Condenados [Interativa] escrita por Star


Capítulo 2
"Eu nem lembrava que estava segurando um garfo"




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Capítulo I

Não existe justiça.

Não existe esperança.

A vida não passa de um maldito jogo, dividido entre aqueles que têm sorte e os condenados.

Não importa o que você faça, não importa o quanto você se esforce para ser gentil e bom.

Não importa se você tem um irmão pequeno te esperando em casa, que provavelmente vai chorar por horas depois de ver o seu rosto em um programa de televisão com uma estimativa de vida de cinco horas. Não importa se ele vai rezar a noite inteira o único pai-nosso que sabe para que você esteja bem. Não importa se ele e outros milhões de pessoas no mundo inteiro vão te assistir ser caçada como um animal.

Nada mais importa. Não tem nada, nada que eu possa fazer pra evitar.

Não é como se te interesse saber, mas eu sou Elizabeth Smith, e faço parte do grupo dos que vão morrer antes do amanhecer.

O camburão está balançando demais e o prato de comida frio desliza de um lado pro outro no banco comigo. A batata-frita e o melhor pedaço de carne que eu já vi em anos ainda parecem ótimos mas meu estômago está embrulhado demais para conseguir comer qualquer coisa. Consigo dizer que estou em estado de choque porque a psicóloga do presídio explicou uma vez como essa coisa funciona. Você fica meio fora do ar, desconectado do universo, e parece que tudo o que acontece ao redor é só um filme.

Eu me lembro da cena em que o homem estranho entra no presídio. Um clique alto ecoou por todos os corredores, então todas as portas estavam abertas. Ninguém era capaz de se mexer ou falar nada.

Aquele homem, ele fedia a carne podre e morte.

O homem estranho passava por todas as celas, arrastando sua bengala pelas grades, fazendo tac tac tac. A cada batida, meu corpo estremecia. Por Deus, como aquilo era irritante. Até que o barulho parou e eu levantei os olhos.

O homem estranho estava na minha cela.

Ele apontava um envelope para mim.

Ele tinha chifres.

Meu estômago dá outro resmungo enjoado quando me lembro daqueles olhos vermelhos e sem pupila e de como ele sorria para mim. Eu peguei o envelope. Ele dizia “Parabéns” e é como se fosse a maior piada do mundo. Parabéns, você foi escolhido para o Jogo. Parabéns, vamos caçar a sua bunda e enfiar um espeto na sua cabeça. Parabéns!

Se a doutora estivesse aqui, ela diria que estou tendo um ataque de pânico. Diria que estou perto de ter outro daqueles ataques de raiva e que uma boa pessoa deve ser capaz de controlar o seu próprio corpo. Mesmo que tudo pareça muito idiota, porque vou virar comida de demônio antes que o sol nasça de novo, eu respiro fundo e conto até dez.

O camburão para. Os quatro guardas que me trouxeram até aqui abrem a porta da traseira do carro forte e eu posso finalmente sair.

A primeira coisa que sinto é um vento abafado contra meu rosto. Tudo o que posso ver são quilômetros e quilômetros de areia. Definitivamente não estamos mais em Londres. Há uma cerca de cinquenta metros de altura mais à frente que some no horizonte fazendo um círculo gigantesco na paisagem ao redor. É A Gaiola. Dentro da cerca, um pouco distante, eu consigo ver prédios meio caídos.

Tento achar algum outro camburão com outros presos dos lados, mas eles devem ter parado muito longe porque tudo o que vejo é areia pura, quase branca, como as que tem nas praias. John adorava brincar na praia. Lembro que na primeira vez que o levei lá, ele saiu correndo eufórico gritando “farofa” e enfiou duas mãzinhas cheias de areia na boca. Nunca mais vou poder levar meu irmãozinho na praia e vê-lo correr atrás das ondas que voltam e fugir gritando sempre que uma quebrava. Nunca mais vou ouvi-lo gritar meu nome de noite, porque esqueci de deixar uma luz ligada.

Nada de John. Nunca mais.

Acho que um dos guardas percebe que estou chorando. Ele coloca a mão enluvada no meu ombro, e fala:

– Não se preocupe, boneca. – Os olhos dele parecem rir atrás da viseira de proteção. - Só fique quietinha e talvez eles acabem bem rápido com você.

É aí que eu perco o controle.

A coisa sobre ter um ataque de raiva é: você nunca tem certeza se está realmente fazendo aquilo até ser tarde demais.

Quando dou por mim, estou em cima do guarda. O capacete de proteção dele está caído do meu lado, com a viseira quebrada. Ele está se debatendo debaixo de mim e o garfo da minha última refeição intocada está enfiado dentro do seu pescoço.

– Quem deveria estar sendo caçado aqui é você, seu porco – eu rosno e enfio o garfo dentro do seu pescoço, sentindo a carne dele rasgar e a quentura do sangue ao jorrar para fora.

Vê, eu nem lembrava que estava segurando o garfo.

A mão de um guarda se fecha sobre a minha até deslocar o meu pulso e eu largo o garfo no chão de areia com um gemido de dor. Os outros três guardas me puxam pelos braços, pernas, cabelo, e finalmente conseguem me tirar de cima dele. Estou me debatendo como uma barata louca, mas eles não me soltam.

O guarda ferido levanta, segurando o pescoço para estancar o sangue.

– Desgraçada! Essa piranha me atacou! – ele grita, histérico. Vem pra cima de mim e fecho os olhos esperando a porrada, mas o que sinto é um puxão nos meus braços e um beliscão nos meus pulsos. De repente, estou algemada.

– Quero ver você se virar com isso lá dentro, piranha – O guarda rosna na minha cara e seu sangue ainda está escorrendo pelos dedos.

Os outros dois me empurram até a cerca, por mais que eu esperneie e me contorça. Eles abrem uma portinhola e me jogam para dentro de um cubículo cercado. O guarda cheio de sangue empurra os outros que tentam lhe ajudar e vai andando feito um bêbado até o camburão, me dando o dedo do meio pelo caminho. Todos os outros entram no carro e dão a partida e é quando finalmente meu estado de choque acaba e percebo que esta sou realmente eu, trancada, sozinha, e algemada, na porta da Gaiola, esperando que os jogos comecem para ser caçada e devorada.

– Não!! – Eu grito, me agarrando às grades, mas não consigo abrir a porta por onde entrei. – Voltem aqui! Eu sinto muito, eu vou ser boa, eu juro que posso ser boa! EU JURO!

O camburão manobra. Me dá as costas. Eles estão indo embora.

NÃO ME DEIXEM AQUI! – Grito para as dunas de areia, sacudindo a grade, e sei que é completamente inútil, mas já não consigo evitar. – NÃO DEIXEM O JOHN ME VER! Ele é... ELE É MUITO PEQUENO, ELE NÃO VAI ENTENDER!

O camburão sobe e desce na paisagem deserta e depois de algum tempo eles somem da minha visão. Eu choro de novo com a cara amassada contra a grade, porque me odeio por não conseguir me controlar como todas as outras pessoas, e peço em silêncio pra que minha mãe não deixe John assistir à televisão hoje.

Um zumbido vem das minhas costas e tenho a sensação de que não estou mais sozinha. Os pêlos do meu corpo arrepiam e tenho certeza de que quando me virar vou encontrar o homem estranho do presídio, com saliva pingando do seu sorriso demoníaco, os chifres cor de osso escapando do chapéu.

Devagar, me arrisco a olhar sobre meu ombro. Não tem ninguém atrás de mim. Na segunda porta de cerca que fecha meu cubículo, uma tela holográfica se espalha, com a as palavras “Receptando transmissão” flutuando no ar.

Mais alguns segundos de conexão e o rosto gordo e vermelho do presidente dos Estados Unidos surge na minha frente, como se estivéssemos cara-a-cara.

“Moças e rapazes, se não se importam, eu gostaria de um minuto da sua atenção”. O homem gordo diz, de mãos cruzadas na frente do peito e um grande sorriso educado no rosto. “Como muitos devem saber, eu sou Azazel, atual presidente dos Estados Unidos e responsável pela criação do Jogo Divino. Fico feliz em ser o primeiro a dar-lhes boas-vindas à nossa pequena e amigável competição.”

“Sempre gosto de recordar que o Jogo Divino trata-se de uma competição limpa entre duas raças a fim de estimular o convívio entre espécies. Nosso maior objetivo com este programa é estimular o contato inter-racial e, é claro, ajudar os culpados a se arrependerem e serem castigados por seus pecados.”

“Na minha opinião, os próximos dias de vocês, aqui, serão... interessantes, no mínimo. Talvez já tenham ouvido falar sobre nossas regras. Dez de vocês, ao todo, entrarão na Gaiola assim que essa mensagem chegar ao fim. A partir de então, considerem-se em território neutro. Nada do que fizerem ou disserem será julgado pela justiça dos homens nem poderá ser usado contra vocês em nenhum tribunal do mundo.”

“O Jogo Divino funciona de forma clara e objetiva: dez de vocês irão lutar até que reste apenas um ganhador. Matemática básica. Dez, menos um. Espero que todos estejam me acompanhando bem. A cada baixa que acontecer, vocês ouvirão um uma trombeta. Prestem atenção à contagem e assim saberão quando o fim do Jogo estiver perto.”

“Vocês irão ouvir o primeiro toque da trombeta hoje, ao anoitecer. Não precisam se preocupar, é apenas o toque que sinaliza a abertura de nossos portões para os seus outros competidores. Dez demônios cuidadosamente selecionados irão entrar na Gaiola, por estes mesmos portões em que vocês estão agora – talvez queiram ficar bem longe deles antes que o sol se ponha. Os demônios são participantes integrais do jogo e estão aqui para, principalmente, estimular a competição e garantir que os pecadores realmente se arrependam.”

“Gostaria de lhes lembrar que estão em uma área isolada. Mesmo que algum de vocês tenha a tola ideia de enfrentar a cerca elétrica, garanto-lhes que não há para onde fugir ou se esconder. A única área urbanizada desta região é esta cidade fantasma que podem ver à sua frente. Lá dentro estão prédios e casas abandonadas onde vocês encontrarão mantimentos, armas e algumas armadilhas, se tiverem muito azar.”

“Aquele que for coroado como vencedor do Jogo Divino receberá o exclusivo Perdão por todos os pecados já cometidos em terra e o grande Desejo, que, como alguns de vocês podem imaginar” o presidente sorriu, mostrando dentes grosseiramente afiados. “é um presente muito além do que todos vocês realmente merecem receber.”

“Para encerrar o meu discurso eu gostaria de avisar que todos os seus familiares foram devidamente avisados sobre sua participação em nossa pequena competição. Aqueles que pudemos localizar, pelo menos. Todos enviaram muitas bênçãos e lágrimas. Exceto os que ficaram felizes em se livrar de vez de vocês.”

“Lembrem-se que o mundo inteiro estará assistindo suas performances, então, deêm o melhor de si. Depois desses portões, o Jogo é um simples matar ou morrer. Façam o que fizerem, mas façam bem feito.”

O presidente abriu os braços teatralmente. A sua pele vermelha como sangue estava repuxada no rosto, com o sorriso anormalmente largo e cruel cruzando as bochechas gordas. No topo de sua cabeça, dois chifres pequenos brilhavam nos cantos da careca.

“Com isso eu os abençôo, meus filhos. Que nos livrem do mal. Amém.”

O presidente sumiu. Toda a cerca gigantesca ao meu redor pareceu produzir um zap elétrico e a segunda porta do cubículo se abriu para dentro da Gaiola.

Eu dou meus primeiros passos, vacilantes, para o chão de areia batida. Sinto meus olhos arderem de tanto chorar e meu pulso machucado está latejando dentro da algema.

Antes, eu costumava pensar que no dia em que abri o pescoço do meu pai eu deixei de ser uma apenas garota e me tornei uma assassina prisioneira do estado de Londres. Foi o que me disseram, pelo menos. Mas em todas as noites que passei sozinha, pensando se John já estaria na cama e ouvindo as presas ensandecidas gritarem e uivarem, descobri que estavam errados. Eu nunca fui uma assassina. Aquele era apenas um título errado que o Estado me deu por não conseguir entender o inferno que era minha vida e quão sem escolhas eu estava. Eu entendo isso hoje e consigo enxergar muito além. Sei que aqui dentro, não posso mais chorar. Não tenho mais espaço para ser fraca ou hesitar.

Eu preciso fazer isso, por John.

Pouco mais de cinco minutos depois, ouço o primeiro grito. É bem longo e doloroso, um grito de mulher. Não parece vir de muito longe de mim. Está tão cedo para isso acontecer, mas não me permito ficar impressionada. Junto minhas mãos algemadas ao corpo e corro o mais rápido que posso até os destroços da cidade abandonada.

Hoje, deixo de ser uma garota e me torno uma Condenada.

Elizabeth Smith


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Notas finais do capítulo

TCHARAAAAAAAAAAM
Esse capítulo foi principalmente para esclarecer detalhes sobre o Jogo. Não pretendo ser tão dramática assim conforme a história passar, podem ficar tranquilos auhsuhauhsuas
Em primeiro lugar, eu quero agradecer pela honra que todos vocês seus gostosos me deram de vir aqui ler minha tentativa de explorar meus pesadelos, seja por terem achado a fic espontâneamente ou pelo meu choramingar nas MPs! Recebi personagens maravilhosos e mais lindos que tudo na vida, o que é a coisa mais HORRÍVEL QUE PODERIA SER, COMO EU POSSO MATAR ESSAS PESSOAS? EU AMO TODO MUNDO MISERICORDIA SENHOR MEU DEUS DO CÉU ONDE EU FUI ME ENFIARRRRRRR
Não postarei aqui a lista dos personagens aprovados, mas vou falar com cada uma que os mandou.
As vagas estão fechadas, também! Estou pensando em talvez abri-las para os Demônios, mas não sei se vou ser capaz, porque vou acabar me apegando a eles também e no final o Jogo vai acabar sendo resolvido em batalhas de beyblade.

Ademais, essa é uma história inteiramente INTERATIVA, ou seja: VOCÊS escolhem o rumo que tudo vai tomar! Sim, eu seguirei a opção que tiver a maioria dos votos, e, em caso de empate, seguirei aquela que primeiro responder!
Escolham, para o próximo capítulo: Armadilha de Urso OU Parceria entre Assassinas? Podem votar!
Ah, e o que acharam da Elizabeth? Espero ter conseguido me manter fiel à descrição que recebi! Não posso dizer quando o próximo capítulo vai sair :c Mas logo, prometo. Juro. EU SOU UMA PESSOA MUITO ENTEDIADA, GENTE.
Ah, e cada capítulo será POV de um personagem diferente! Ou seja, em cada capítulo um personagem diferente estará em foco!

É só isso. Acho.
Livrai-nos do mal.
Amém.