S.O.S Me Apaixonei Por Um Assassino Suicida escrita por Anthonieta


Capítulo 1
Algumas horas antes do fim do mundo




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23 de março, o dia em que a minha vida se transmutou num inferno, literalmente. Tudo bem, tudo bem... posso estar empregando o sentido da literalidade de mateira errada, tosca, até. Sem problemas, às vezes eu exagero.

Sou Clarissa Lee Lincer. Estou no segundo período de Jornalismo da USCI, no momento estou de férias, moro sozinha e trabalho numa livraria praticamente falida, – quase ninguém em Crouzi parece sentir alguma atração pela leitura, qualquer que seja. A maioria das vidas supérfluas, desta pacata cidade, só têm olhos, ouvidos e atenção, para reality shows, novelas e programas de culinária. Eu sei, este último não é tão ruim. No entanto, Lucy, minha querida chefe, ainda alimenta o sonho de transformar a mente passiva dos Crouziences. Coisa inútil, até por quê não é conveniente querer mudar o modo de agir de uma pessoa só porque você não concorda com tal. Mas eu preciso desse emprego, então espero que ela continue alimentando essa ilusão por um bom tempo. Meu salário é paupérrimo, mas suficiente para as despesas alimentícias do mês. Meu pai deposita uma quantia considerável, numa poupança, para mim, eu uso o dinheiro para pagar contas, me embriagar com cafés – os daqui, por sinal, são muito bons – e comprar vinis, livros e outras coisas que não vêm ao caso. Apesar d’eu viver no aperto, gosto bastante da minha vida. Quero dizer… Gostava. – Por que? Você irá ver, paciência.

Naquela manhã, peguei as chaves da minha picape em decomposição, que ganhei do tio Marcus, a Juliete. Conferi as trancas da porta e chamei o elevador. Ao chegar na recepção, Frederich me interceptou, murmurando que hoje à noite teria reunião de condomínio e eu não poderia exitar em comparecer. — Certo… Já entendi, prometo pensar. — cortei a conversa e corri apressada para a garagem, peguei Juliete e parti rumo à casa de Kat.

Katherine Macedo – não sei dizer se isso é um nome ou, simplesmente, um castigo. – Uma velha, querida e enfeitada amiga do colegial. Está no primeiro período de medicina, pretende se especializar em sexologia, mas se disfarça de neurocirurgiã, com doutorado muito bem.

Cheguei na casa de Kat em, exatamente, vinte minutos. Ótimo. Tentei buzinar, mas a buzina de Juliete havia morrido, eu acho. Então o jeito foi gritar. Foi necessário evitar o esforço de sair do carro e caminhar à porta da casa. Ando muito cansada ultimamente.

Kat apareceu no portão minutos depois, com o cabelo completamente bagunçado e aparência cansada.

— O você quer?

— Espero que não esteja muito ocupada...

— Oh.. — ela mordeu o lábio inferior, olhando para dentro da casa, depois tornando a vista para mim — o que houve?

Eu fiz uma careta.

— Laura ligou-me mais cedo, pedindo para que eu fosse até a casa dela, porque parece que Martim não está muito bem. — eu pausei — então passei aqui, porque você estava reclamando semana passada, dizendo que fazia tempo que não os visitava e tudo mais.

— É verdade...! — animou-se — tudo bem... espere um pouco, vou apenas dar um jeito no cabelo e... — ela hesitou — conferir umas coisinhas aqui...

Eu assenti, desconfiando que ela estava com alguém, o que não era de se surpreender. Kat, além de ser muito bonita e estar incluída no padrão de beleza reinante, é o tipo de garota que esmagaria o crânio de um cara apenas com o toque. Ela mora em sua própria casa. Ganhou do pai, quando passou em medicina. O bom é que quando queremos fazer uma festa, sempre temos um lugar legal, sem vizinhos chatos, infortúnios, ou coisas do tipo. E eu nunca compareço às festas, é.

Em um vislumbre, pude vê-la despedindo-se de um rapaz alto e bonito, o que não deixou-me surpresa, é claro. Eu sorri divertidamente quando ela chegou à Juliete.

— Namorado novo? — perguntei-a.

Ela sorriu delicadamente, passando a mão pelo cabelo liso.

— Ele é fofo... e gosta de conversar sobre biologia e história. Acho que posso sair com ele mais vezes.

Eu levantei as sobrancelhas.

— Isso é bom, então.

Dirigi o mais rápido que pude. Teríamos chegado em trinta minutos, se não fosse pelo trânsito maldito e pelo motor de Juliete. Kat não parava de falar sobre os rapazes bonitos que do curso, e de como ela estava ansiosa para começar o estágio, e de como ela precisa de um namorado legal e interessante o suficiente a ponto dela não desistir da relação na primeira discussão… Eu liguei o som, para ver se ela calava a boca, não adiantou muito, ela começou a cantar. E não adiantava mudar de estação, a criatura sabia cantar qualquer música que o rádio emitisse. Era incrível… E irritante.

— Não sabia que estudantes de medicina tinham tanto tempo para ouvir tantas músicas a ponto de decorá-las e sair por aí perturbando os outros, cantarolando pelos…

— Hmm — ela me interrompeu — Tem muita coisa que você não sabe. E não ter tempo para ouvir músicas é exagero.

— É, poder ser.

***

Parei Juliete em frente ao velho prédio onde Laura e meu irmão, Martim, moram. Laura e eu somos amigas há anos, ela estuda química, também na USCI.

Kat e eu subimos as escadas às pressas. A coisa é tão arcaica que nem elevador têm, um absurdo! Quando chegamos no quarto andar, eu já não sentia minhas pernas. – pessoas sedentárias não deveriam ser submetidas a tanto esforço físico de uma só vez.

— Água! — grunhi.

— Ah, Clarissa... você não aguenta nada. Não nasceu para fazer esforços… não nasceu para…

— Não continue! — bradei — Sua pervertida.

Ela deu de ombros. Eu pus as mãos no joelho, ofegante, respirei fundo, dei alguns passos avante e bati na velha porta de madeira.

— Melhor não bater muito forte... — disse Kat — Do jeito que essa porta está de cupins, pode cair a qualquer momento.

— Tem razão… Melhor chamar.

Após dois berros, Laura abriu a porta, eufórica.

— Ainda bem que você veio... — ela parou — Oh, Kat, sua... pensei que não a viria mais esse mês.

— Eu sou uma pessoa ocupada, sabe como é.

Eu rolei os olhos.

— Então... — comecei — o que Martim tem?

— Ah.. — Laura balançou a cabeça negativamente, um tanto confusa — ele está péssimo... acho até que vai morrer.

— Fala sério... — resmunguei.

Eu entrei no casulo dos dois: tudo muito bem organizado. Pois sim, Laura é uma psicopata com toque. Martim estava jogado no sofá, com um termômetro pendurado na boca, revirando os olhos e soltando gemidos ridículos. Havia algo de muito estranho naquela história de doença.

— Hum — suspirei, puxando-o pelo cabelo — o que você andou fazendo para ficar assim?

— Eu juro que eu não sei. — disse ele, tirando o termômetro da boca.

— Vinte e nove graus. É, nem está tão ruim, aliás, estou ótimo!

— Ótimo nada! — bradou Kat — Vamos dar uma olhada nessa sua garganta…

— Não! — grunhiu Martim — Eu não confio em você… você é… perigosa.

Kat o ignorou.

— Vem aqui, Martim! Vamos ver por quê você está doentinho…

— Estou ótimo! — disse ele, se afastando cada vez mais de Kat. — vamos acabar com essa palhaçada — ele fitou-me, sorrindo e batendo no próprio peito — eu não tenho nada, vê?

Ódio subiu por minha garganta

— Eu não acredito que vocês me fizeram gastar diesel com absolutamente nada...

— Valeu o passeio.. — Kat resmungou. Eu a encarei perifericamente.

— Certo... — disse Laura, com um sorriso suspeito — temos... uma surpresa...

Ela mostrou-me um jornal com o caderno de classificados da cidade. No meio dos emaranhados de letras, havia um círculo em marcador azul. Eu levantei uma sobrancelha.

— O que é isso?

— Bem, — Laura começou — hoje pela manhã, Mart estava lendo o jornal, e viu esse anúncio. A ICAI é uma ótima empresa de assessoria de imprensa... ahn pesquisei no Google, e eles estão fornecendo estágios para estudantes de jornalismo. Bem, pensamos que isso seria o máximo para você.

— Então… Não há ninguém doente aqui? — bufei — vocês são péssimos em fazer surpresas. Cara, poderiam ter me avisado por… — eu me interrompi — Mas talvez isso seja bom...

— Claro que é. — Martim suspirou — Há, exatamente, duas vagas. Eu já liguei para a ICAI, eles disseram que é preciso fazer uma espécie de tese sobre a animalização do homem. As duas melhores, serão selecionadas.

Animalização do homem? Não sei o porquê, mas estou começando a ficar com um pouco de medo da possibilidade de trabalhar nessa empresa.

— Ah... — grunhi, enquanto observava a organização exagerada do apartamento dos dois — tudo bem, então.

— Você terá dois dias para entregar a tese… — ele sorriu — A partir de… ahn… depois de amanhã, que é quando eles vão abrir as vagas e expor os detalhes cruciais sobre o tema.

Dois meros dias para entregar uma tese, caprichada, sobre um tema naturalista, que poderá mudar completamente o rumo da minha vida monótona. Nada poderia dar errado... nada poderia atrapalhar-me.

— Eu tenho que ir — bradei, tropeçando nos móveis— Tenho que pesquisar, ler, me preparar… Eu tenho que ir… Agora! Kat, você vem comigo?

— Ah, sim… — ela sorriu maliciosamente — As passagens de ônibus estão um absurdo… E não se fazem mais motoristas e cobradores sexy, como antigamente.

***

No caminho de volta, parei num café, deixei Kat lá, e aproveitei para tomar um Macchiato. Enquanto me distraia, mexendo nos guardanapos. Notei uma presença familiar se aproximando.

— Clarissa...?

Sim, a voz era conhecida, e, por um mínimo instante, eu senti que o meu sossego estava prestes a perecer por um longo tempo indeterminado. Não por conta daquela voz, mas pelo que poderia estar por vir, hoje, amanhã, ano que vem. Então virei-me em direção ao meu chamado.

— Ahn… Diana? Oh, quanto tempo… Você sumiu depois que mudou-se do Tude.

— Pois é, muito trabalho, sabe?

— Aham… Mas e o apartamento? Pretende voltar?

— Nem se eu quisesse. As coisas estão complicadas. Minha mãe perdeu a fazenda, coisas de hipoteca, e minha casa é muito pequena. Terei que fazer uma reforma para que tudo fique mais confortável. E você sabe que despesas com reformas custam milhas.

— Ah, entendo… Então… Como você pretende arranjar a grana? Olha, você vai me desculpar, mas nem adianta me pedir emprestado, porque, sabe, eu não tenho.

— Oh, não, não… Eu nem pensei nisso, te pedir algo, imagina… Além do mais, já tenho o dinheiro. — ela sorriu — Vendi o apartamento!

Eu sabia que péssimas notícias estavam por vir. Dois anos com o apartamento de cima desocupado. Dois anos de pura calmaria. Dois anos sem ouvir músicas indesejáveis em volumes exagerados. Foi-se o tempo em que eu não sofria por infortúnios.

— Uh, vendeu? Que maravilha… e... anh… para quem?

— Para um ótimo rapaz! — ela não parecia muito segura de suas próprias afirmações — Ele é novo na cidade, universitário, meio estranho, mas – sua voz vacilou – é... eu acho que é boa pessoa.

Naquele momento senti algo muito semelhante à queda de pressão o que me fez procurar equilíbrio no balcão da cafeteria. Seria péssimo demais para ser verdade.


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Notas finais do capítulo

Próximo cap. semana q vem (: