempestade e gritar que ele sobreviveria ainda que seu bem mais precioso tivesse sido levado por um erro estúpido.

Voltou a olhar o túmulo, baixando a cabeça para seu colo em seguida. Suas lágrimas não podiam ser sentidas nem diferenciadas pela chuva que tomava conta de suas vestimentas e da pele exposta. Ele próprio estava se afogando.

– Ei - alguém o tocou no ombro e a chuva foi impedida de derramar-se sobre ele.

Logan ergueu o olhar, encontrando um teto de armações de ferro e uma lona ampla e preta. Um dos vigias do cemitério avisava que o lugar estava para fechar dali a pouco.

– Tem de voltar para casa, meu jovem - o senhor aconselhou, ajudando-o a se levantar. - Quer pegar um resfriado? Não é bom ficar assim debaixo de uma tempestade.

– Tchau, Yha - Logan murmurou baixo encarando o túmulo.

– Disse alguma coisa? - O vigia o guiava gentilmente para o passeio plano que saía da pequena rua.

O castanho apenas meneou a cabeça negativamente, apertando com firmeza a alça da mochila. O céu rugia, como se quisesse devorar a terra inteira. A tempestade perduraria até à noite, enquanto a de Logan não passaria tão cedo.


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Notas finais do capítulo

O que estão achando da estória? 'w'

Nos vemos nos reviews. o/

Beijos,
Lollallyn~