Cicatriz escrita por tsubasataty


Capítulo 45
Capítulo 44




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 Eu notava meu corpo mudando ao longo dos meses, se adaptando para proteger a vida dentro dele. Eu já estava com quase nove meses e parecia que só agora a ansiedade e a compreensão ganhavam forma. Todas as manhãs eu me encarava em frente ao espelho, parando para analisar se havia algum detalhe novo; se o formato do meu rosto tinha ficado mais redondo, se meus seios tinham crescido mais, se teria que esperar muito ainda para ter meu filho nos braços. Eu já tinha pensado em nomes, se fosse menino, se chamaria Bruno, e se fosse menina, seria Luna. Por mais que preferisse descobrir na hora, eu secretamente queria uma filha.

  Já estávamos no fim de junho e super próximo das provas do final do trimestre e das férias – juntamente com o dia marcado para a cesariana. Eu tinha, literalmente, me acabado em estudar para conseguir notas boas agora, pois no próximo semestre eu teria algo mais urgente com o que me preocupar. É, a ansiedade de acabar logo esses nove meses estavam tomando conta de mim

  O quarto do bebê já estava praticamente pronto, e como ele tomara o lugar do quarto de estudos, foi este que levei para meu quarto, improvisando-o da maneira como deu. Algumas vezes eu passava horas naquele antigo lugar de estudos, olhava o berço, os móveis e até a mim mesma, imaginando o que faria parte dali em menos de um mês.

  No colégio, o surto de medo e receio tinha diminuído, mas não era por isso que tudo estava bem. Uma coisa que havia mudado era que algumas garotas da escola – que antes nunca haviam conversado comigo e nem o contrário – recentemente se aproximaram de mim, me enchendo de perguntas curiosas sobre a gravidez ou simplesmente de conversas descontraídas. Talvez um dia eu até fosse capaz de chamá-las de amigas.

  E os garotos, Murilo e Guilherme, não tinham feito nada depois daquilo. E eu esperava que continuassem assim até se esquecerem de vez de mim. O único receio que ainda me restava era causado pelos olhares que algumas vezes um ou outro lançavam para mim, como se estivessem observando cada movimento meu...

***

  

  No último dia de aula – que seria também o último dia de provas, foi um alívio terminar as questões de matemática, redação e inglês e ver que agora eu estava livre da escola, podendo passar as férias com a surpresa que me aguardava. Enquanto esperava do lado de fora da escola por minhas amigas, eu me mantinha escorada ao muro e encarava o movimento das nuvens no céu. Quando vi uma no formato de uma borboleta com uma asa só, alguém me cutucou no ombro. Reconheci o garoto do segundo ano pelo cabelo escuro e os óculos. Embora não soubesse seu nome, sabia que ele era um dos melhores jogadores de futebol da escola e tinha o apelido de Pipoca.

  -Só vim te avisar que suas amigas tão te esperando naquela sorveteria ali a um tempão – depois de guardar uma nota de dinheiro no bolso, ele apontou numa direção, num lugar que era após a praça à nossa frente e que eu conhecia onde ficava.

  -Tudo bem - falei, caminhando para atravessar a rua – Valeu por avisar.

  -Se divirta lá – ele murmurou, com um sorriso no canto do rosto.

  Não entendi aquele último gesto dele, no entanto, também não perguntei nada.

  A praça estava vazia e tranqüila, com as folhas das árvores formando um tapete no chão. Parecia um lugar romantizado, me fazendo lembrar daquelas pinturas antigas.

  Quando eu estava a uma rua da sorveteria, pensava em por que as garotas tinham mandado aquele cara do segundo ano só para me avisar. Lembrei-me novamente do pequeno sorriso dele e do dinheiro que guardava no rosto. Foi quando parei de repente, percebendo a armadilha idiota em que acabara de cair. Assim que me virei, já era tarde demais.

  Eles estavam atrás de mim. Os garotos andavam sincronizados, fazendo o menor barulho possível, por isso eu nem sequer havia notado a presença deles ali antes. Ambos me viram olhar para eles - descobrindo o plano deles - e sair correndo. Eu estaria perdida se não conseguisse fugir, porém, no meu atual estado físico e psicológico, despedaçando o que me restava da sorte, os dois chegaram até mim mais rápido que calculei e me cercaram dos dois lados. Como um inseto distraído, agora eu estava presa na teia deles. 

  Murilo aproximou-se até ficar há centímetros de mim.   

  -Voltamos – ele sussurrou no meu ouvido, envolvendo os braços firmes ao redor de mim.

  -Me solta! - gritei, tentando me soltar dele.

  Guilherme veio em seguida, segurando com uma das mãos meus pulsos e, com a outra, meu rosto. Eu sentia seu hálito quente quando ele movia os lábios.

  -Nós não nos esquecemos de você, Gabi - seus olhos vagaram em volta - Tudo isso não te parece familiar? As provas, a rua deserta, nós três e até a sorveteria. Ah, mas não pense que vai ser salva de novo, viu?

  -Tudinho planejado - Murilo abriu um sorriso macabro.

  Senti meu corpo desfalecer.

  Eu não era mais forte que os dois juntos, e do jeito que eu estava, não conseguiria correr para muito longe.

  -Vocês não vão fazer isso, não podem - minha voz tinha enfraquecido, perdido a cor.

  Os dois riram.

  -Não vamos, é? - eles se entreolharam e eu vi horrorizada o desejo nos olhos deles.

  Agitei mais uma vez os braços e tentei me soltar, mas foi aí que eles decidiram não perder mais tempo. No meu confuso cérebro, só quando me empurravam para a direita foi que notei a construção antiga ao nosso lado.

  -Nãoo! - finquei os pés no chão - Me soltem, por favor! Vocês não podem fazer isso. Eu... eu to grávida!

  O riso agora foi mais alto, estridente e debochado.

  -É isso que torna tudo mais divertido.


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