Resident Evil: Inevitável escrita por MihoSaori


Capítulo 3
Inocência


Notas iniciais do capítulo

A primeira parte em itlico um flash-back.

E Nathoca, obrigada pela ajuda! Memso que tenha tido spoilers antes de todo mundo, n curiosa? x]



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Inocência      

Era um dia normal, talvez umas quatro da tarde num sítio no interior, uma propriedade não muito grande, mas o suficiente para uma pequena plantação de cerejeiras de onde vinha a renda extra do casal de idosos que viviam ali. A colheita era feita com uma máquina que parecia um guarda-chuva invertido, que sacudia as árvores e fazia as frutas maduras caírem no coletor, e dessas colheitas eram feitos doces, compotas, caldas e geléias que a avó vendia numa pequena loja na beira da estrada já famosa entre os viajantes. Agora era época de cerejas, e as árvores estavam cheias das frutas vermelhas que cobriam seus altos galhos.

      A casa tinha um belo estilo colonial, as paredes brancas com uma varanda enorme com o piso de madeira, as portas e janelas azuis claros. A plantação das cerejeiras ficava longe demais da sede para se ir até lá andando, mas não era um trajeto longo a ser percorrido no trator, ou a cavalos. As enormes árvores cor-de-rosa rodeavam uma enorme represa, que se parecia muito com um lago menor, e o avô construíra um píer de madeira que se estendia vinte metros sobre a água.

      E era naquele campo de cerejeiras que duas vozes infantis discutiam.

      -Aurie, é muito alto! - o menino loiro avisou em um dos galhos mais altos. - Eu já disse que pego as cerejas e depois dou pra você!

      -Não! Quero subir até aí sozinha. - ela rebateu pulando novamente e agarrando-se a um pedaço de galho mais baixo, que pretendia usar de apoio para subir na bifurcação do tronco e então até onde o loiro estava.

      -Você vai se machucar! - ele advertiu de novo, vendo a garota de seis anos esforçando-se para subir. Ela nunca desistia, sempre com aquela mesma teimosia que nunca acabava!

      O avô, um senhor idoso de feições gentis, os olhos castanhos escuros e os cabelos brancos sempre penteados para trás, estava há muitos metros, fazendo a colheita diária com a máquina em forma de guarda-chuva. As crianças decidiram que queriam vir com ele e Leon subira na árvore, jogando lá de cima as pequenas bolinhas vermelhas para uma Aurora que tentava pegá-las direto com a boca, rindo divertida quando tinha sucesso. Mas agora, ela tinha visto uma cereja sozinha num galho um pouco mais distante e difícil de ser alcançado porque não havia um suporte seguro para se apoiar. E ela queria especificamente aquela fruta.

      A garota de cabelos curtos tocando levemente os ombros e franja sobre os olhos arregaçou as mangas do vestido florido e voltou a tentar subir, usando toda sua pequena força para levantar seu próprio corpo até a bifurcação no tronco. Depois de alguns minutos e muito esforço, ela conseguiu o rostinho suado, mas satisfeito. O menino ficou sentado num galho um pouco mais alto, observando a mais nova tomar o rumo contrário na árvore, subindo até o galho perigoso, sem apoio.

      Ela se encarapitou naquele galho fraco, apoiando-se no tronco principal com uma mão e esticando-se ao máximo para tentar alcançar com o braço livre a fruta que pairava na ponta de outra ramificação na madeira, um pouco acima. Seus pequenos dedos estavam a centímetros da fruta, sua face infantil torcida em esforço e determinação. Leon prestava atenção aos movimentos dela, sabendo que aquilo era perigoso demais e que um acidente era praticamente visível.

      Nesse instante, um barulho de madeira se rompendo o fez alargar os olhos e soltou a camiseta que usara para fazer uma cesta onde colocava as cerejas. O galho onde ela estava de pé rachou, fazendo-a tremer, ameaçando o equilíbrio dela.

      -Aurora, desce daí, o galho não vai aguentar! - ele avisou já sabendo o que ia acontecer e descendo de onde estava para ir ajudá-la a sair daquele lugar perigoso.

      Entretanto a menina não desistiu, inclinou-se mais, mesmo sentindo o apoio bambear sob seus pés, a ponta dos dedos roçando na superfície lisa e vermelha, seus olhos violeta querendo o doce que seus lábios já sentiam... Como o previsto, a madeira não suportou e se rompeu num ruído característico. A garota soltou um pequeno grito de susto, esperando pelo tombo que viria depois.

      Mas ele não veio.

      Dedos fortes seguravam o seu pequeno pulso, impedindo que ela despencasse de uma altura grande o suficiente para machucá-la, olhou para cima e viu aqueles olhos pretos firmes, o rosto do menino torcido na força que fazia pra segurá-la e o suor brotando em sua testa, umedecendo seus cabelos loiros.

      -Scotty... - ela murmurou, seus olhos brilhantes nos dele, escuros. Ele tinha tanta força nos olhos, todo aquele esforço em cuidar dela... Não seria algo que ela esqueceria.

      Ele não aguentaria por muito mais tempo e sabia que tinha duas escolhas: Podia deixá-la cair sozinha, ou caírem os dois juntos.

      Então num instante foram ambos ao chão, caindo um ao lado do outro. A menina não se machucou, mas o garoto de dez anos ralou o joelho esquerdo e um fio fino de sangue escorreu por sua pele exposta pelos shorts. Aurora se aproximou, vendo aquele ferimento com os olhos tristes, sentindo-se culpada por não ter ouvido.

      -Me desculpa, Scotty, eu não queria que você se machucasse! – a menina pediu com os olhos brilhando para ele, mas agora Leon estava bravo com ela por ter sido tão teimosa, e a dor em seu joelho só piorando as coisas.

      -Vamos embora. - ele disse unicamente, se levantando e tentando ignorar o ardor em sua perna, mas a garotinha permaneceu ajoelhada a sua frente.

      -Espera. - ela disse, segurando sua mão. Ele parou e a viu rasgar a barra de seu belo vestido florido, correr para a beira do lago até o cais e mergulhar o pedaço de pano na água, voltando correndo. A garota se ajoelhou novamente a sua frente, e passou o tecido úmido em sua perna, limpando o sangue que tinha escorrido, e então amarrando a faixa ao redor do seu joelho, sobre o ferimento, fazendo o frescor da água amenizar o ardor. - Ta melhor agora, Scotty?

      Ele não responde. Não entendeu porque sua raiva passou tão rápido e não sabia o que dizer. Recomeçou a andar até aonde deveriam encontrar o avô para irem embora. A garota o seguia em silêncio, até que parou de caminhar. Leon se virou para ela, vendo-a encará-lo com os olhos brilhantes.

      -O que foi, Aurora? - perguntou voltando alguns passos até parar a sua frente.

      Então a pequena estendeu para ele uma cereja, justamente a que ela tinha se esforçado tanto para pegar. O menino estranhou.

     -Por que está me dando isso? Você não a queria tanto? - perguntou meio irônico, ainda aborrecido pelo tombo.

     -Eu queria. - ela respondeu com a vozzinha baixa e os orbes tão bonitos ameaçados num brilho marejado por causa da culpa que sentia. - Mas agora eu quero que você me desculpe mais do que quero a cereja.- e os grandes olhos daquela cor inconfundível dela cintilaram em lágrimas nos pretos dele. - Me desculpa, Scotty?

      O menino engoliu em seco por um instante, vendo aquela fruta estendida pra ele e aqueles olhos tão violeta cintilarem.

      -Desculpo, pode ficar com a cereja. - ele garantiu, dando um pequeno sorriso para acabar com as lágrimas que ameaçavam o olhar dela e para fazê-la acreditar que não estava mentindo.

      Ele nunca conseguia ficar bravo com ela por muito tempo. A menina fez um pequeno sim com a cabeça e ele voltou a andar, ouvindo os passos logo atrás de si.

      Então, os pequenos dedos da menininha alcançaram sua mão. Ele revirou os olhos levemente sem deixá-la ver, achando aquilo infantil. Mas segurou a mãozinha na sua, sem sentir mais dor nenhuma no joelho.

oOoOOoOoOoOoOoOoOoOoOoOo

      Ela teve alguns minutos para se arrumar, foi deixada sozinha no vestiário da organização. Trocou a calça pelos shorts curtos de jeans escuro, vestiu a blusa preta, passando os braços pelo coldre dorsal, colocou as luvas negras que só cobriam suas mãos até a base de seus dedos. Atou os coldres pretos às coxas, logo abaixo da barra do short, e enfiou neles as duas Deserts que ganhara. Calçou as botas militares muito mais confortáveis do que qualquer outro sapato para seu tipo de trabalho e fixou no cinto o aparelho com fio de aço. Prendeu os cabelos castanhos num rabo-de-cavalo alto, a franja caindo pelo lado direito do seu rosto. A ajeitou atrás da orelha, ainda que alguns fios teimassem em deslizar até sua face.

     Apoiou as mãos sobre a pia de mármore e parou por alguns instantes encarando os próprios olhos violeta, imersa nos próprios pensamentos, tentando calar as lembranças que vieram atormentá-la na noite passada com sonhos que não queria mais ter, de uma época que preferia simplesmente esquecer. Suspirou fundo, vendo os olhos castanhos de Chris sorrindo para ela... Quase conseguia sentir novamente o cheiro de almíscar que por tanto tempo impregnara seus sentidos e seu coração tinha resquícios das emoções que ambos expressavam em sua parede de fotos...

      Foi então que seus olhos recaíram sobre sua mão direita... Lentamente retirou a luva negra, e viu a fina corrente prateada que rodeava seu pulso duas vezes e o pequeno pingente rosado que pendia ali... Uma pequena flor de cerejeira.

      "I will come back for you."

      Ainda podia se lembrar dele e de seus sorrisos de canto. Ainda podia ver aqueles mesmos olhos fortes e os mesmos cabelos loiro acinzentados. Ainda podia escutar sua voz, se ficasse em silêncio e prestasse bastante atenção.

      "Aurie!"

      Duas batidas fortes do outro lado da porta a fizeram acordar bruscamente desses devaneios. Aprumou-se e recolocou a luva negra, cobrindo a pulseira prateada em seu pulso.

      Estava na hora.

      Quando saiu do vestiário, TJ a estava esperando ao lado da porta com uma expressão séria no rosto jovem marcada por uma ruga entre suas sobrancelhas.

      -O que aconteceu? - perguntou caminhando pelo corredor enorme, com ele ao lado, conferindo os apetrechos no cinto.

      -O Ministro da Segurança está aqui. - ele respondeu num tom baixo, quase como se fosse um segredo. Os violetas correram para ele por um instante, cínicos. O moreno estreitou os olhos. - Não me olhe desse jeito Must, isso é sério, ele não gosta de você e sabe disso!

      -Não gosta por quê? Não me lembro de ter feito... - os pretos fulminantes sobre si a fizeram se calar revirando os olhos. - O que foi?

      -“Nada”? Você ia dizer: "Não me lembro de ter feito nada"? - ele perguntou acusador, ajeitando os óculos enquanto subiam pelo elevador privativo até o terraço. - Você socou o queixo dele! Do ministro da segurança nacional!

      -Sem querer desmentir, mas ele não era ministro quando aconteceu. - rebateu numa expressão cínica, como se na verdade não se arrependesse mesmo.

      -Jez... Apenas seja legal. Ele afirmou que tudo era de interesse do governo, mas é óbvio que quis garantir que se você cometer um erro que for, vai no mínimo perder a patente. - TJ falou e ela não podia de fato discordar dele. Mas também não se preocuparia tanto assim... Na verdade, aquele homem não lhe passava de outro burocrata hipócrita. E foi justamente por isso que quase deslocou o queixo dele com o punho. – Ele até foi no meu laboratório, mexeu nas minhas coisas, queria ver como andava meu projeto novo com o Pentágono e a CIA. – o moreno rolou os olhos. – Me fez abrir o cofre e mostrar o meu trabalho, como se eu fosse algum inventor de feira de ciências.

      -Por isso ele é um idiota. – concluiu num sorriso. - TJ, você se preocupa demais. Já me viu errar antes numa missão? - perguntou com um sorriso de moleca nos lábios. – E que projeto novo é esse e por que eu nunca fiquei sabendo dele?

      -Claro que não, você nem traz os equipamentos de volta quanto mais a papelada correta! Aqueles papéis cheios de lacunas em branco não se podem chamar de relatórios decentes! - ele retrucou e ela riu divertida. - Estou falando sério Must, e onde está o comunicador que te dei? - perguntou procurando pelo aparelho que deveria estar na orelha dela.

      -Eu ia colocar quando... - outra vez os ônix do amigo a fizeram se calar. Melhor não discutir. Tirou o aparelho do bolso e ajeitou o fone, com o pequeno microfone embutido, na orelha. Encarou-o. - Satisfeito agora?

      -E não tire. - ele mandou aborrecido quando saíram pela porta de metal, aparecendo no terraço do prédio executivo onde um helicóptero negro já esperava pela agente. – E o meu projeto não é da sua conta, largue de ser curiosa.

      Só sorriu. Mas então seus olhos captaram a imagem de Davie e a de outro homem ligeiramente mais baixo, aparentando no máximo quarenta anos. Era robusto e ela tinha certeza que aquela barriga era de cerveja. Seus cabelos existiam apenas nas laterais de sua cabeça, seu nariz era curvado e os olhos miúdos naquele rosto redondo. Sempre que olhava para a ele, a capitã pensava em ratos. Ele se parecia mesmo com um.

      -Ministro Crew, imagino que já conheça a capitã... – o chefe começou a falar, mas foi interrompido pelo outro mais baixo.

      -É, eu conheço. – ele cortou o outro, os olhos apertados sobre a morena, como se tentasse intimidá-la. – Como vai, Srta. Ferrazo?

      -Melhor impossível, ministro Crew. – ela respondeu com calma, numa expressão onde o sorriso educado velava uma ironia que o moreno reconheceu bem. – Me desculpe pela grosseria, mas eu preciso trabalhar. – falou diretamente, sem rodeios. Na verdade não queria perder seu tempo ali com aquele hipócrita insuportável.

      -É claro. – ele concordou encarando-a com os olhos miúdos, as feições rechonchudas como as de um rato gordo torcidas numa expressão de desprezo. – Eu vim apenas para me certificar de que essa organização está cumprindo sua obrigação. – os olhos dela se estreitaram sobre os dele, felinos. – Não seria nada bom se descobríssemos que nossas verbas estão sendo desviadas para missões que não são de interesse do governo.

      Ela apertou os punhos levemente e por um instante teve de novo a vontade de socar aquele pedaço de gente que não ousava chamar de ser humano... Entendera perfeitamente a insinuação dele. Claire não era um problema do governo, então não devia ser um gasto... Mas a capitã não se importava com a quantia que os cofres públicos teriam que desembolsar. Ela traria a garota de volta e aquele homenzinho desprezível não a impediria.

      -Vou pedir pra anotarem isso. – ela respondeu num sorriso quase cínico. – Agora por que o senhor não me deixa fazer o meu trabalho que é limpar a sujeira que o governo faz?

      Os dois ficaram se encarando e a linha tênue que ligava o olhar de ambos parecia em chamas invisíveis, deixando todos ao redor tensos, quase como se esperassem uma guerra ali mesmo... T.J tinha certeza que era como ver dois cães medindo forças.

      O ministro ficou em silêncio por alguns segundos... Talvez porque estivesse com raiva demais e se falasse talvez dissesse algo que estragaria tudo... Então respirou fundo e manteve os olhos nos da morena, antes de abrir um sorriso quase torpe.

      -É claro. – ele assentiu, e então estendeu a mão, e a morena pôde ver um dos seguranças se aproximar com uma mochila preta compacta e então entregá-la ao chefe. Ela estreitou violetas... O que ele estava fazendo com a sua mochila? – Eu tomei a liberdade de inspecionar seus equipamentos pessoalmente, para garantir que não existem... Irregularidades.

      Estendeu a mão e então pegou a peça que o homem lhe estendia sem desviar os olhos dos dele... Podia ver um brilho estranho naqueles orbes escuros e aquele sorriso no canto dos lábios finos não estava certo... Mas não demonstraria hesitação diante dele.

      -Também tenho um armário, se quiser investigá-lo. E posso entregar as chaves do meu apartamento se quiser. – respondeu num sorriso irônico, passando a mochila no ombro, e as hélices do helicóptero começaram a girar fazendo o vento fustigar sobre eles. – Mais alguma coisa, ministro?

      Ele a olhou por um instante naquela altivez toda... E então só sorriu minimamente e colocou as mãos nos bolsos.

      -Não, Srta. Ferrazo. Mais nada. – garantiu antes de começar a andar para a porta de saída. A agente manteve os olhos nele... Até que deixasse o terraço...

      E a mesma sensação permaneceu... A de algo estava muito errado. Ela só não conseguia entender o que.

      -Você está bem? – ouviu a voz do chefe atrás de si e apenas fez que sim com a cabeça antes de voltar os olhos para ele.

      -Estou. – garantiu num pequeno sorriso, respirando fundo.

      -Must, me desculpe por isso, mas ele não me deu outra escolha. – TJ se aproximou com a expressão séria, os olhos escurecidos por trás das lentes dos óculos.

      -Está tudo bem. Aposto como ele ficou decepcionado por não ter encontrado provas de corrupção e relatórios da contabilidade na minha mochila. – gracejou fazendo o moreno revirar os olhos.

      -Você precisa ir. – Davie disse com as mãos nos bolsos, a mesma posição séria de sempre. – Boa sorte e tome cuidado.

      -Eu vou estar online vinte e quatro horas por dia. Então não importa a hora, se qualquer coisa acontecer, me chame. Entendeu? – o rapaz oriental disse a ela, encarando-a.

      -Fiquem tranqüilos! O que é que pode acontecer? – ela disse dando os ombros num sorriso divertido. – Eu vou trazê-la de volta. E vou voltar pra dizer como meu presente funcionou TJ, prometo.

      -Pode apostar que vai mesmo. – ele retrucou com os olhos diretos nos dela.

      Ela sorriu para os dois e entrou no helicóptero... Acenou, vendo-os ficarem menores conforme a máquina subia, voando entre os prédios...

      Apenas ficou observando enquanto a cidade era deixada para trás...

Aguenta aí garota. Me dá só mais um tempo, e eu vou achar você e te trazer de volta.


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