Charming escrita por Mirchoff


Capítulo 2
Capítulo I - Lily


Notas iniciais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece, certo?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/421511/chapter/2

Os dias que antecederam aquele não pareciam mais infernais.

Lily tinha o desejo constante de voltar no tempo e rasgar a maldita carta em pedacinhos antes que seus pais chegassem em casa. Ou simplesmente dar alguma desculpa como "Cécile irá conseguir a vaga, é inútil que eu me inscreva".

Ela levou as mãos a cabeça, massageando as têmporas. Aquela dorzinha de cabeça insuportável não a abandonava desde aquela fatal sexta-feira, depois do Jornal Oficial. O apresentador da Seleção, Evon Donoghue, exibiu seu sorriso perfeito e brilhantes antes de anunciar o nome de Lily Braus.

Lembrava-se vagamente do que ocorrera depois daquilo. Cécile gritou em seu ouvido, abraçando-a tão forte que Lily podia sentir seus ossos quase se quebrando. A mãe dançara pela casa com o pequeno Guydeon, que soltava aquela risada gostosa dos bêbes, nos braços. O pai beijara o topo de sua cabeça e apertara seu ombro, como quem dissesse "Estou orgulhoso de você.

E Lily queria vomitar.

Nos dias seguintes, o telefone não parara de tocar. Havia guardas na porta de sua casa, e ela não gostara da ideia de ter tanta gente do palácio ali.

A família dos Braus pertencia à casta Quatro. Marco era um joalheiro renomado da província Lake, enquanto Zabeth administrava o melhor restaurante das redondezas. Mas isso não significava uma vida de mimos e paparicos. Cécile, que havia acabado de completar dezessete anos, trabalhava numa loja de sapatos. Lily trabalhava no restaurante e, às vezes, ajudava na confeitaria da irmã mais velha, Safaa. Isso rendia algum dinheirinho extra, mas todo o resto iria para as despesas da família.

Moravam num sobrado simples, de paredes vermelhas e repleto de flores. De repente, Lily se viu tendo as medidas tomadas, remédios receitados e também tinha uma espécie de assistente. Deleyne não era de todo ruim, mas a garota a achara um tanto fútil.

O pior fora aquele magrelo. Ah, Deus, por que? Lily lembrava-se de ter respondido coisas um tanto desconfortáveis. O Sr. Summer a fizera assinar tantos papéis que tivera vontade de fazê-lo engolir toda aquela porcaria.

Mas isso não é atitude de uma selecionada. murmurou a garota, apoiando as mãos no queixo. Deleyne dizia isso o tempo todo.

Gaston Summer também fez a pior pergunta de sua vida. Ele olhou bem em seus olhos, apoiou os dedos esqueléticos na mesa e disse, com todas as palavras:

– A senhorita ainda é virgem?

Lily quis socá-lo. Sentiu o rosto esquentar absurdamente, e a mãe engasgou-se. Cécile ficara pálida.

Iléa era um país cheio de regras. Uma delas era clara como água: relações sexuais antes do matrimônio eram crime. Qualquer um que fosse descoberto, por gravidez ou denúncia, passaria algumas noites na prisão. Os filhos ilegítimos eram jogados na rua, seriam Oito. Era uma forma eficaz de conter doenças e manter intacto o sistema de castas.

– Eu nunca namorei, senhor. – Lily respondera.

– Creio que saiba que, caso descobrirmos que está mentindo... – ele batucou os dedos na mesa.

– Conheço as regras. – retrucou, a voz firme. Aquele magrelo a irritava profundamente. – não sou nenhuma tola. Acabamos?

Ao se lembrar do que ele disse depois, teve vontade de chorar. Não, tivera nojo. Nojo de si mesma, do príncipe, da Seleção. Gaston dissera que ela não poderia recusar nada que o príncipe quisesse. E ela sabia o significado disso. Gritou por horas numa das raras vezes em que ficara sozinha. Por que a realeza não seguia as regras?

Agora estava ali, sentada num banco do aeroporto. Outras duas selecionadas viajariam com ela, e Lily se permitiu chorar. Em poucas horas chegaria ao palácio, e isso era assustador.

Pobrezinha! a voz a assustou. Um lenço lhe foi oferecido.

Os olhos negros de Lily encararam um par de íris verdes. Reconheceu Wanda Knight, uma Cinco, da província Preter. Seu sorriso gentil amoleceu o coração da filha mais nova dos Braus.

– Obrigada. – murmurou Lily, secando as lágrimas. – eu sou Lily.

– Lily Braus. Eu sei! – Wanda se sentou ao seu lado, dando tapinhas em seu ombro. – meu nome é Wanda. Meio estranho, eu sei. Não precisa chorar, querida, mas eu entendo. É meio maluca essa ideia de competir por um cara, não é?

A outra garota assentiu, um pouco desconcertada. Não era proibido fazer amigas durante a Seleção, mas era esperado algum tipo de comportamento intimidante. Quer dizer, todas estava ali querendo vencer, certo?

Errado. Lily queria ir embora. Fim.

Wanda soltou uma gargalhada alta, tinha dito algo que Lily não prestara atenção.

– Mas, falando sério, você já viu uma foto dele? – perguntou, olhando para as unhas. Wanda tinha a pele bronzeada, saudável, e o cabelo negro chegava até sua cintura. A voz aveludada não deixava dúvidas de que cantava muito bem. – do príncipe, eu digo. Jasper. Ele tem essa cara de...

– Encrenqueiro. – completou Lily, dando um sorrisinho forçado. – meio intimidante, você não acha?

– Ah, eu o acho lindíssimo. Quer dizer, ele já não é mais nenhuma criança. Lembro-me de quando fez quinze anos e o país inteiro festejou... E agora, veja só, tem cara de homem feito.

Lily segurou o riso. Aos quinze anos, o príncipe Jasper era um garoto franzino, e os sinais da infância ainda marcavam seu rosto. Mas Wanda tinha razão. Aos vinte e um, era praticamente irreconhecível se não fosse pelos incontroláveis cachos castanho-escuro. O príncipe era frequentemente visto com os cabelos desarrumados, o que resultava em trocas de olhares irritados com a rainha Ella.

Era uma das poucas coisas que Lily gostava, embora achasse que o herdeiro dos Griffith não passava de um mimado.

Com horror, percebeu que estivera pensando no príncipe. Lily tirou Jasper de sua cabeça com um espanador imaginário.

Quando a outra selecionada chegou, alguns servos do palácio as levaram para o avião. Rae Thomas, de Paloma, era uma três um tanto sem graça e as ignorou por completo. Wanda revirou os olhos ao vê-la.

– Está vendo? – murmurou a garota de Preter. – age como se nem estivéssemos aqui. Vaca. Eu adoraria acertar alguns socos nesse rostinho. Você segura, eu bat...

– Wanda! – Lily lhe deu um cutucão, horrorizada. Se alguém a ouvisse, estariam em problemas. Era estritamente proibido agredir qualquer outra candidata. A garota não seria expulsa imediatamente, era dever do príncipe decidir se ela ficaria ou não. Mas é claro que acabaria em muito choro, alguns gritos e talvez palmas: a selecionada daria adeus à competição.

– O quê? – ela deu de ombros, ajeitando a bolsa no ombro esquerdo. – ainda não estamos no palácio. Posso muito bem dar um jeito nessa daí. Se tivesse um nariz torto... Uma a menos, certo?

–x–

Angeles sempre fora encantadora. Lily visitara a cidade real uma vez, com o pai. Marco tinha frequentemente encomendas da realeza. O anel de noivado de alguma condessa, a tiara de prata e diamantes da princesa Phoebe. Era tudo tão claro e organizado, algo muito diferente das outras províncias. As ruas seguiam um padrão engraçado, sempre em direção ao palácio de Dresmont.

– Por que o nome é Dresmont, pai? – perguntara, certa vez.

– Os Dresmont foram a primeira linhagem de reis de Iléa. – respondeu Marco. – a esposa de Gregory Iléa, Acacia, era uma Dresmont. Veio para cá de um país longínquo, o qual chamavam de Noruega, que agora adota o nome de Baerion. E Gregory, apaixonado, construiu o palácio em homenagem à ela. Seus filhos, Caster e Lerion, adotaram o nome da mãe depois que o pai faleceu. E seus filhos eram Dresmont, e os filhos de seus filhos também. Sansa Dresmont, Rhaegor Dresmont, Opasis Dresmont Todas essas pessoas importantes que você vê nos livros da escola são descendentes de Gregory.

– E o rei Peter também é um Dresmont? Digo, descende deles?

O pai deu seu mais brilhante sorriso naquele dia. Tinha fascínio pela curiosidade da filha, que sempre procurava saber mais e mais sobre qualquer assunto.

– Todos os reis e rainhas do nosso país descendem dos Dresmont. respondeu. mas o nome não permaneceu o mesmo, é claro. A primeira mudança ocorreu no reinado de Astard Gasper, filho de uma princesa vinda do norte e Zagor Dresmont. Zagor fora morto por sulistas antes de seu único filho nascer, e a rainha Talisa casou-se com o duque de Gasper. O povo precisava de um rei, e o príncipe de um nome. A partir de então, o nome dos reis e das rainhas foram mudando, mas todos tem o sangue dos Dresmont.

Na época, Lily bebeu suas palavras como se fossem o mais doce néctar. Ao pensar na enorme biblioteca que ela imaginava existir no palácio, seu estômago deu pulinhos. E sorriu abertamente, mesmo sem perceber.

Quando deu por si, já tinha passado pela multidão no aeroporto. Pessoas com cartazes erguidos clamavam por Rae e Wanda, e até por Lily, mesmo que não em tanta quantidade. Um menininho estendeu um bloquinho de papel para ela, que sorriu e rabiscou seu nome ali. Lentamente, a ficha de que estava na Seleção ia caindo.

O palácio era esplendoroso. Torres altíssimas, janelas reluzentes, sacadas e tudo mais. Não era como os outros castelos que Lily vira por fotos, era melhor. Os muros altos, câmeras e guardas não a impediam de ficar deslumbrada com a visão.

Uma mulher alta, trajando um vestido perolado e com uma caderneta na mão, sorriu para as três. Lily automaticamente ajeitou seu próprio vestido. Aquele tom de azul favorecia sua pele, e estava até bonita. Mas a mulher era tão bela que se sentia intimidada.

É esse tipo de garota que irei encontrar aqui, pensou. Bonecas de porcelana. Bonecas de porcelana segurando uma faca para enfiar em minhas costas, é claro.

– Me chamo Clara Walters. – a mulher ajustou os óculos de aro fino, provavelmente lendo seus nomes na caderneta. – senhoritas Wanda, Lily e Rae, certo?

– Isso mesmo. – Wanda tinha um tom doce, sorrindo amigavelmente para Clara. Lily não conseguira abrir a boca.

– Muito bem, garotas. – a Sra. Walter (Lily notou uma aliança em seu dedo anelar) indicou o portão do palácio. – irei levá-las até o salão. Iremos fazer um "antes e depois". É a chance de mudar, queridas!

Imagino o que minha família está fazendo agora, Lily teve vontade de sair correndo. A ideia de fazer alguma transformação maluca com sua aparência a deixava aterrorizada. Gostava do comprimento dos cabelos, de suas unhas bem cortadas, das sardas que tinha no rosto. Imaginou que provavelmente transformavam as selecionadas em garotas que o príncipe gostaria. Talvez loiras. Cabelos cacheados. Lisos. Ruivas. Lábios vermelhos. Sombra azul. Bochechas coradas. Sem maquiagem. Perfume cítrico. Morenas. Lentes de contato verdes. É completamente ridículo. Serei o que sou, e não o que querem que eu seja. Será que ele gostaria de mim?

– príncipe Jasper irá gostar de todas, tenho certeza disso. – Wanda apertou seu ombro amigavelmente. Lily sentiu o rosto esquentar ao perceber que havia pensado alto. – o seu cabelo é lindo, gosto desse tom de castanho, e não estou falando isso para que interprete o contrário, tá? Mas pode crer que muitas garotas o farão.

Ela riu, arrancando um sorriso da outra. Wanda tinha esse aspecto gentil, e Lily sentiu que seria impossível deixar de falar com ela.

– É muita gentileza da sua parte dizer isso. – agradeceu. – eu gosto dos seus olhos. São lindos.

– Obrigada! Eu estava pensando em lentes, sabe, gostaria de impressionar o príncipe. Pelo menos um pouquinho. Li em uma revista que ele gosta de olhos azuis...

Lily já não estava mais ouvindo. Sua atenção se voltou para uma movimentação perto do bosque, ao longe. Um corcel branco corria em círculos, ora erguendo as patas dianteiras, ora escoiceando o ar. A garota deu uma olhada na Sra. Walters e em Wanda e Rae antes de sair do caminho de pedras até as grandes portas do castelo.

Estaria frita se a descobrissem.

Em passos rápidos, se esgueirando pelos chafarizes e arbustos, se viu observando o rapaz alto que domava o cavalo. Surpreendentemente, vestia calças sociais e camisa de botão. As mangas arregaçadas lhe davam um ar trabalhador, mesmo que a expressão em seu rosto fosse de puro divertimento. Ah! E que rosto...

O rapaz dos olhos verdes notou sua presença. Um sorriso torto surgiu em seus lábios rosados, e Lily jurou que morreria ali mesmo. Lhe parecia tão familiar...

– Com licença? – ele se aproximou, deixando o corcel correr livre. – você... É da Seleção?

– E-eu me perdi. – a garota queria sair correndo. O rosto do rapaz ainda a intrigava. O sorriso torto, o cabelo cacheado... – me desculpe, não queria atrapalhá-lo.

– Ah, não tem problema. – ele riu. – se não tivesse aparecido, teria perdido completamente a noção do tempo. Sabe como é, também preciso me preparar para essa coisa. Quer dizer, qual a necessidade disso? Eu posso arrumar uma namorada sozinho. Sem querer ofender!

Deus, não.

O príncipe Jasper a olhou dos pés a cabeça, e então coçou o queixo, um esboço de timidez surgindo no rosto.

– Mas, se todas forem bonitas como você, eu posso até ficar animado com essa competição idiota.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu quero agradecer pelos comentários. Tipo, esperava BEM menos.Tá, na verdade eu não esperava nenhum, mas tudo bem.Espero que tenham gostado, e, bom, até a próxima.Ah! Já ia me esquecendo: algum de vocês vai ver a Kiera? ** Eu to SUPER ansiosa pra terça-feira. Pra quem não sabe, vai rolar sessão de autógrafos aqui em SP (29) e no Rio (amanhã). Em SP vai ser na livraria cultura do Conjunto Nacional, na Paulista, e no Rio eu não sei :-( bem, é isso. Se alguém for em SP, me avisem!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Charming" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.