Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 12
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Ó vida, é o que Milena vai dizer mto rs
E a Dani mto provavelmente.
Alguém aí querendo saber o que rolou na virada do ano? Dani dessa vez solta o verbo...

Enjoy.



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E de novo, tive que esquecer meus problemas com Murilo para unir forças com ele. Apesar de que isso na época do tratamento da minha avó ter nos ajudado a nos reaproximar e eu a perdoá-lo, não vejo bem como o mal-estar do avô de Vinícius possa conseguir esse milagre. Pelo menos tivemos alguma aproximação... alguma.

O caso é que todo domingo seu Júlio nos intima a ir almoçar em sua casa. Da mesma forma que tem dado atenção ao neto, de quem antes era distante, ele também tem se esforçado para melhorar o relacionamento com o filho, Filipe, o tipo de relação que não me meto, mesmo. E por estarem reconstruindo esses laços de família, Filipe quer reconstituir o que tem com Vinícius. No domingo anterior, quando soube que eu estava organizando o aniversário-surpresa, ele perguntou onde e que horas seria. Desconfortável, fiquei sem jeito do que falar... porque Filipe não tinha sido convidado.

Eu conversava com seu Júlio na cozinha quando ele entrou e nos ouviu, os meninos jogavam videogame na sala. Claro que Filipe entendeu minha reação. Um tempo depois me interceptou quando fui ao banheiro, pediu-me, insistiu muito para que eu lhe contasse algo sobre o aniversário. Desabafou as saudades do filho que cobria seu coração, o vazio poder tê-lo só às vistas. Diferentemente de Murilo, Filipe demonstrava arrependimento, que foi o porquê de eu ter permitido sua entrada na festa, com a promessa dele de que ficaria longe do filho, mas presente em uma data importante.

Depois de descobrir tantas verdades sobre seu passado, imaginava que Vinícius guardava um rancor, uma ira, que amainava quando eu estava por perto. Era esse meu medo, o que tinha em seu coração. Ajudei muito sua relação com a mãe no ano que se foi, mas ajudá-lo com o pai? Não sei, não que eu não fosse a favor, é só que sentia que dessa vez eu não devia exatamente me meter. De mediar qualquer contato deles, quero dizer. Pedir a ele que frequentasse a casa do avô aos domingos e manter a calma com tal a presença era meu máximo. Eu mesma tinha uma aversão a esse homem, sobre tudo o que ele fez no passado antigo e recente... e esse arrependimento dele que ainda me levava a ter alguma consideração. Mínima, mas alguma.

Até onde eu sabia Vini e o pai estavam num estado off. De fato, foi com ele que Vini conseguiu uma carona para viajar até minha cidade, mas aquilo tinha sido por uma mediação de Iara. Em um de nossos diálogos, Vini mencionou o que Iara tinha lhe dito no Natal, quando o encontra tão para baixo e soube que tínhamos brigado... E foi muito bonito o que ela lhe disse, condizia bem com que eu pensava naqueles dias... que “justificativas não curam mágoas, mas que o arrependimento abre caminho para o perdão”.

Já com Filipe, o único contato deles era no modo mudo, porque Vini não queria falar nada com ele, e o pai aceitava, tinha noção da mágoa que infligira. E tinha noção do que significava o dia do aniversário de Vinícius. Significava a morte de Viviane, a mãe que Vini nunca teve a oportunidade de conhecer. Nem mesmo por foto.

Desde que se reconciliou com a mãe, Vini tem buscado informações sobre Viviane. Porém, como Djane mal a conheceu, o que poderia lhe dizer? Foi uma época bem crítica aquela. Infelizmente Viviane ficou como uma pessoa que parece nem ter existido... só que existiu, viveu, se apaixonou, se enganou e se foi, deixando apenas um pedacinho de si, que sente não a falta, mas um vazio por alguém, sangue de seu sangue, que não pôde ter contato algum. Como uma conhecida desconhecida.

O único que poderia deter alguma informação era seu pai, o que deixava Vini meio sem alternativa, pois, mesmo sofrendo por alguém que nunca conheceu, ele o preferia assim a resgatar algo que viria daquele homem.

Pouco falamos na realidade sobre Filipe. Vinícius se sente meio que responsável por parte do que aconteceu antes do Natal, que ele deveria ter feito algo pela situação em que eu e Murilo nos encontrávamos e não ter escondido junto dele. Desde então se prontificou de nos reaproximar, com a calma e sensatez que consegui para com ele e Djane. Da mesma forma que eu o repreendia por brigar com sua mãe em tempos passados, ele me chama a atenção quando dou uma patada em Murilo. O que ele acha que é igual, é apenas similar, porque existe uma diferença... quando ele discutia com Djane era por algo que não sabia da reação exagerada dela e eu sei, sei os motivos da reação de Murilo.

De qualquer forma, isso não era relevante quando tivemos que assegurar o estado de saúde de seu Júlio, que era o que eu relatava a Flávia, que me chamou para vir a sua casa, ela encontrara uma promoção para nossas passagens de avião. Depois de ler as letras miúdas de desconto e suas implicâncias que levaríamos a proposta para a aula de mais tarde. Apesar de ainda doente, Vini já não precisava de tantos cuidados e em sua casa devia estar recebendo os colegas de turma para se reiterar das atividades que perdera, então meus “serviços de enfermeira” findaram.

– Filipe o quê?

– É, ele deu um... boneco. Esses de ação. Pela embalagem parecia antigo.

– Por que ele daria um boneco para o filho dele de 24 anos?

– Ele disse que tinha comprado presentes ao longo desses anos... e como era orgulhoso demais em mandar ou mesmo ceder aos pedidos do irmão Gustavo, o pai de Vini que morreu, ele ia guardando. Agora que é reconhecido, entre aspas – e bote aspas nisso – como pai, Filipe quer entregar os presentes, um a um, como se fosse recuperar o tempo perdido.

– Nossa... isso é... triste. De certa forma bonito, mas muito triste. O que desencadeou a briga?

– Não sei direito, eu... ele não quis falar no assunto, espero por uma hora melhor que possa se abrir. Nem sabia que eles estavam conversando, eu tava com Djane no quarto quando ouvimos Iara gritar por Murilo, que pai e filho estavam se pegando no jardim. A única coisa que Vini conseguiu murmurar quando soltou Filipe foi... “assassino”.

Até me arrepiei quando o ouvi pronunciar uma coisa dessas. Vinícius detinha um olhar tão... intenso, tão raivoso, tão doloroso, tão vermelho, que, de certa forma, temi por Filipe. Era uma faceta de Vini que eu não gostava, e espero não voltar a ver. Só que ter seu pai por perto é como uma garantia de que isso vai repetir e algo deve ser feito. Como limpar a mágoa que Filipe deixou nele? E aí me pergunto sobre como limpar a mágoa que Murilo deixou em mim...

Um passo de cada vez.

– Ai que sinistro, Mi.

– É, é algo sobre a mãe dele. A que morreu.

– E como você voltou a ficar de bem com Murilo nessa história?

– Sabe como seu Júlio não pode se alterar, daquela vez foi parar no hospital. Ele tava na sala quando Iara rompeu lá para chamar Murilo, foi atrás também. Quando conseguimos afastar pai e filho, ele sentiu um mal-estar e o levamos para seu quarto, onde Vini e Djane ficaram para checar o estado dele melhor. Naquele clima ruim eu acabei por me aproximar de Murilo, conversamos um pouco.

Mais cedo Vinícius tinha me incitado a dar uma chance e me acertar com meu irmão. Era sobre isso que comentava com Djane enquanto estávamos no quarto, que eu tinha estranhado o fato de meus pais não terem ligado para falar sobre a viagem. Não sei se realmente Murilo ligou para eles... de qualquer forma, ele falou com Djane quando saíram para o supermercado os dois no sábado. Ao deixar meu namorado e minha sogra tomando conta de seu Júlio no quarto, encontrei meu irmão no corredor. Ele tava cutucando o aquário que lá tinha com o dedo indicador.

– Não bate no vidro.

Me percebeu e permaneceu do jeito que tava mesmo, com o dedo colado no vidro do aquário. Os peixes pareciam ter entendido que ali tinha um movimento estranho, pois não passavam no local onde estava o dedo dele.

– Por que não?

– Porque eles não gostam.

Uma sobrancelha se levantou com incredulidade risível.

– Os peixes? Os peixes não gostam? Como você pode saber?

Me aproximei dele, me encostei na parede próxima. Apoiada num pé, descansei o outro como se parasse para observá-lo cutucando o aquário. À minha aproximação ele se ergueu de volta, ereto para falar cara a cara comigo, meio desconfiado. Contudo, trazia uma expressão razoável, daquelas despreocupadas, mesmo com os braços cruzados ao peito que logo apresentou.

– Não sei, só... pressinto. Eles são seres vivos, você sabe.

– As baratas também e você me fez acabar com uma no outro dia.

Dei de ombros.

– Ela não morreu, só se fingiu. Baratas são praticamente imortais, sobrevivem até sem cabeça. Enquanto falamos ela deve estar passeando por outros terraços.

– E você acha que elas gostam de levar chineladas?

– Não, não gostam. Mas foi ela quem me atacou primeiro.

Uma covinha se puxou em seu rosto, nosso clima se amenizava.

– Ela só andou.

– Na miiiinha direção. Previ o ataque e te chamei.

– Que mal ela poderia ter feito?

– Pessoas morrem com mosquitos, que dirá com baratas, seres quase imortais que provocam a sanidade de qualquer mulher. Você vê peixes fazendo isso? Então pronto, não bata no vidro.

A covinha se repuxou mais até abrir um sorriso, pequeno, mas com graça. Pra quem não tava falando com ele e que ainda fugira e o evitava, eu estava falando pelos cotovelos.

– Tá de sacanagem comigo, né?

– Não. Tô... Um pouco.

– Nessas horas que fico pensando se você tá sob medicações ou precisando delas.

– Que bom, agora sabe o feeling que me dá quando você tem umas ideias não muito geniais...

– Chata. Te amo, de qualquer jeito.

Ele correspondia à minha bandeira branca.

E Flávia me puxa de volta ao papo.

– No fim, vocês fizeram as pazes aqui na porta de casa de novo. Murilo pode ser um bruto, mas quando se trata de ser fofo, ele é, admita. Uma hora o perdão vai chegar.

Da vez passada eu o ameacei de postar o vídeo se ele fizesse algo contra meus amigos por causa daquela sua maldita “proteção”, uma briga que ficou no empate, porque ele estava sob aviso e mesmo assim fizemos as pazes, ele pediu desculpas, disse que ia (tentar) se controlar.

Não precisei de ameaça dessa vez, hoje, por si só, me ofereceu carona antes de sair de casa. A gente estava chateado por tanta coisa que era mútuo pensar em se livrar desse nosso peso. Afinal, eu tô meio que em dívida com ele também... Eu quem propus uma reorganização de nossa relação e quase nada eu fazia para isso, passei foi muito tempo extravasando a raiva que ele me fazia.

– É, a gente ainda não conversou direito... quando chegamos em casa fui direto pro quarto, tinha que terminar a análise lá do caso da matéria de Administração Financeira. Tô meio que empacada no começo do ensaio...

– Tu e resto da turma, né?

– Mas só eu aparentemente tô marcada... ó vida.

– É, as coisas não tão boas pra ninguém... mas vai melhorar, sinto que hoje alguma coisa vai melhorar. Já teve as desculpas do seu irmão, né?

– Algo do tipo. Mesmo assim, me diz, ó vidente, conhecedora dos números, quais devo jogar na loteria? Vai que minha sorte vira?

– Sou boa com números, fato, só não cheguei a esse ponto.

– Então minha sorte não vira. Ó vida.

– Ó vida mesmo.

~;~

Ó vida de estudantes encarados e mal encarados.

Flávia quis ir cedo para a faculdade para dar tempo de dar uma passada na biblioteca, pegar umas referências lá para o seu caso do ensaio. Queria poder trocar com ela, que parece mais fácil que o meu, vi um exemplo similar nas prateleiras de Administração Financeira na sexta – como a aula acabou cedo nesse dia, aproveitei para dar uma checada nos livros sobre o assunto enquanto esperava Djane para ir ver Vini – que Flávia foi logo atrás para não locarem na sua frente.

Na entrada mesmo ela saiu correndo. Declarou que o tempo que gastaria andando seria o bastante para alguém chegar primeiro que ela. Iria acompanhá-la, porém topamos com Sávio e quis saber como tinha sido o teste dele de monitoria, que aconteceu pela tarde. Ele riu discreto, com aquele puxadinho que sua boca pode dar quando acha algo engraçado, só que não sabe bem do que se trata e fica na dúvida de perguntar. Só eu acho fofo quando os homens ficam sem-graça perante alguma coisa?

Isso não quer dizer outra coisa, juro. É só uma observação. O Sávio é só... um amigo. Isso, um amigo. Um amigo muito... er... deixa pra lá, não é esse o ponto. O ponto é que empurrou sua timidez, caminhou comigo para o pátio e então questionou qual era a da Flávia – mais precisamente o porquê de ela virar aquele vulto que passou por nós.

– Ah, ela só quer chegar a tempo na biblioteca e não terem levado os livros que falei sobre o caso do ensaio dela. Ela pegou um caso bom, eu já nem tanto. O que tem achado do seu?

– Nem bom, nem exatamente ruim, só chato. Tem hora que não consigo processar as tabelas do material de apoio... não sei bem como entregar isso até sexta.

– Bem-vindo ao clube, meu amigo. Porque tô mais empacada que burro na estrada, tô sentindo que virei o alvo favorito dele e não tenho muita ideia do que apresentar para toda a sala minha não muito eficiência sobre esse caso.

Acho lindo quando ele olha para o lado e ri, como se sorrir para mim fosse algo que ele não deveria fazer e o quer muito de qualquer jeito, então se vira para extravasar e sai só aquele puxãozinho de novo no seu rosto. Muito espirituoso. Quando volta o rosto para mim novamente, sou eu quem se desvia, porque fico impressionada como esses pensamentos têm me aparecido ultimamente. Tá, ele é atraente, ele tem seu charme, e daí? Não é como se eu gostasse dele ou algo do tipo. Eu gosto, eu amo, eu penso em outra pessoa. Vini. Vini, Vini, Vini. Tá me entendendo, cérebro?

Vini.

Isso mesmo.

MEU Vini.

Para não dar na cara do momento estranho, mudo de assunto, menciono a prova de monitoria. Nem notei que não era ele quem me acompanhava nos passos e sim o contrário. Fomos parar na secretaria. Gentil, abre a porta para mim, cumprimenta todos os presentes no balcão e arranca sorrisos bem mais gentis das mulheres que lá se encontram. Quando ele se curva para o lado onde estou a fim de me responder, vejo claramente uma das secretárias fazer biquinho de... ugh... que bico feio de desejo ela fez, aquele que morde o dedinho no canto da boca. Gente! Cadê decência? A outra, sua colega, apertou o lábio com os dentes de cima ao passo que secava Sávio sem ele mesmo notar. Eu que fiquei desconfortável.

– Acho que fui bem, não me pareceu difícil... Oi, boa noite. Por favor, poderia verificar os horários da professora Djane, pelo turno vespertino?

A moça do biquinho e dedinho – grande referência a minha – que se ofereceu a ajudá-lo – talvez até mais que isso se ela pudesse – e foi pegar a lista semanal de cargas horárias numa saleta ao lado. Observei Sávio enquanto isso, checando da mulher para ele com piscadelas de esguelha. Me pareceu muito tranquilo, alheio às atitudes chamativas daquela mulher. Que eu nem conhecia, devia ser nova no cargo. Talvez fosse melhor ele ficar na ignorância? Talvez seria melhor EU ficar na ignorância.

– Espero que tenha ido bem mesmo, Djane pode precisar de um apoio esse semestre. De quebra, ganha uns pontos, umas dicas, uns treinos. Você ficará em boas mãos, garanto.

Dei uns tapinhas no ombro dele – e que ombro firme. Tá, parei. – que estava todo debruçado sobre o balcão de atendimento, bem distante dos olhares que lançavam a ele. E não me refiro a apenas mulheres. De umas cinco pessoas que lá estavam – a secretaria na verdade conta com três pessoas, às vezes “abriga” gente da recepção ou coordenadoria, o que aumentava seu nível de população por metro-quadrado – quatro olhavam pra ele. Sávio chamava atenção mesmo.

E eu entendia muito bem esse por quê. Cheguei a sentir esse por quê. Antes que uma avalanche de pensamentos voltasse a me desnortear sobre a segunda-feira passada que estive na moto dele, grudada nele, tocando seus músculos através da camisa... ai, engulo em seco e me afasto minimamente sem algum alarme.

Ainda bem que ele não percebe. Na verdade, parece gostar muito de minha aproximação, sendo o tímido que é. Acho engraçado isso nele. No entanto, empurra mais uma vez essa timidez para longe e solta uma que ele logo se arrepende:

– Palavra de nora?

– Hum. Palavra de amiga.

– Desculpa, eu não... foi só... eu... não quis ofender.

Diria no mínimo quão são divertidas as mudanças faciais que perpassam por sua face num mesmo segundo, pela sua confusão de palavras. Não era ele ou o que tinha dito que me fizeram querer sair dali, eram os cochichos da senhorita-dedinho-na-boca que me deixava desconfortável. Que garota atirada. E que olhar mal ela me deu.

Não que eu tenha medo.

Só que de fofocas a minha cota anda grande.

– Relaxa, saquei. Então fica aí que... tenho que ir.

Virei-me para sair consciente do seu olhar às minhas costas. Ao passar pela porta, me chamou. Minimamente me dirigi para o encarar:

– Milena?

– Eu?

– Eu realmente... eu não... não quis dizer algo ruim.

– Eu sei, eu ouvi. É só que tenho que ir mesmo.

Dei uma boa respirada ao me encontrar fora dali. Credo.

Que sequem alunos longe de mim, muito obrigada.

~;~

Ó vida de estudante apaixonado e quebrado. Quer dizer apaixonada e quebrada.

Dani, para ser mais específica.

A encontrei junto de um cara, um que tinha cabelos lisos rente à nuca e tinha uma leve bagunça charmosa acompanhado de uma franja simples, sem ser emo, sentados numa mesa da lanchonete. Resolvi aproveitar a chance de comentar com ela sobre a viagem, já que no outro dia em que fizemos uma reuniãozinha ela sumiu. Me senti meio indiscreta de sentar com eles logo que me aproximei, vi que estavam numa conversa privada. O porte deles era meio... estranho. Num sei. Mas não pude evitar se já tinham me visto indo para lá. Cumprimentei os dois logo que cheguei à mesa:

– Olá.

– Oi, Lena. Esse aqui é o Yuri, aquele amigo que te falei que se mudou pra perto lá de casa. Yuri, essa é a Milena, a garota que te falei sobre a monitoria.

– Prazer. Já te vi por aí nos corredores mesmo. E quase fui ao aniversário da amiga de vocês... todo mundo conhece a voz dessa aqui, menos eu.

Apontou risonho pra ela.

Do tanto de gente que a Dani chamou para ir naquela pizzaria, eu num duvido que tenha chamado toda sua turma. Ele perdeu uma baita noite!

– Não? Pensei que ela cantasse toda hora.

Sentei, Dani deu de ombros e coloquei meu material em cima da mesa, onde jazia os materiais deles também. Yuri tinha um braço apoiado ao lado, parecia meio curioso, meio preocupado. Talvez não fosse uma boa hora. Só que ele logo levanta.

– Não comigo, pelo jeito. Bom, eu vou lá na lanchonete pegar um pouco de gelo, volto já-já. Não se mexa, hein.

– Há-há, como se eu pudesse.

A ironia de Dani me intrigou. O que não foi beeem ironia, só um tanto desconfortável. Remexeu um pouco a perna que amparava na cadeira a sua frente, se esparramou mais na que estava sentada e tinha algo estranho. Ela não tava vendo que se portava mal? Digo, ok, não tinha ninguém passando ali no momento, isso não queria dizer que não poderia passar e quando ela menos esperasse. Quando Yuri se afastou mais que me pronunciei:

– Dani! Será que você pode, por favor, abaixar essas pernas? Você tá de vestido, caramba!

– Ah, tô de short por baixo mesmo, não vão olhar nada que queiram. Além do mais tô assim porque virei o pé ali na entrada. Por isso que Yuri foi pegar o gelo.

Remexeu mais uma vez na perna, curvou-se sobre o corpo, tocou seu tornozelo, amassou os lábios numa linha. Não reclamou, entretanto.

– Ui. Tá doendo?

– Um pouco. Não sei como vou levantar com essa minha sandália alta.

Olhei para a sandália que estava aos pés da sua cadeira, olhei para meus pés. De supetão mandei para ela, que não sacou de primeira:

– Calça quanto?

– 37, por quê?

– Toma minha sapatilha. Já ajuda.

Tirei instantaneamente. Ela se mostra relutante.

– E você fica com meu salto? Não, não precisa.

– Pega logo, Dani, antes que eu suma com as duas.

Com um suspiro cansado, ela aceita a troca. Devia estar imaginando como iria para sua sala, no primeiro andar. Ainda bem que esse semestre colocaram a rampa, senão ela teria que fazer um sacrifício pra subir e outro pra descer. Yuri voltou com um saco que envolvia umas três pedras de gelo, repousou delicadamente sobre o tornozelo do pé direito, se mostrava prestativo para qualquer “ai” que Dani pudesse dizer. Para meu assombro, ela estava... introvertida. Não parecia a Dani viva que conhecia.

– Vou levar sua pasta lá pra cima logo, que tá pesada. Vejo se vai ter aula mesmo agora e volto pra te buscar. Fica aí.

Dani agradeceu o cuidado e a gentileza do amigo num fio de voz, meio sem-graça, bufou um pouquinho pela graça dele, como se ela pudesse sair dali e descansou o rosto sobre os braços na mesa, debruçada. Eu ainda ajeitava a sandália dela nos meus pés. E não é que era fofa, macia e combinava com meu look? Era uma anabela delicada um pouco alta, com cores azul anil e bege com branco na traseira... não era hora, entretanto, de pensar em furar os pés da amiga. Quer dizer, de pensar em roubar a sandália da amiga.

– O que vocês decidiram por final? Da viagem.

– Posso perguntar uma coisa antes?

– Diz.

– Essa sua carinha não é só pelo pé doendo, é?

– Hum... Não, não é... acho que tenho tudo quebrado. Ou torcido. Ou retorcido.

– Como assim?

Dá um suspiro cansado e retrai-se.

– Acho que preciso vomitar.

– AQUI?

– Não vomitar vomitar... vomitar no sentido de... falar.

Ah sim, suspirei mais tranquila. Toco-lhe a mão na mesa, incito-a começar. Não havia muitas pessoas por aquele horário, por onde estávamos era vazio. Daniela virou-se, apoiou os pés em outra cadeira para que pudesse se debruçar melhor sobre a mesa. Ao se ajeitar, deitou sua cabeça de lado sobre os braços. A expressão que trazia não era das melhores.

– Dor de um coração frustrado, Milena. Dor de estar perto e querer se afastar para engolir esse sentimento. Se pudesse forçava um outro sentimento, um mesmo por Yuri, ele é tão legal e gentil. Você o viu. Por que eu não sinto isso por ele? Ou Sávio, tão gente boa, cara. Como vou seguir em frente se meu coração não para de olhar por outro? Outro que deixa claro que não me quer? Quero ser feliz, Milena. Preciso ceder a outro meu coração, alguém que se importe em abraçá-lo sem medo...

– Awn, Dani. Eu nem sei o que te dizer... você... o Bruno...

O quanto gostaria de poder dizer algo, fazer algo. O que poderia ser? Não dava pra falar da minha última conversa com ele, isso a arruinaria mais que do que já fez. Observá-la tão pra baixo, tão não-Dani... me dava vontade de trucidá-lo. Só que também não poderia forçá-lo a amar alguém que não ama. Ai que droga, devia ter algo a ser feito.

– Por isso que tenho sumido do grupo da gente. Às vezes ia, ficava mais próxima do Sávio, tentava me animar... mas é isso, o maldito do Bruno não sai de mim. Já fiquei zangada e agora tô assim. Se pelo menos me fizesse o favor de sair da minha cabeça...

– Dani, sinto por ter que ficar longe, dele e de nós... Poxa, eu não quero te ver assim, mesmo entendendo. Não quero pressionar, longe de mim, mas é tão ruim assim ficar perto? Ele ainda é seu amigo, não?

Notei que algumas vezes ele também ficava longe, outras só de olho, muito introspectivo, o que é até normal pra ele, mas para Daniela não. E sei que estaria assim se estivesse na sua situação. Só de imaginar não ser correspondida pelo Vinícius, sei lá, acho que teria me afastado mesmo, principalmente depois de ter ajudado ele com a mãe... que era isso o meu intento no começo. Uma missão apenas. Que não deveria passar de amizade se assim fosse. Djane mesmo um dia disse, que se não desse em namoro, seria uma linda amizade... Só que não acho que seria essa liiiiiiiinda amizade que ela comentara.

– Não sei, Lena, sinceramente não sei. É muito chato olhar para o Bruno e ele simplesmente fingir que tá tudo de boa, que não temos uma vibração estranha... Caramba! Me dá uma vontade de gritar na cara dele que foi ele quem me beijou, droga!

Parei de rodar o celular na mesa. QUÊ? Como que é a história aí?

– Peraí, vocês ficaram?

Ela levanta a cabeça e num suspiro, me explica:

– Não foi beeeeem uma ficada, ele só me beijou, assim, do nada. Por isso eu te disse pra não me deixar sozinha com ele mais.

Wow.

Não foi bem à toa esse pedido dela mesmo.

Mas ela quer dizer isso porque...

– Porque tem medo que ele repita a dose e fique estranho de novo?

Como que ele não mencionou nada?

– Não, é que assim já tá estranho mesmo. Ele não vai me beijar, eu sei, não vai acontecer de novo. Putz, como tudo mudou depois disso. Eu fiquei extasiada pra nada. E não posso ansiar por algo que não virá.

Ainda me sentia perdida com essa história. Como assim Bruno tinha a beijado? Que “do nada” fora esse? E eles não falaram mais sobre isso?

– Pera, me conta isso direito. Como, quando, onde?

– Foi na virada de ano. Quando foi lá pelas 22h30 parte de minha família desceu para a praia, fui com primas e primos, encontramos uma galera por lá que eles conheciam. E encontramos numa dessas turmas o Bruno, estava com primos e amigos também. Ele me cumprimentou de boa e tal, conversamos qualquer besteira, era uma coisa mais com todo mundo, sabe? Tudo junto e misturado. Ficou mais na dele depois, então me joguei com as primas pra dançar. Aí...

– Hum.

– Uns dos caras começaram a nos rodear, passar um papo, fazer palhaçada. Minhas primas que conheciam eles, era amizade de escola, de quando estudaram por aqui e se reencontraram. Papo vai, papo vem, veio uma história de que teria que rolar algum beijo pra selar a entrada do ano. Tinha um cara super gato e papo ótimo perguntando pra mim, seria só um beijo e nada demais, só pra entrar o ano mesmo, uma brincadeira. Respondi que estava de boa com isso, eu queria era ver se sentia algo com ele, se me ajudasse na equação na cabeça, pensando que talvez alguém de fora pudesse mudar aquilo dentro de mim... e não foi bem assim.

– Tenho até dúvida de perguntar... mas continue.

Logo vi que os olhos de Dani se encheram, daqueles que trazem um brilho melancólico por segurar a decepção. Não queria que chorasse, mas se precisava falar... eu não poderia impedir. Dani tinha que botar pra fora aquilo que tanto tem a revirado, assim estaria lá para pelo menos segurar o balde. Em força figurativa, claro. Por isso me aproximei mais dela com minha cadeira, também para que ninguém visse seu momento de fraqueza. Estava bastante ruim para que todos que pudessem passar ali notassem, ainda mais se a noite já havia começado e os alunos chegavam aos poucos.

– Nos últimos 15 minutos a galera voltou a se reunir, a banda que tocava lá perto anunciava o tempo, o relógio enorme corria, as pessoas estavam tão alegres, tão risonhas, tão vivas. Eu queria estar no mesmo patamar. Quer dizer, eu estava feliz, por minha família, vida e tal, minha vida só não se resume a Bruno, claro. Só que ele pega pelo menos um terço, dois terços, num sei, desse meu coração. Sou uma idiota mesmo...

– Também não, Dani, você só... sente isso. Não é bem o tipo de coisa que a gente pode puxar as rédeas. Só porque o coração é nosso, faz parte da gente, não é bem dependente de nós, e sim nós dele.

– E a gente que pensa que é o cérebro quem comanda tudo...

Acenei para que ela continuasse e mais uma avalanche de informações ela deu:

– Pois é, faltando dois minutos a galera começou a se posicionar, o carinha que tava comigo, o Tomas, estava bem animado. Eu ia me jogar de cabeça, sabe, ia esquecer toda aquela vastidão de praia, ia sentir algo diferente, pressentia... tava ansiando por algo assim. A contagem regressiva começou nos 30 segundos, a praia borbulhava, a ansiedade ia a mil. Nos 20 segundos fechei os olhos, esperei contando junto com a banda em minha mente. E então senti que Tomas passara os braços pelo meu dorso já nos 6 segundos e, a antes dos 2 segundos, me puxou para o beijo.

Será que o Bruno a beijou depois disso? Fiquei a maquinar as possibilidades, as chances, enquanto ela se dava um descanso no relato. E de surpresa vi um sorrisinho em seu rosto, um triste, mas sorrisinho de qualquer forma. Piscava rápido para impedir que qualquer lágrima descesse... e se descesse, eu desejaria que fosse de dor no pé, não do coração machucado.

– Foi... bom, muito bom... ele tinha uma força de me segurar, sabe? Tinha um jeito diferente e único de beijar, era... como cheio de si, avalassador, seguro e... nossa, me fez me sentir tão bem que eu própria estava querendo algo mais, queria sair da brincadeira e não sair daquele beijo. Não era por ter entrado o ano bem, pelos fogos explodindo ao céu, aquela badalação da banda, o grito do povo na praia, não era nada disso que fazia meu coração saltar loucamente. Nossa, foi tão maluco, mas tão bom... Ao princípio do fim, minha mente só gritava “por favor, Tomas, não para agora, não para”. E ele parou, senti a falta dele... e o vento frio da praia se contrastava com sua respiração quente, rente a mim... e então abri os olhos. Não era o Tomas, era o Bruno. Tipo, era o Bruno!

Instantaneamente minhas mãos alcançaram minha boca, boca aberta de... espanto. Pasma. Paralisei mesmo. Cadê as palavras? Tinham todas sumido. Porque não tinha algo a se falar diante dessa situação. Para Dani então, descrever-me isso é uma grande desabafo. Inquieta, ela se mexe novamente, balança a cabeça e ora massageia as têmporas ora aperta os olhos com as mãos. Queria ela se esconder? De mim, de Bruno? Dela mesma?

– Foi o Bruno quem eu beijei. Quer dizer, quem me beijara. Nem mesmo notara quando corri as mãos por ele durante o nosso momento... nem sabia que era nosso momento. O que sentia antes se triplicou por todo meu corpo, senti que de repente tudo tava virando, rodando, sei lá. Um Bruno diferente se portava diante de mim. Foi algo tão bom para terminar tão mal, pois ele ficou lá estático, e eu também não tinha muito o que dizer.

Por fim, Bruno deu uma desculpa super esfarrapada pra ela. Uma não, enrolou várias numa só que mal Dani conseguiu me dizer tudo. De que ele já tinha visto o cara lá, o tal Tomas, ter ficado com outras meninas antes de ela chegar à praia, que ele tinha beijado até umas de suas primas, que não queria vê-la decepcionada quando Tomas se afastasse e fosse atrás de outra... Era mais ou menos isso o acordo mesmo entre Daniela e Tomas, o que nos espantou foi Bruno... se importar, se importar tanto a afastar o cara e ele mesmo a beijar. Quer dizer, ele poderia ter só impedido, não?

E outra, disse que o cara era só um desconhecido e que não a merecia. E aí ficou a pergunta muda... ele a merecia? Podia até antes merecer, só que com esse comportamento irregular dele não. Bruno teve a cara-de-pau de dizer que era o que amigos fariam pelo outro. Que eles eram amigos, certo?

Eu também não teria tanta certeza assim.

A bolha deles foi enfim quebrada por suas primas que a puxaram para dançar novamente e desde então não falaram mais sobre isso. Estava pior que a vez que ele dormira na casa dela por motivo de força maior (ficou maluco com os roncos do primo e latidos de um cachorro que não o deixavam dormir, hóspede por ter a casa dedetizando), eles tiveram um incidente de se encontrarem bem cedo na manhã no mesmo lugar. Ela sem querer e sem saber sentou-se em cima dele que dormia no sofá, no susto derramou café quente e ainda o viu de cueca. Claro que ela ainda morre de vergonha dessa história... só que isso, esse “incidente” do ano novo é mais que vergonha. É quase uma humilhação. E para os dois.

Ela segurou bastante a vontade de chorar quando a abracei de lado. Teve que segurar mesmo quando Yuri voltou para buscá-la e notou que ela não estava bem. Enrolou que era do pé, que estava começando a inchar, doía e... ele se ofereceu para deixá-la em casa, o que Dani negou veemente, pois ambos perderiam um dia de aula por nada, sendo que estavam bem ali e ela não queria chamar a atenção, tampouco se aproveitar da gentileza dele.

Então a ajudei a levantar e, ela com minha sapatilha nos pés, os braços apoiaram-se em mim e em Yuri, escoltando-a para sua sala, que ficava no mesmo pavimento da minha, só que no extremo contrário. Várias pessoas perguntavam sobre o ocorrido, se referiam sempre à escada assassina (que não foi dessa vez que fez uma vítima), abriam espaço na rampa para subirmos e conseguimos deixá-la em sua cadeira habitual, perto da porta. Quando Yuri tirou a camisa de botão que cobria uma camiseta por baixo também desejei que o coração de minha amiga palpitasse por esse cara gentil que oferecia o pano para não molhar a cadeira ou a sala com os pingos que desciam do saco de gelo.

Saí apenas com a promessa de que no intervalo voltaria para sua sala, para lhe fazer companhia e comentar sobre a viagem.


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Notas finais do capítulo

Eu deixo estrangularem o Bruno. E que hst é essa agora da Milena pensando demais em quem não devia?

Bom, Murilo pode ser um bruto, mas quando se trata de ser fofo, ele é, admita. +1



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