Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 7
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Quando o ar lhe falta, pode ser tanto de surpresa boa quanto de ruim. E o melhor que Milena pode fazer para aguentar a barra é administrar outro problema, coisa que não falta no que se trata desse aniversário. O Universo resolveu dar aloca, hein?
Mas não quer dizer que ninguém se divirta, certo?
Enjoy.



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Eu nunca mais canto no ônibus, nunca mais, mesmo que Dani insista, que Dani me jogue num palco ou karaokê, e que eu perca dinheiro numa aposta, mas nunca voltarei a cantar ao aleatório assim. Juro. Só pra evitar esses momentos tensos de pessoas que dizem que me conhecem e não sabem de onde, e ficam tentando lembrar, o que me deixa numa situação bem incômoda.

Mas, acredite, essa devia ser a menor de minhas preocupações. Na verdade, devia ser meu alívio. Mil vezes que fosse alguém me reconhecendo de uma foto que tem na área de trabalho do computador de Vinícius, trezentas mil vezes que fosse alguém me identificando de uma cantoria no ônibus. Ou mesmo daquela pizzaria que inventei de subir no palco com Dani. Antes fosse, penso, ao ouvir e entender qual era a ligação de identidade que Anderson fazia.

– Você se lembra de um... Kevin?

O nome logo bate com uma pessoa. Estamos pensando no mesmo Kevin?

Oh, não. Mordo o lábio mais desconfortável ainda, com cuidado para que ninguém me note desse jeito. Que não seja a mesma pessoa, que não seja, me grito em esperança.

– Kevin?

– É, tô achando que você estudou com um primo meu no ensino médio. Às vezes eu dava carona, lembro parcialmente da turma dele. Não eram vocês que costumavam ficar no estacionamento, perto da quadra de esportes antes da aula? Acho que acabo de ter um lapso de memória. Eram vocês não eram?

– Errrr...

Meu sorrisinho sem-graça não vai dar conta da situação. Ok, o que eu falo?

Sinto que todos estão esperando minha resposta, me olham inquisitórios... Até mesmo Vinícius. Susana. O que passava em suas cabeças? Isso não acabava nunca, não? Eu canso de toda hora ficar me lembrando desse passado.

Melhor dizer que o reconheço também, levar a conversa de boa como uma trivialidade. Acho que lembro mesmo de Anderson, o primo dele já havia o mencionado algumas vezes em conversas com a galera na escola. Como o mundo de repente se torna tão pequeno, tão apertado?

– Hum. Sim, estudei com um Kevin. Ele saiu após... o segundo ano.

Depois do desastre, claro. Efeito Denise. E quem não saiu depois disso mesmo?

Ah, sim, eu e Eric.

Tenho certo medo de perguntar sobre o Kevin, que não mais vi depois daquela confusão. Ele saiu muito magoado. Todos ficamos muito magoados, era essa a verdade.

– Esse mesmo. Ele conseguiu uma bolsa de intercâmbio na Europa. Se bem que até hoje ele não falou como aceitou o convite tão rápido... Até onde eu sabia, ele tava afim de uma menina. Ele andava pra cima e pra baixo com uma tal de... como era mesmo o nome dela? Hum... Denise!

Perco a língua, perco os sentidos. Parte dos sentidos, digo.

Tudo ao redor pareceu derreter. Sabe, se desfazer. Ficar morno.

Apesar de sentir aquele frio na espinha de expectativa. Engulo em seco.

Como o ar num segundo pode ficar tão escasso?

Primeiro que estava na cara que ele não sabia nada do que tinha acontecido, o que não sei discernir se é um alívio ou não. Segundo que a menina que supostamente Kevin estava afim era eu. Levado por Denise, ele quase furou os olhos do próprio amigo, que era Eric. A história é tão grande que pra mim mesma demorou bastante tempo para entendê-la. Estou suando frio? Estou vendo turvo?

Pisco ligeiramente. Não bastava o desconforto e o embaraço, havia um temor vindo que tive que praticamente esconder as mãos atrás do corpo, pra manter minha pose e expressão. E pra piorar, Vinícius intervém:

– A Denise é a prima da Milena. Não acredito que vocês já se conheciam. Cara, que louco, mundo pequeno. Acredita nisso, amor?

Muito, muito pequeno.

O peso se diminui quando Anderson muda de assunto.

– Eu que não acredito estar vivo pra te ver meloso. Milena, hein.

Todos eles riem, Vinícius faz que não liga, porque não liga mesmo que impliquem com ele. Ou com seu cordão de menininha. Acompanho brevemente o momento e dou um jeito de escapulir.

– Hã... é. Então... se divirtam, eu tenho que... licença.

Pelo menos, estávamos perto da porta. Disfarçando ao máximo, praticamente me joguei porta fora, e esbarrei em seu Júlio no processo. Que me falou para ter cuidado e me deu uns tapinhas nas costas antes de ir para a sala. Senti o vento bater em mim, levantar um pouco meu vestido e balançar meu cabelo.

Ainda assim, não me parecia ar suficiente.

Será que a Denise nunca pararia de me perturbar? Será que... nem longe? As coisas estavam se restabelecendo de novo, poxa. Por que agora, por que de novo esse abalo? Me encosto na coluna da varanda pra me manter mais estável. Um medo se chegava a mim sem permissão. Ao olhar pela janela da casa parte da sala, muito bem iluminada e cheia de vida, eu quis simplesmente fugir. Será que sempre seria assim?

Deixar tudo para trás era o que o medo me cutucava, me manipulava a fazer. Só que eu não poderia fazer, não no aniversário do Vinícius, na frente de todos os meus amigos e... enfim, não posso dar esse alarde. Não se não quero chamar atenção.

Engulo essa vontade louca que me perturba e tento me distrair com qualquer coisa. Me peguei fazendo o mesmo que aquela noite da reuniãozinha de Vinícius, que ele fez para comemorar sua volta ao mundo real, após meses de internação ele quase foi dado como desaparecido. Infelizmente ele tinha convidado as pessoas erradas. Quando me apoio ao parapeito de madeira da varanda e alcanço o céu num suspiro, me parecia estar revivendo aquele dia. Que queria sair e não tinha como.

O céu está novamente encoberto e, apesar do escuro da noite, sei que vai chover. Porque não há estrelas e a lua está bem escondida pelas nuvens. Provavelmente bem carregadas. O vento que, no entanto, está relativamente leve e fresco. Talvez uma leve chuva mais tarde, não agora, que ainda é cedo. Está cedo para eu fugir disso. Quantas coisas mudaram de lá pra cá.

Abraço-me o corpo e me sinto alheia.

– Milena, você está bem?

Não.

Por sobre o ombro vislumbro Iara, em sua roupa de trabalho. Como as luzes da varanda estão acesas, posso ver em seu rosto um cansaço. Na realidade, desde aquela viagem em que ela nos acompanhou e em outras ocasiões mais que a vi depois ela apresenta esse aspecto. Sempre o trabalho, ela diz, como se isso sugasse sua vida.

A realização profissional dela era boa, muito boa, trabalha com o pai – que não é pai – e tem o ajudado na abertura de uma filial de sua empresa aqui na cidade, o que evita muita de suas viagens. Só que sinto que há algo mais em suas palavras que ela dá a entender sem mesmo o querer dizer. Coisa que me intriga por vezes, só não questiono.

– Estou.

Ela se aproxima e, como Vinícius, da outra vez, ela se encosta ao parapeito do meu lado, só que à esquerda. Tinha nas mãos um copo descartável com refrigerante.

– Você está um pouco pálida. Tem certeza? Está sentindo alguma coisa?

Mexo no cabelo, a ideia é dispersar qualquer movimento tenso meu.

– Apenas um leve mal estar. Nada demais. Por favor, não faça alarde.

– Claro, tudo bem... Quer alguma coisa? É a pressão?

Também.

– Não, foi uma tontura. Já estou melhor aqui, pegando um ar.

– De verdade?

– De verdade. E você? Tá gostando? Também não está com a melhor das carinhas.

Quer ver como ela vai falar do trabalho? Sinto que devia ter apostado algo.

– Trabalho, Milena, trabalho. Tenho ficado bastante tempo no escritório. Apesar de bem estabelecidos, lá a coisa é bem exigente. Estamos nos adaptando à rotina, toda a mudança foi bem pesada para nossa equipe. Tem dia que meu pai mesmo parece não suportar.

– Sério? Ele parece, sei lá, tão determinado quando se trata da empresa dele.

– E é. Só que... tem sido tempos difíceis. E ele sente muita falta do Vinícius.

– Imagino que sim.

– Obrigada por ter nos deixado participar. É uma data bem delicada para os dois. Sei que Vinícius está o evitando, mas só de estar aqui, meu pai está mais tranquilo. Não é muito, e também não é exatamente pouco.

Até que sua presença tem me acalmado, com seus suspiros cansados e preocupados. Ainda que estejamos falando de problemas ao vento, sinto-me mais quieta e menos instável. Até que irrompem nossa conversa...

– Eu não vou. Pode dizer que eu não vou. Não devo satisfação alguma a ele.

Mas será que não haveria tranquilidade mesmo nesse aniversário?

~;~

Ao adentrar a sala novamente, prendi o ar.

Soltei ao atravessá-la e ver que Anderson estava bem disperso e distante, conversando com Wellington, Wanessa e a tal Susana. Que bom, posso seguir com o aniversário sem ter que me preocupar com que saibam ou desvendem algo, tenho problemas suficientes. Sou muito idiota de pensar algo assim, essa é a verdade. Anderson não sabe metade, não sabe de nada. O que ele poderia falar? Nada, isso, nada. Me sinto mais idiota ainda por ter me assustado por isso. E de quase ter dado na cara.

Me aproximo da mesa, perto de onde Vinícius estava com aquele seu sorriso lindo ao rosto conversando com o avô. Muita comida ainda estava disposta lá. Já tinha comido, porém hora e outra beliscava alguns salgadinhos. Quando pude, deixei dona Ana toda toda depois de uns elogios, e Djane se mostrou possessiva, de brincadeira, claro, para que eu não conquistasse essa cozinheira de mão cheia.

Mas ela já não brinca quando interrompe a conversa do filho e sogro para acalmar seu coração de mãe. Iara estava certa, esse era um dia difícil para Filipe e Vini, ela só se esqueceu de citar Djane também. O que não precisou tanto quando logo depois Djane e Filipe se estranharam na varanda e temi ela ter ficado chateada comigo por ter aceitado a presença dele.

Sento à mesa ao lado de Sávio, que parece bem quieto com uma latinha de cerveja na mão. Ao sacar a expressão perturbada de Bruno logo a seu lado, me questiono sobre tantos dramas num só lugar. O que está acontecendo com o universo hoje que não quer deixar ninguém feliz? Bruno, no entanto, parece relaxar mais quando me debruço na mesa e pego uma empadinha. Resmungo só pra quebrar o gelo.

– Ser anfitriã cansa.

– Depois eu que era o reclamão da monitoria, hein.

E ele reclamou por muita coisa naquela monitoria ano passado. Algumas coisas Bruno tinha razão, outras eram só por hábito. Se demorasse mais um pouco, Dani hoje estaria meio vesga de tanto ter virado os olhos a cada reclamação. Apesar de fazer mais por graça. Pensei nela, ela apareceu e se sentou ao meu lado, na cabeceira da mesa. Lembro que tinha me pedido para não deixá-la mais sozinha com Bruno e até nisso falhei eu acho... porque eles tavam juntos na arrumação da festa. Só não exatamente sozinhos.

– Então, o que foi aquela história do meu irmão e os balões?

Sávio pareceu despertar com um gole de sua bebida. Começou a rir instantaneamente, seguido de Dani, que também se juntou a mim para comer empadinhas. Bruno ficou mais na dele, ouvindo. Meu mais novo amigo que responde:

– É que todo balão que ele tentava manejar para encher ou voava ou espocava. Ele não tinha controle do aparelho. Seu irmão é bem orgulhoso quanto a isso, queria fazer sozinho e não dava certo.

– Ah, isso é tão a cara dele. Ele não te tratou mal, tratou?

Sávio se serve de empadinhas também. Me sinto imitada. Não num mau sentido.

– Por que ele faria isso?

– É o que eu questiono há anos. Brincadeira. É que ele tem mania de muito protetor, sabe? Bateu de frente com muitos de meus amigos homens, talvez todos, não sei dizer. Fiquei preocupada, só isso. Não estava por perto.

Dei de ombros para Sávio, estava um pouco preocupada com isso mesmo. Murilo sempre diz que vai melhorar, eu espero e ele faz merda. Dessa vez ele não fez nada. Só que de tanto ele fazer merda, já meio que fico esperando ele fazer de novo. Não é um bom voto pra se ter nele, mas é o que sinto. E o fato dele não ter feito nada com Sávio só me ajuda a constatar que Murilo tem se comprometido e eu não.

Pois não devia esperar o pior dele.

Bruno então se manifesta.

– Eu num lembro de ter batido de frente com seu irmão.

– Porque eu consegui salvar tua pele. Lembra daquela vez que a gente matou aula, logo no começo da monitoria? Ele não gostou de saber, quis te procurar na faculdade. Quando ele apareceu lá, até engasguei.

Bruno meneia a cabeça com os olhos entrecerrados. Devia estar visualizando tudo novamente. Sei que Djane havia chamado meu irmão lá na faculdade porque queria esclarecer meu comportamento, eu estava criando frequência em ir ao hospital e ela quis mostrar que eu estava a ajudando, não pensando em trabalhar com administração hospitalar. Só que ela não tinha me avisado disso e foi meio surpresa pra mim ver meu irmão por lá. Estava com Dani e Bruno na mesa no intervalo.

– Eu lembro mesmo de você engasgando... Ele perguntou se a gente tava junto.

Sávio, com graça, intervém. Ele não parecia se sentir de fora quando a gente contava as histórias de coisas passadas ou fazia outras referências do tipo.

– Hum, então vocês têm costume de matar aula. Vejo um padrão aqui...

Isso porque matamos a de hoje. Mal ele foi transferido e eu já o influenciava.

– Olha, sou uma pessoa muito direita. Mas, por uma boa causa, quem nunca matou uma aulinha?

Dani acrescenta:

– Ou pescou numa prova?

E Bruno continua:

– Ou escorregou naquela escada assassina?

Sávio responde um “eu” e é recebido por um “AINDA” do coro que forma de minha voz e de meus amigos. Flávia e Gui também emprestaram suas vozes ao chegar na mesa logo nesse momento.

– Não sei se aceito isso como praga ou alerta de cuidado.

– Ou os dois. Bom, agora me deem licença, que a anfitriã que vos fala tem que promover os parabéns logo. Afinal, aula já perdemos, seria pedir demais pra ficarem até tarde. Vou buscar o bolo. Me ajuda, Dani?

– Claro.

A minha estratégia era discutir sobre a tensão que ronda ela e Bruno, mesmo que por um breve momento. Pensei que ela tinha entendido. Qual não foi minha surpresa quando ela só quis saber do Sávio? Então tá, foi o que pensei.

– E ele é tão gentil... e lindo! Você precisava tê-lo visto convencendo o Murilo de passar a bomba pra ele... e Flávia falando da teoria da amizade, que teu irmão havia falado que amizade alguma o faria assoprar balões se tivesse uma bomba pra encher. Onde esse cara tinha se enfiado esse tempo todo? Adoro conversar com ele... Já falei que ele é lindo?

Dani estava tão elétrica com o “Sávio-novidade-na-área” que preferi ficar na minha, não levantar o assunto que queria e deixá-la curtir um pouquinho essa animação. Se torcer para que ela fique com Bruno não é do que ela precisa no momento, por mim não tem problema, queria apenas sua felicidade. Estava em seu estado maluquete novamente, um que sempre gostei e que me contagia. Me sentia serelepe só por tê-la ao meu lado. E, sim, confesso, Sávio era muito bonito e gentil.

– Depois quero todos os detalhes sobre essa bagunça toda. Amanhã a caminho da faculdade rola? Você vai de ônibus ou com o Bruno?

– Ah, nenhum dos dois. Um amigo da minha turma se mudou para um condomínio perto da minha casa e me ofereceu carona. Ele costuma chegar cedo, então... te espero antes da aula? Amanhã é só sobre isso que a gente vai falar mesmo.

– Tudo bem. Agora segura essa ponta aí que eu vou levantar. Já peguei as velinhas e a caixa de fósforos. Avante!

~;~

Eu não sou vingativa, só gosto de pagar com a mesma moeda. Tão caro quanto pagaram pra mim. Isso não me faz bem uma pessoa vingativa, faz? Bom, eu só queria matar a Flávia, só isso. Já que não posso, por ter tantas testemunhas e ser difícil esconder um corpo – até porque eu não sou bem chegada a defuntos – é preferível só pagar de volta, não é?

Foi Flávia que puxou o salve casamenteiro. Aquela canção clássica dos aniversários logo após a cantoria dos parabéns e as felicitações ao aniversariante. Havia pedido encarecidamente para essa gênia do mal não fazer isso, e ela fez! Logo quando comecei a planejar a festa quando cheguei de viagem, fui para a casa dela para contar-lhe a história sobre como Iara tinha ido parar no nosso carro. Foi na realidade meu jogo para arrancar dela a sua própria com Gui sobre a reconciliação deles entre o Natal e Ano Novo, aí ela voltou com o assunto do jantar de apresentação de Vinícius como meu namorado aos meus familiares.

Que achou bonitinho ter parecido que estávamos noivando, não anunciando um namoro. Aí me disse que ia puxar a cantoria do “Com quem será que Vinícius vai casar?” logo depois do “Parabéns pra você”. Retruquei que a mataria, claro.

Ainda assim ela o fez! Na frente de todo mundo. Todo mundo esse que incitado por ela inventou de seguir esse ritmo e me deixar mais sem-graça ainda. Estávamos todos de pé ao redor da mesa com o bolo ao meio e Vini na cabeceira. Do lado direito sua mãe e seu avô, do esquerdo, eu e Murilo.

Fiquei tentada de atirar uma coxinha nela. Enquanto todos me constrangiam – Djane dizendo que aprovava, Dani se candidatando a madrinha e Gui oferecendo até o padre – abaixei minha cabeça minimamente escondendo-a do mundo com as mãos ao rosto. Se não podia a matar, poderia fazer melhor. Ela que me aguarde numa festa de família, eu vou anunciar o casamento dela com o Gui. Vamos ver quem vai se engasgar.

– Vai depender, vai depender... vai depender se a Milena vai querer...

Gui estava mancomunado com Flávia. Sinto.

– Aceita ou não aceita?

O ambiente da sala estava escuro por termos desligado tudo para a hora do bolo. Mesmo assim eu via pela luz das velas juntas, do número 2 e 4, que haviam olhos brilhando pela minha resposta. Se dependesse de Djane ela já estaria assinando nossas papeladas e me dando seu sobrenome. Não que isso não me faça feliz, faz, mas é embaraçoso! A atenção não deveria ser para mim.

Pra não dizer que não sou justa, respondo com brandura.

– Quem sabe.

Só que Murilo resolve me complementar. E por instinto sou do contra.

– Quem sabe eu deixo.

– Agora que eu caso mesmo.

Me repreendi tão logo senti o beijo animado de Vinícius, um tanto alheio à troca rápida de olhares que tive com meu irmão. Eu estava falhando terrivelmente na minha parte do plano. Parecia que era eu quem não queria que as coisas melhorassem.

Como o peso do mundo pode cair todo nas minhas costas numa só noite, como?

Tinha me comprometido em não mais machucar meu irmão. Não era vingativa a esse ponto. E lá estava eu, deixando pequenas coisas escapulirem. Pequenas, mas de grandes efeitos.

Como mal pude retribuir o beijo de meu namorado, o abracei forte, deitei a cabeça em seu ombro, lastimosa. Djane cortava o bolo e dona Ana a ajudava a distribuir pelos convidados – porque Vini preferiu não fazer a brincadeira do primeiro pedaço, que não poderia ser apenas uma pessoa especial, disse a todos. Mais atrás Murilo praticamente se escondeu com Aline, ambos me entreolhando vez e outra enquanto eu queria demonstrar meu pesar com aquela resposta meio ofensiva. Queria me redimir sim.

Estava tão além dali que até quando Vini se desvencilhou de mim, ele teve que requisitar atenção. Me livrei naquela hora com Anderson e não nessa.

– O que foi, Lena? Você tá tensa. E estranha.

Forcei um sorriso. Não convenceu.

– Eu sou estranha.

– Não a minha estranha. Me diz, anda. O que tem nessa cabecinha?

– O mundo. O mundo cruel.

Brinquei, mas ele levou a sério.

– Ninguém vai te machucar, Lena, ninguém.

Baixo sua mão de meu queixo, ele tentava me desvendar com seu fitar.

– Essa é a questão, Vini, sou eu quem machuca. Eu não devia ter dito aquilo ainda agora... e eu não devia ter deixado o Filipe vir.

Uma sobrancelha dele se levanta.

– O que uma coisa tem a ver com a outra?

– Só que eu consegui reunir mágoa numa só sala. Respondi mal a meu irmão quando não devia ter feito isso. E sei que você tá chateado pela presença do Filipe, e que Djane também. Principalmente depois que ela brigou com... enfim, não é hora de falar disso. Tem muita gente aqui.

Nem hora, nem lugar. Me desviei de suas tentativas de toque, fui me afastando. Para me parar, Vinícius me reteve pelo braço. Observava discretamente o espaço ao redor para não chamar atenção. Ficou mais sério e eu não quis, mais uma vez, deixá-lo apreensivo com algo.

– O que tem minha mãe? Foi com ele que ela brigou? Lena! Responde.

– Não, não foi com ele. Não se preocupe, eu vou dar um jeito nisso. Vô lá falar com meu irmão.

– Não quero que dê um jeito, quero que me conte o que está acontecendo.

– Nada está acontecendo, Vini. Só... depois nos falamos.

Passei por alguns convidados, falei com eles e desconversei quando eles queriam me puxar para algum papo. De repente a proximidade se tornara uma grande distância e eu não conseguia alcançar meu irmão, quieto com Aline, próximo à porta da sala. Ele detinha uma expressão chateada, de braços cruzados e ouvia o que ela lhe dizia. Ao chegar diante deles, eles silenciaram.

– Oi. Errr... eu... vim me desculpar pelo que falei ainda agora. Não foi minha intenção falar daquele jeito. Ou soar daquele jeito. Então, desculpa.

Murilo não fala nada, nem me olha. Bem desconfortável ele estava. Será que eu o tinha envergonhado? Com as mãos pra trás, esfrego-as uma na outra esperando que diga algo... que ele não diz. Ok então, penso, não vamos falar agora. Me viro pra Aline que tinha um ar de expectativa ao lado.

– Obrigada por vir, Aline. Espero que esteja gostando.

– Eu que agradeço pelo convite. Tá tudo ótim...

Bruscamente do nada meu irmão sai por entre nós sem nada dizer. A primeira coisa que penso é “ah, ele não tá tão chateado assim, tá? Tá? Porque eu pedi desculpa”. Mas aí vi que não tinha muito a ver logo que pude avistar que ele estava no celular. Aline também o observou ir para fora, para a varanda e quando se voltou à nossa conversa, fez uma média para me sentir melhor.

– Dê um tempo pra ele. Vocês vão resolver.

Espero, isso eu espero de verdade. Mesmo “esperando” por outra merda que sei que vá fazer, espero que possamos lidar com o que apronta.

– Valeu.

Já tinha pedido desculpa, tinha dado o primeiro passo, não haveria mais nada o que fazer, então senti um pouco de tranquilidade. Logo Murilo voltou e sua expressão não era boa. Estava agoniado. Sem cerimônias, “chegou chegando” na gente:

– Temos que ir. Teve um problema lá no setor 7... Um curto-circuito que atingiu umas aparelhagens e agora o modelo 3.1 tá soltando alerta adoidado para o sistema. Armando vai ficar louco da vida.

– Ai, meu Deus. Vamos, claro. Vou só pegar minha bolsa no quarto de hóspedes. Falam com o aniversariante por mim?

Assustada, Aline corre para lá me deixando com Murilo. Ele queria dizer algo, sinto, só que ele ainda não dizia. Vinícius percebeu o clima diferente e veio para perto de nós saber o que era, o que Murilo explicou novamente. Pediu desculpas pela repentina saída que teria que fazer.

– Sem problemas, vai lá.

Aline voltou com sua bolsa, deu uma última felicitação a Vinícius e partiu para a saída com Murilo. Vini e eu os acompanhamos à porta e só na calçada meu irmão pôde me responder um vago “depois conversamos”. Observamos os dois correrem pela extensão da calçada até o fim da rua e dobrar. Vinícius pareceu confuso com isso:

– Ué, cadê os carros?

– Na outra rua, ué. Você realmente acha que a gente ia dar na cara de estacionar todo mundo aqui? Ia ser fácil de perceber.

– Namorada, você pensa em cada detalhe...

– Pra você não duvidar mais da minha atenção.

– Se disser que me ama, num duvido mais.

– Sei.

Num digo só de mal. Pelo menos não naquele minuto.


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Notas finais do capítulo

Eita que os núcleos se embaralharam todos num mesmo recinto!
Mas vai dar lucro alguma hora, né? #oremos



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