Sob uma espécie de mesa metálica, envolto com um cobertor azul escuro, estava o Eric. Aproximei-me dele. Seu rosto, a única parte visível, estava frio e em sua pele predominava um cinza sem vida. Com ódio e amargura, reparei numa mancha escura de sangue que começava no alto de sua cabeça e se estendia até alcançar sua orelha esquerda. Mais uma vez meus olhos se encheram de lágrimas, borrando a imagem dele à minha frente. Estendi a mão para acariciar seu rosto, só que meu corpo estava paralisado, com medo de sentir o frio de sua pele sob meu toque. Não suportei muito tempo olhar para aquele corpo abandonado, mesmo que também não pudesse desviar o olhar. 

  Quando o residente puxou minha cadeira de rodas para sairmos da sala, tentei protestar, no entanto minha voz saiu fraca, num sussurro rouco. Passamos novamente pelo elevador e o corredor das vozes. Assim que voltava ao meu quarto, vi numa sala de espera os pais da Laís abraçando-a e chorando junto dela. Não era somente eu que tinha me ferido. 

  Me deitaram novamente na cama e eu senti uma agulha gélida encostar no meu braço. 

  -Você vai descansar um pouco agora, ok, Gabriela? - o residente disse, não mais que num pedido. 

  Antes que pudesse impedi-lo, uma sensação leve chegou até mim, me abandonando na escuridão. 

  ***

   O enterro de Eric aconteceu na manhã seguinte. 

  Eu ainda não tinha alta do hospital mas meus pais me salvaram convencendo os médicos a não me privarem de estar ali. Com uma enfermeira me acompanhando e uma cadeira de rodas fingindo ser meus pés, fui ao funeral. Não consegui dizer nada durante todo o enterro e deixei outra vez que as lágrimas mostrassem as palavras que eu escondia só para mim. Os melhores momentos da minha vida foram com ele, a melhor parte de mim apareceu com ele. Por isso, sem conseguir observar seu corpo mais uma vez, levantei os olhos para o céu, a fim de encontrá-lo ali enquanto fechavam seu caixão. 

  Assim que uma chuva fina invadiu o cemitério, uma brisa leve envolveu o ar. Todos permaneceram por um minuto embaixo da chuva, saboreando aquele reconfortante toque que acariciava suas peles. Foi só quando a chuva aumentou que eles, um a um, retornaram a seus carros e voltaram à suas vidas, como se elas pudessem voltar ao normal. Já eu, não consegui fingir tão bem assim.