Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 33
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Uma lembrança súbita e uma conversa difícil. O controle é pesado pra Milena.
Mas a vibe da galere é boa.

Enjoy.



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– Sabe uns meses atrás, quando surgiu uma polêmica dos atores e atrizes que queriam tirar a roupa na rua por conta de seu trabalho artístico? Na loja da minha tia apareceu uns falando sobre isso de novo. Parece que tem um grupo mesmo que quer fazer isso num workshop da Federal que vai ter no fim do semestre, e o reitor deles que tá fazendo polêmica de não autorizar.

Daniela chega no intervalo trazendo o assunto, senta-se ao banquinho do pátio conosco que já havia sido liberada faz um tempinho. Naqueles meses atrás, minhas sextas-feiras eram com o mala do professor Bart. Com o afastamento que ele sofreu, por conta de um dia que confessou me assediar – moralmente, não daquele outro jeito. Uhg – e todo o departamento ouviu pelas caixas de som do prédio, me vi livre dele. Secretários, diretores, chefes, professores e o reitor captaram tudo, abriram um processo administrativo de disciplina pra investigar o professor Bart.

A vaga foi coberta pelo professor Sanches, ótima pessoa. Brinca ele que o trabalho veio a calhar em muito boa hora, e, por ter conhecido a razão da saída de Bartolomeu (quem não sabia naquele prédio?), não deixa de comemorar. A diretoria também cuidou para que eu fosse reavaliada na disciplina, uma compensação sobre os malfeitos que o professor Bart fazia comigo em sala de aula. Assim minhas notas subiram consideravelmente para as notas merecidas.

Yuri, que veio com Dani, comenta a respeito. Da arrumação de teatro, digo. Mesmo sendo nosso grupo de várias turmas, sempre nos encontramos para conversar. Por vezes vai chegando mais e mais pessoas, Yuri foi uma delas. E eu sei que Bruno não lá curte muito essa ideia. Fica na dele, pelo menos.

– O reitor autoriza a apresentação, ele só quer que tire a parte de ficar nu. Ouvi que ele vai chamar a segurança para ficar de olho. Se começarem a tirar a roupa, vai todo mundo pra delegacia.

Flávia, inocentemente, pergunta:

– Quando vai ser esse workshop?

Gui se levanta do banquinho, fingindo chateação:

– Flá, que é isso? Quer ver homem pelado ou o quê?

Ela enrubesce e dá um jeito de contornar a vergonha.

– Ain, Gui, eu só quero saber porque minha irmã comentou que queria ir nas apresentações. E não, ela nem sabe dessa história de atores e atrizes pelados, senão já teria dito. Acha mesmo que eu ia ficar olhando?

– Acho.

Se tivesse sido só o Gui a responder, tudo bem, só que não foi. Eu, Dani e Marcinha entramos na conversa concordando. De sacanagem, claro. Flávia se vira revoltada conosco:

– Até vocês?

As caras-de-pau que somos, negamos piamente. Cada uma fez sua desculpa, com “eu?”, “não disse nada”, “não olha pra mim”, “isso foi o Gui que disse”, “sei nem do que vocês estão falando”.

– Como não sabe, Dani? Foi você que trouxe o assunto de novo.

Pega por suas palavras, Daniela tenta se defender mais uma vez. Melhor dizendo, tira o seu da reta e volta a bola pro Gui. Boa garota, é uma estratégia ótima:

– Gui! Isso é coisa de se pensar da Flá? Deixa que eu fecho os olhos dela, pronto.

Na calada da minha mente, me pergunto quantas mãos ela tem pra fechar os olhos de todas as meninas, pois já ouvi isso dela pelo menos umas três vezes do que me lembro. Aposto que ela lutaria era para manter os olhos de todas abertas, isso sim. Mas não digo nada, gargalho com o resto da turma.

– Então quer dizer que você vai e quer levar minha namorada?

– Claro. Isso é cultura, Gui, cul-tu-ra...

A discussão “amistosa” continua, eu que saio de perto para atender o celular. Se fosse depender de ouvir meu Ryan me chamando, seria nunca no meio daquela baderna do povo. Graças que existe a função vibrar.

– Oi, Vini. Já tá a caminho?

– Na verdade... não. Sei que prometi, pensei que sairia cedo. Não me mata?

– Vini, como eu ia te matar, me diz? Eu não tenho como esconder corpos. Nem capangas, nem dinheiro pra pagar eles. E tu sabe que tô economizando. Além do mais, se matasse, Djane me mataria. Aí Murilo a mataria. Minha mãe mataria ele. Seria uma matança em cadeia... Se bem que daria pra fazer só um velório. Talvez pra economizar...

– Amo essa sua imaginação. Queria te dar um beijo agora só por isso. Mas não posso, não vou poder te buscar agora. Consegue uma carona, sim?

– Sabe que sei me virar, num começa.

– Ok, tenho que ir. Nem pude comemorar direito meu “gol”. Tirei um notão numa prova de Instalações Elétricas. Vou te mostrar minha “performance”, passo na sua casa mais tarde, pode ser?

– Tudo bem. Te espero lá, meu futuro arquiteto.

Quando retorno ao pátio, ele está vazio e apenas Sávio está no banquinho com minhas coisas.

– Quer dizer que eu saio por 5 minutos e todos tomam chá de sumiço?

– Você que demorou.

Culpa do Vini, ficou me alugando em despedidas. Como se eu não gostasse, né?

– Gui e Flá saíram logo depois, e os outros voltaram para suas aulas. Fiquei aqui só para não deixar teu material às avulsas. Sou muito leal... A conta deu 30 reais.

Cadê papel pra amassar e jogar na cara de Sávio, cadê? Passo a bolsa pelo braço, forço num movimento de baixo para cima o caderno com mais dois livros pra carregar no braço. Sávio se remexe para se por de pé.

– É, tô vendo. Põe na conta, tô economizando pra viagem...

– Vinícius já chegou?

– Ele não vem mais. Vou pegar um ônibus e... qual foi afinal o veredicto da confusão Gui-Dani-Flávia?

– Os pombinhos fizeram as pazes na frente de todo mundo. A Dani ainda falou que você conhecia um ator. Quer dizer, a Marcinha perguntou se ela conhecia alguém do ramo, e ela disse que sim. Depois se consertou, falou que era você quem conhecia. E o Gui confirmou, aí o Br...

Andávamos pelo pátio a caminho da saída. Parei instantaneamente quando ele menciona que eu conheço alguém do “ramo”. Primeiro ainda me interroguei sobre quem seria esse ator, aí logo que lembrei, paralisei.

Oh, Deus, Eric. Como fui me esquecer de Eric?

Sávio continua falando até notar que estou... em outro mundo.

– Lena?

Por todo esse tempo, evitei um reencontro, mais por vergonha do que Murilo fez a Eric que por outra coisa. Às vezes pensava sobre o assunto, me prometia reencontrá-lo, algo assim, conversar... pedir desculpas. E só ignorei. Trazendo tudo a tona novamente, há uma vozinha na cabeça me dizendo para dar um basta a essa agonia.

Eu mereço, Eric merece.

– Não te preocupa, Lena, posso te levar pra casa, se é o problema.

– Não é bem isso, Sávio. É que...

– É que...?

Essa é minha chance! De fazer algo certo, pelo menos. Acho que devo isso a Eric, não? Desde aquele dia no ano passado, eu sumi. Me sentia tão mal por ele ter sido um grande prejudicado numa história que não lhe pertencia...

Minha mente maquina rápido sob o olhar desconfiado de Sávio. Aperto o lábio em dúvida de lhe pedir algo, e sei que posso confiar nele para essa “missão”. Pensando bem, Flávia e Aguinaldo terem saído primeiro foi bom, pois minha amiga sabe da história do ano passado por completo, ela poderia me impedir de algo. Senão contar para Vini ou mesmo Murilo, não por querer, mas por estar muito envolvida também nesse drama. Sei que faria tudo para impedir mais confusões.

Não quero discutir o assunto com eles no momento, só...

– Milena, tem algo acontecendo que eu não sei?

Suspiro. Um Sávio perdido me observa na expectativa de abrir a boca. Não me demoro quando surge a decisão:

– Sávio, podemos ir... pode me levar num lugar? É aqui perto.

Uma coisa que me lembro bem é que sei onde Eric “se esconde”.

– Claro. Onde então?

~;~


Encarei o casarão iluminado antes mesmo de tirar o capacete. A sexta-feira de pique havia começado pelos barzinhos adjacentes, coisa que eu não assimilava, senão meu próprio coração batendo forte ao peito por finalmente ter vindo procurar por Eric.

– É aqui mesmo?

Sávio dá uma boa examinada no local, juntar alguma peça, que na verdade não lhe dei. Eu não teria nem por onde começar se fosse compartilhar algo com ele. Assim, me mantenho na minha, apenas aceno em confirmação.

De pé na fachada de entrada, procuro com os olhos alguém no salão principal, vazio. Naquela noite estava apinhado de gente. Uma moça está fazendo anotações numa mesa distante, perto do que fora o bar particular. Caminho até ela, com Sávio a meu encalço, perdido e calado. Agradecia internamente por seu respeito.

– Oi. Gostaria de uma informação. Pode me informar se o Eric está por aqui? Filho de dona Cassia.

A verdade é que me arriscava nessa empreitada. Nem sabia mesmo se estaria por aqui, nessa noite, nessa hora. Pra mim, tanto fazia, eu quis vir, então vim. Se ele estiver, ótimo, se não, tentaria mais uma vez. Sabe-se lá quando.

– Sim. Ele está com uma classe no primeiro andar. Só pegar aquela escada da entrada. Pode entrar para observar se quiser, ele não é restrito com essas coisas. Dona Cassia está lá também.

– Ah, sim, muito obrigada.

De volta àquela escada, memórias me cobrem, eu via como descobrira os sentimentos de Vinícius, os verdadeiros, como aquela noite foi significativa. Tanto aconteceu logo após, e muito mais em seguida. A cada degrau eu ia e voltava entre presente e passado. Ao topo, uma música relaxante chegou aos meus ouvidos, parei à porta da sala de dança de supetão.

Havia vários casais juntos dançando devagar. Valsa talvez? Não sei. Só sei que busquei por Eric por toda a extensão daquele espaço e... nada, ele não estava ali. Algo dentro de mim não sentiu alívio, tampouco decepção. Queria muito que estivesse, de qualquer maneira. E deveria, pois essa é a única sala que estava funcionando naquele andar, só ela tinha luzes e alunos. Então ouvi uma voz:

– Leninha, é você?

Dona Cassia. Segui seu chamamento, ao fundo da sala. Em sua mão havia um controle de um aparelho de som, que largou para caminhar pelo espaço ao meu encontro.

– Menina, que surpresa. Turma, pode continuar os passos, vocês têm muito pra treinar até o casamento... Milena, o que...?

– Vim ver o Eric. Preciso falar com ele.

– Ah, ele teve que ir bem ali rapidinho. Logo volta. Porque não aproveita para dançar um pouquinho? Nem pude chamá-la para uns passinhos rápidos naquele dia, né? Pois faço questão agora. Este é seu namorado?

Por um momento até me esqueci da presença do meu amigo atrás de mim, de tão além que eu me encontrava. E Sávio que é todo tímido, provavelmente iria recuar. Antes que eu diga algo, ele toma a voz primeiro:

– Não, não, senhora, somos apenas amigos.

– Bom, amigos também dançam... Ainda estão parados por quê? Aqui todos vêm para aprender.

Então dona Cassia nos puxou a quase o centro da sala, onde havia uma vaga para um casal dançar. Tão sem noção que eu estava, deixei que ela nos movesse para ficarmos juntos, seguindo apenas seus poucos comandos de como se portar para a dança. Só me dei conta do que fazia quando dei de cara com Sávio, que parecia não ter resposta, ou força para me questionar sobre tudo aquilo.

– Eu posso explicar...

Mas aí a expressão dele mudou, assim como seu portar-se. Eu não era boa dançarina, nem sabia que passos dar, até que Sávio passou a me guiar, gentilmente. Uma mão firme ao pé de minha coluna me dizia para onde ir, assim como a outra que segurava a minha. Espantada com aquilo, não sei como me deixava levar. E nem demorou para uma falta minha, pisei no pé dele sem querer:

– Desculpa.

Sávio riu. Estava... confortável. Pensei que ele daria pra trás. Era tudo muito estranho. Ainda mais com todos aqueles casais nos olhando como intrusos. Terminou por confessar:

– Tudo bem. Antes que pergunte, minha mãe me obrigou a fazer aulas quando criança. Dizia que eu ia precisar algum dia. Nunca acreditei até... agora.

Com um passo aqui, um acolá, fui pegando mais ou menos o ritmo. Não poderia imaginar nunca que Sávio sabia dançar, muito menos que era bom nisso. Porque ele é. Dona Cassia até aplaudiu, ajeitou um e outro casal, veio nos orientar, e voltava para os outros alunos.

– Sávio, não roda muito não. Posso ficar tonta.

– É só se centrar em algo a sua frente enquanto faz o movimento. Me olha, agora.

Olhei. Ele estava sério, porém de face leve. Centrado, essa é a palavra.

Os passos nos levaram a um giro 360º no mesmo lugar, e por todo o momento me mantive olho no olho com ele. Havia algo lá, não sei dizer o quê.

– Muito bem, gente. Vamos alternar novamente. Deixem a valsa tradicional, vamos apenas nos aproximar mais de nossos parceiros. Garotas, braços aos pescoços dos meninos. Garotos, enlacem suas garotas. Vamos, vamos. Praticar.

E quem ficou sem graça fui eu, enquanto vacilava em hesitação passar meu braço sobre os ombros de Sávio, meu amigo, quem me olhava diretamente, ao passo que também passava os braços por meu dorso. De repente meu coração pulava de uma forma diferente, havia certa adrenalina, estávamos muito próximos. Eu não sentia isso desde o dia em que pensei que seria assaltada, quando ele me ofereceu carona em sua moto, e eu me agarrei ao seu corpo.

Já havia parado de trabalhar o pensamento por essas vias. Ele é apenas um amigo, certo? Estamos apenas dançando, coincidência. Não há nada de demais. Além de que ele gosta de outra pessoa, né? Sim, ele gosta. Isso que fazemos é totalmente inocente. Isso, de estar tão junto que posso apoiar minha cabeça ao seu ombro, assim como ele abaixa a sua às minhas costas. Sinto seu coração batendo forte como o meu, e quero ter em mente que é pelo esforço, que já rodamos um pouco, exigiu uma energia a mais que fez nossos corações ficarem desse modo.

Esse conjunto de alguma forma me acalmava, como se precisa de uma massagem vez e outra. Quem diria que eu precisava disso? Calmaria. Fico relaxada a ponto de expirar fundo molenga como quem sai de uma massagem mesmo. E então o perfume do parceiro se embrenha por minhas narinas de forma mais evidente no inspirar seguinte, de maneira mais ligeira. Um perfume... sedutor.

Não, não, não. É só um perfume, é só um dança. Não há nada entre nós, somos tão amigos quanto eu sou com Aguinaldo ou Bruno. Não somos? De repente eu quero me afastar de vez de Sávio, só não quero que aparente uma coisa brusca. Porque esses sentimentos não me pertencem. Essa não sou eu, eu nem danço. Eu...

– E não é que a Leninha está mandando bem, turma? Não, Jonah, sem passar a mão na bunda de sua parceira, comporte-se!

Rimos os dois, eu vi mesmo o cara deslizar a mão pra bunda da mulher. Isso felizmente interrompeu aquele momento estranho que sentia. Como se precisasse confirmar mais que nunca que não havia nada, era só... algo diferente por fazer algo nada usual.

Se Vinícius chegasse a ver isso, brigaríamos com certeza. Até hoje diz sentir uma vibe diferente quando nos vê próximos, ele não gosta. Verdade que melhoramos muito no quesito ciúme em nossa relação, contudo, quando se trata de Sávio, Vini parece se tornar outro. Como se soubesse de algo que não sei, que fica procurando o que não tem. Não, não tem. Isso é o calor da emoção, da dança, certo? Sei que sim. É esse ritmo calmo, me fez ficar relaxada demais. Suscetível demais.

E esse clima de procurar Eric, sensível demais.

Logo dona Cassia nos interrompe, dá por fim a aula. Quando desfaço o nó no pescoço de Sávio, discreta, sem querer meu braço desliza dele por parte de seu peitoral, e... seu coração não badalava mais como no começo, estava mais calmo. Foi percepção de um segundo, virei logo o rosto, envergonhada por algo que pudesse dar uma impressão errada. O que será que pensa de mim?

Não deu tempo também de viajar nesse trem, pois logo que os alunos foram se dispersando, agradecendo e comentando a aula, eu vi uma figura sentada num canto da sala, que me avistava sem problemas. Eric levantou, veio até mim – não deixei de notar que mancava de certa forma – e sorriu, quando menos achei que ele riria para mim.

– Pensei que você não dançava.

– É, eu também.

~;~

– Você sabe quantas vezes uma luz pisca em uma lâmpada?

Diferentemente dos outros andares, que têm sacadas e peitoris que dá um panorama da avenida, o primeiro andar tem apenas janelas, enormes, com peitoris que dão espaço para sentar, uma vez aberta. Era onde estava, com Eric.

Sávio entendeu que havia algo que eu deveria fazer, e que precisava ficar sozinha para isso. Diria para ir embora se não soubesse que insistiria em ficar, me esperar, porque isso de alguma forma mexia comigo, e precisaria de um amigo para me acompanhar ao final. Ele me disse tudo isso num calado olhar e aceno com a cabeça. Apenas seguiu dona Cassia e os outros alunos. Muito enérgica, a mãe de Eric envolveu meu amigo numa conversa que foi dali em diante, aposto.

Senti um pouco da brisa passar por nós, enquanto me sentia longe e perto ao mesmo tempo. Ao fundo, havia música popular entrando e saindo, tanto pela janela quanto por meus ouvidos, pois não lhes dava alguma atenção. Não havia dito nada até então praticamente, as palavras fugiram de mim, por isso preferi começar por isso.

– Não sou bom de física ou matemática... não como antigamente.

Murmurou Eric. Quis detectar onde começava o lamento, onde estava sua genuína animação por me ver, como foi em poucos minutos atrás. Ou talvez estou tentando enganar a mim mesma. Ainda assim, continuo em externar meu pensamento.

– Uma lâmpada pisca tão rápido que nossos olhos só veem a luz como constante. E na realidade ela só está piscando. Seu cérebro não é capaz de captar isso, porque é tão mínimo aos nossos olhos... Imagine agora todas as lâmpadas dessa cidade, iluminando tudo por anos, em milhares, trilhares, de vezes em que piscou. Esse é número de vezes que pensei sobre isso.

Trilha indicada: The Ataris – My Reply

http://www.youtube.com/watch?v=iFG_8LmeWiA

– Não minto, muitos roteiros se repetiram e se adaptaram. Agora uma pergunta que não muda é... é tarde demais para pedir desculpas?

Ao menos vi que um sorriso mínimo, apesar de lamentoso, se desenhou em sua boca ao rosto, contraindo-se num franzir na testa.

– Você gosta mesmo desses discursos. Não mudou mesmo.

– Não, eu mudei, você sabe que mudei, Eric. A outra Milena teria vindo faz tempo... Agora me pergunto quem é esta aqui, que demorou tanto a vir. A essência pode não ter mudado muito, porém, a mesma nunca mais fui.

Aperto uma mão contra a outra, observo que existe força nelas, diferentemente da minha alma, que é fraca demais para assumir os erros do passado. Que não foram meus, mas repercutiram de qualquer jeito, em mim, em muitos. Minha alma foi fraca de acreditar que tudo iria embora uma vez essa verdade deixada para trás. Mas ela volta, de tempos em tempos, para me atormentar.

i really hope you’re doing better

realmente espero que você esteja melhor

all your friends close by your side

que todos os seus amigos estejam do seu lado

one step closer to recovering

um passo mais perto da recuperação

i wish there was something i could say

queria que houvesse algo que pudesse dizer

to erase each and every page

pra apagar cada e toda página

youve been through

que você teve de passar

even though its not my place to save you

mesmo que este não é o lugar que vá te salvar

– É, posso afirmar que sim. Também pensei muito sobre o que aconteceu, pensei demais. Até outro dia ainda estive com a bota protetora no pé, então tive muitos lembretes. Mas não foi sua culpa, Lena.

Eric toca meu joelho, vê que isso continua sendo um peso para mim. Sei que quer que eu me sinta melhor, porém, não deixa de me dizer o que realmente pensa sobre o caso, de como ele foi vitimado mais uma vez.

– Já não posso dizer bem isso de seu irmão...

É sim minha culpa, pois se não tivesse segurado mais Murilo, se... se... não sei. Poderia ter impedido? Poderia ter contado?

Abaixo minha cabeça, abraço minhas pernas com cuidado ao pano do vestido, sinto a culpa me corroer novamente. É uma dor diferente, é daquela que me desgasta.

– Isso tudo é uma droga, você sabe. Tudo aconteceu de um jeito... argh, sei lá. Não sei definir até hoje como tudo ocorreu. Acredite, minha relação com Murilo ficou pior que aquela última vez...

– Isso tem que parar, Milena. Sério. Olha, de verdade, e se a gente abrisse o jogo sobre o que... sobre o que rolou naquele ano, pensa se não seria melhor?

if you just hold on for one more second

se você apenas aguentar por um segundo

just hold on to what you have

apenas aguentar pelo que se tem

if youll just hold on. just hold on

se apenas aguentar, apenas aguentar

if youll just hold on for one more second

se você apenas aguentar por um segundo

just hold on to that you have

apenas aguentar pelo que se tem

if youll just hold on. just hold on

se apenas aguentar, apenas aguentar

Eric toca meu braço, e, ao ouvir essa, levantei de vez a cabeça, convicta de que aquilo não tinha jeito. Não me restava nada mais senão lamentar tudo o que aconteceu. Por mais cansada que estivesse daquela situação, não haveria nada para mudá-la, se a “solução” não era viável. Chega de desgraçar as nossas vidas, tivemos o bastante.

– A gente já tentou algumas vezes, lembra? E só trouxe desgraça. Eu não quero jogar tudo fora, anos retomando os tijolos de nossas vidas por causa disso.

Ele toma minhas mãos, unidas, e busca o foco de meus olhos até que os encontra. Infelizmente a essa hora meu corpo tratou de embaçar tudo, fazendo-me piscar ligeiramente em reação imediata. Mordo o lábio para que não trema, não quero mais fraquejar, não mais do que já fiz.

Por outro lado, Eric suspira ao me ver assim, como estive uns anos atrás. Sempre pelo menos tivemos um ao outro para lidar com isso; contudo, ficamos muito tempo separados para manter a história assim como manter-nos de pé, fortes. Com carinho, ele passa a mão por meu rosto, enxuga o pouco do molhado que meus olhos estavam.

Inspiro forte na busca do controle emocional.

wake up wake up you gotta believe

acorde, acorde, você tem que acreditar

wake up wake up you can’t give up

acorde, acorde, você não pode desistir

– Às vezes penso que essa é a solução. Senão, nos prejudicaremos o tempo todo acobertando algo de que fomos vítimas. Não seria mais tranquilo para nossas consciências? Para as pessoas que amamos? Lena... e se isso foi um sinal?

– Você nunca foi de acreditar em sinais.

– E nem acredito. Essa é minha exceção.

i wish there was something i could say

queria que houvesse algo que pudesse dizer

to erase each and every page

pra apagar cada e toda página

you’ve been through

que você teve de passar

even though it’s not my place to save you

mesmo que este não é o lugar que vá te salvar

Desvio de seu olhar por menear a cabeça em negação.

– Não sei, não me sinto preparada para lidar com isso. Encarar qualquer pessoa que saiba disso. É demais para mim, Eric. O meu org... meu orgulho não deixa.

Lá está meu orgulho de novo, num embate já antigo para se renovar.

– Pensa sobre isso. Por favor. Quando estiver ok com você, faremos juntos se precisar de mim. Qualquer coisa por você. Me importo muito para continuar com essa farsa. Assim a deixamos ganhar, não vê? Denise continua ganhando da gente por todos esses anos...

– Eu sei, eu sei.

if you just hold on for one more second

se você apenas aguentar por um segundo

just hold on to what you have

apenas aguentar pelo que se tem

if youll just hold on. just hold on

se apenas aguentar, apenas aguentar

if youll just hold on for one more second

se você apenas aguentar por um segundo

just hold on to that you have

apenas aguentar pelo que se tem

if youll just hold on. just hold on

se apenas aguentar, apenas aguentar

Fujo do seu toque, de sua proximidade. Praticamente pulo da janela para o chão, suas palavras se remexendo na cabeça, no coração... na alma. Minha alma ferida. Meu coração partido. Minha cabeça bagunçada. É tudo um desastre.

Isso não abranda a proposta de Eric, que insiste:

– Então?

Mexo no cabelo, inquieta.

– Preciso ver isso com calma... tem muita coisa acontecendo, muita coisa se ajeitando na minha vida. E das pessoas que amo.

Ele salta do parapeito da janela, vem ao meu encontro. Toma meu rosto em suas mãos, para que lhe olhe diretamente.

– Sempre haverá coisas acontecendo. Se vier desgraça, aguentaremos, tudo em prol do que estiver no fim deste túnel. Tem que haver esperança, Milena.

Eu, infelizmente, não tenho essa confiança.

– Eric...

– Ok, não vou dizer nada mais. Só que, apesar de ter ficado chateado por muito tempo, eu perdoo a seu irmão, ele não tem a nossa perspectiva, ele está confuso. E eu te perdoo, Lena, por não sentir bem para se liberar de tudo ainda.

Me conformo em apenas abraçá-lo.

Mesmo desculpada, perdoada, não me sinto melhor.


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Notas finais do capítulo

E esse mistério todo, hein?



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