A Mecânica Dos Anjos escrita por Misty


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Tenho sonhos solitários, estamos sozinhos e para sempre ficaremos sozinhos
Quem sou eu para dizer alguma coisa, apenas um perdedor nos jogos da vida
Pronto para lutar, me perder nas engrenagens enferrujadas que me prendem ao chão.


*George Pirip.

*Musica perfeita para entrar no clima:
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A carruagem me deixou de frente a uma rua sinuosa, um tanto curta de pedras disformes, cheia de prédios baixos parecidos antigos e grudados um nos outros. As cortinas cinzentas pendiam para fora de algumas janelas, deixando um ar abandonado em toda vizinhança esquálida, que de fato parecia solitária, mas de muito leve eu conseguia ouvir o barulho de algo, como um piano sendo tocado.

Caminhei em passos lentos, olhando atentamente para cada bloco sinistro, até que por fim, achei o que estava procurando. Ficava na esquina de um beco com casas brancas, de venezianas recém pintadas com trepadeiras subindo sobre o vidro. Uma porta de madeira, manchada e desbotada deixava uma placa a vista, estava torta e se levantando com a menor das brisas, mas as letras que um dia foram douradas ainda eram bem legíveis.

“ Charles Darlly, médico e cientista.

PS: Nas horas vagas também um ótimo taxidermista”

Na porta não havia campainha ou aldrava, apenas um olho mágico. Dei leves batidas, esperando algum vir abrir, mas o quem me recebeu foi apenas o silêncio. Larguei minha mala pesada nos degraus sujos e novamente bati, sentindo uma pontada de raiva picar em meu peito, sim eu não estava em um bom momento.

Estava completando 5 meses de que meus pais morreram em um incêndio que simplesmente destruiu nossa casa, nos subúrbios de aristocratas em Nova Orleans, meu irmão Tom, desde então está desaparecido e como sou menor de idade, simplesmente mandaram escolher entre ficar na America, jogada em um internato escuro, ou vir para Londres a procura do meu tio Charles, que até alguns dias nem sabia de sua existência. Agora imaginem isso tudo, multiplicado por uma viagem estressante.

Estava pronta para chutar a porta, quando lentamente um fresta se abre, não ao todo, mas que entendi como um convite. Enquanto me arrastava para dentro, um forte cheiro de umidade e ferrugem fez meu nariz coçar, pisquei algumas vezes, pegando foco do lugar onde estava e senti minhas sobrancelhas se levantarem.

Era um pátio de piso sujo e desgastado, o teto de madeira estava preenchido com cabeças de alces e elefantes, pregados por grossas correntes, enquanto se balançavam de forma perigosa no ar. Havia uma única janela, que estava emperrada, e o vidro coberta por uma grossa camada de sujeira impedindo a visão do mundo lá fora. Amontoado em um canto oposto, havia bugigangas e engrenagens, com folhas de projetos esquecidos espalhados pelo chão.

Agachei pegando um entre os dedos e vendo o nome “Dirigível a gás” rabiscado no canto superior, onde logo abaixo um desenho estranho e chamativo estava, tio Charles parecia também um ótimo inventor.

Deixei os papeis de lado e caminhei em direção a uma escada de aparência esquecida, ao lado havia uma grande caixa de metal, parecendo ser um elevador movido a uma alavanca, mas que estava vazio, assim como tudo nesse lugar.

– Olá! -gritei rodando sobre meus pés, encarando cada canto a procura de algum sinal de vida, mas nada havia. Coloquei as mãos na cintura, tendo a quase certeza de estar no lugar errado -Charles!

Ouve um grande barulho, como alguma coisa pesada se desenrolando, enquanto um chiado ardido queimava meus ouvidos. Fiz uma careta, observando o elevador descer lentamente, trazendo consigo uma sombra, que resmungava de forma irritada.

– Quem entra na minha casa assim e grita meu nome ao sete cantos do mundo! Certamente Robby, irei lhe despedir! -me afastei lentamente, enquanto o elevador parava e um homem surgia em meio a pouco luz do pátio. Usava com conjunto de couro bege gasto, e quando por fim me viu, ficou com um ar curioso -Você, quem é você e o que faz aqui?

Primeiramente vasculhei seu rosto a procura de algum sinal familiar, e devo dizer que fiquei um tanto desapontada e...surpresa. Charles tinha os cabelos espetados para cima, como se algo tivesse explodido em seu rosto, mas devo dizer que a coloração um tanto alaranjada era parecida com os meus próprios, os olhos cinzentos estavam brilhantes atrás dos aros grossos dos óculos dourados que usava. As sobrancelhas grossas e o bigode elegante lhe dava um ar inteligente, ele não parecia jovem, mas também não parecia velho. Sem contar seu braço esquerdo, que estava com as mangas erguidas e mostrava um braço robótico, com finos metais passando por dentro de uma mão escurecida, era lindo...era louco...então esse era Charles.

Pigarreei de forma nervosa.

– Sou Nora -ele apenas piscou, virando a cabeça em um ângulo estranho como se medindo de qual forma era a melhor para me chutar para fora, me apressei tentando dizer algo coerente -Sua sobrinha da America.

Tudo bem, talvez essa não fosse a coisa mais coerente, mas ele pareceu entender.

O mesmo arregalou os olhos, soltando no chão o tipo de bengala com a ponta metálica que trazia consigo e correu em minha direção, me pegando em um abraço apertado. Surpresa apenas fiquei parada. Ele cheirava a coisas antigas e metal.

– Pelos anjos! Nora, pensei que estivesse morta! -ele sorriu e naquele sorriso vi a imagem de minha mãe, era o tipo de sorriso que realçava os olhos. Charles tinha dentes incrivelmente brancos e um tanto lascados, e percebendo melhor seus olhos tinha um leve toque de loucura -Você se parece tanto com minha adorada irmã Lenore.

Engoli em seco, tentando esconder a dor da perda, solidão e tristeza.

– Obrigada, o Sr. também me lembra muito minha mãe.

Charles riu, enquanto levava a mão robótica até o rosto, era quase assustador ver todos aqueles dedinhos de metal.

– Claro...claro, mas sem as saias e babados...pensando bem todos diziam que somos iguais -ele andou em direção a janela suja, depois se virou novamente para mim -Éramos gêmeos, mas onde está meu jovem Tom?

Ele não sabia então, mas...bem, como de fato iria saber. Suspirei, enquanto me sentia um pouco atordoada.

– Ele está desaparecido, desde do enterro não o vi mais.

Charles enrugou o rosto, enquanto passava os braços sobre mim e me levava em direção a caixa de metal.

– Tudo bem, talvez ele precise de tempo, agora venha, você parece exausta -então no meio do caminho para subirmos até o elevador ele parou, olhando para minhas malas -Bem, Robby pode cuidar disso.

Fiz uma careta enquanto tentava não encarar seu braço, ele rapidamente girou a manivela, nos tirando do chão.

– O Sr. não mora sozinho certo? -perguntei, enquanto ele se virava para mim e ajeitava os óculos.

– Não, tenho minha governanta Fiona -então ele fez uma careta, como se tivesse pensando em algo e resmungou para si mesmo -Que de fato não sei porque ainda está aqui, já que faz um bom tempo que não a pago...dois anos talvez.

– Mas...e Robby? -nessa hora ele sorriu, enquanto erguia um dedo humano e normal para cima. Lentamente ergui meus olhos para o teto e soltei um grito, batendo minhas costas na caixa de metal -Mas o que é isso!?

Isso era uma aranha gigante, com pernas de ferro enormes grudadas no teto. Seus olhos eram vermelhos escarlate, eu conseguia ver um mecanismo girando no seu abdômen enferrujado, enquanto pelas narinas o...bicho exalava uma fumaça branca.

– Robby é como meu mascote e porteiro -Charles parecia orgulhoso, então fez um gesto com as mãos -Robby amigo, vá pegar as coisas de Nora que estão no andar de baixo.

A coisa fez um barulho alto, enquanto sumia por um buraco no canto inferior da caixa, deixando uma espessa fumaça onde esteve. Suspirei aliviada enquanto meu coração martelava de forma quase irregular em meu peito.

– O Sr. é quem fez isso? -perguntei curiosa, temendo existir mais dessas coisas por ai. Eu gostava de aranhas, sim, menos quando elas tinham o dobro do meu tamanho e eram feitas de ferro, e a última coisa que eu queria era topar com uma dessas no corredor.

O elevador parou e Charles pulou para fora, ele estendeu sua mão humana para mim, erguendo o braço robótico para que eu conseguisse uma visão melhor.

– Vê isso minha jovem, também criação minha, e sim há alguns amiguinhos do Robby por aqui.

Tentei parecer destemida o que eu acho que não deu certo, enquanto o seguia pelo corredor.

– Contanto que eu acorde no meio da noite e ao olhar para cima não veja algo como...aquilo, está tranquilo.

Ele parou, coçando o bigode com o braço robótico e me fazendo uma careta.

– Bem, acho que terei de achar outro lugar para Robby dormir.

Senti meus olhos se arregalarem, enquanto Charles gargalhava e sumia em meio ao corredor, na mesma hora me apressei atrás, temendo a volta de Robby e mais temendo ainda, olhar para o teto agora em diante.

Esse tempo com Charles parecia bem propícios a ataques cardíacos.


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Notas finais do capítulo

Então pessoal, espero que gostem. Comentários e críticas serão bem vindos.

*George Pirip é um escritor que eu inventei, pois ele irá aparecer bastante na história.