Antes De Morrer escrita por Alan


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, yay



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Quinn nem sequer bateu na porta, simplesmente entra e se joga em um dos cantos da cama. Olha para mim com um ar estranho, como se não esperasse me ver ali.
- O que é que você está fazendo? – pergunta.
- Por quê?
- Você não desça mais?
- Meu pai ligou pra você?
- Você está sentindo dor?
- Não.
Ela me lança um olhar desconfiado, depois se levanta e tira o casaco. Esta usando um vestido vermelho muito curto. O vestido combina com a bolsa que ela jogou no chão do meu quarto.
- Vai sair? – pergunto a ela. – Vai encontrar alguém?
Ela dá de ombros, vai até a janela e olha para o jardim lá embaixo. Traça um círculo no vidro com o dedo, então diz:
- Talvez você devesse tentar acreditar em Deus.
- Você acha?
- É, talvez todo mundo deva fazer isso. Toda a raça humana.
- Acho que não. Acho que talvez ele já tenha morrido.
Ela se vira para me encarar. Seu rosto é pálido como o inverno. Atrás de seu ombro, um avião avança, piscando pelo céu.
Ela pergunta:
- O que é isso que você escreveu na parede?
Não sei por que a deixo ler. Acho que quero que alguma coisa aconteça. Está escrito com tinta preta. Enquanto Quinn lê, todas as palavras se contorcem como aranhas. Ela lê várias vezes. Detesto a pena que ela é capaz de sentir se mim.
Ela fala bem baixinho.
- Não é propriamente uma ida à Disney, né?
- Eu por acaso disse que era?
- Achei que a ideia fosse essa.
- Não a minha.
- Eu acho que o seu pai está esperando que você peça um pônei, não um namorado.
É incrível, o som de nós dois rindo. Mesmo que doa, eu adoro. Rir com Quinn é sem dúvida uma das minhas coisas preferidas, porque sei que nós dois temos as mesmas imagens idiotas na cabeça. Tudo que ela precisa dizer é: “Quem sabe a solução é um haras de garanhões, então?”, e temos um ataque de riso.
Quinn pergunta:
- Você está chorando?
Não tenho certeza. Acho que sim. Eu pareço aquelas mulheres na televisão cuja família inteira foi assassinada. Pareço um bicho devorando o próprio pé. Tudo simplesmente vem ao mesmo tempo – os meus dedos parecem ossos e a minha pele está quase transparente.
Dentro do meu pulmão esquerdo, posso sentir as células multiplicando-se, empilhando-se, como cinzas enchendo um vaso devagar. Em breve não conseguirei mais respirar.
- Não tem problema se você estiver com medo – diz Quinn.
- Tem, sim.
- Claro que não tem. Nada que você sentir tem problema.
- Imagina só, Quinn... passar o tempo inteiro apavorado.
- Eu imagino.
Mas não. Como ela poderia imaginar isso quando tem a vida inteira pela frente? Torno a me esconder debaixo do chapéu, só um pouquinho, porque vou sentir saudades de respirar. E de conversar. E de janelas. Vou sentir saudades de bolo. E de peixes. Eu gosto de peixes. Gosto daquelas boquinhas abrindo, fechando, abrindo. E lá para onde eu vou não se pode levar nada. Quinn me vê enxugar as lágrimas com a ponta do edredom.
- Vamos fazer juntos – peço.
Ela parece espantada.
- Fazer o quê?
- Está espalhado em uma porção de pedacinhos de papel. Vou passar a limpo, e você me leva pra fazer.
- Te levar pra fazer o quê? Aquilo que você escreveu na parede?
- E outras coisas também, mas primeiro a do menino. Você já transou um monte de vezes, Quinn, e eu nunca nem beijei.
Vejo o impacto de minhas palavras sobre Quinn. Elas a atingem em algum lugar muito profundo.
- Não foi um monte de vezes – diz ela depois de algum tempo.
- Quinn, por favor. Mesmo se eu te implorar que não, mesmo se eu for horrível com você, você tem que me levar pra fazer essas coisas. Tenho uma lista imensa de coisas que quero fazer.
Quando ela diz que tudo bem, faz isso soar como se fosse fácil, como se eu tivesse pedido apenas para ela vir me visitar mais vezes.
- Sério?
- Eu disse que sim, não foi?
Pergunto-me se ela sabe em que está se metendo. Sento-me na cama e fico olhando ela revirar o fundo do meu armário. Acho que ela tem um
plano. É isso que Quinn tem de bom. Mas é melhor ela se apressar, porque estou começando a pensar em coisas como cenouras. E ar. E patos. E pereiras. Veludo e seda. Lagos. Vou sentir saudade de gelo. E do sofá. E da sala de estar. E de como Sam adora truques de mágica. E de coisas brancas – leite, neve, cisnes. Do fundo do armário, Quinn tira o vestido transpassado que papai lhe comprou no mês
passado. Ainda está com a etiqueta de preço.
- Vou pôr isto aqui – diz ela. Ela começou a desabotoar o
vestido.
- Você vai me levar pra sair?
- Hoje é sábado à noite, Kurt. Já ouviu falar nisso?
É claro. É claro que já. Faz horas que não fico na vertical. Sinto-me um pouco estranho quando o faço, meio vazio e etéreo. Quinn fica de calcinha e sutiã e me ajuda a pôr uma roupa. Está com o cheiro dela. O tecido é macio e cola no meu corpo.
- Por que você quer que eu use isto?
- De vez em quando, é bom sentir que você é outra pessoa.
- Outra pessoa tipo você?
Ela pensa na pergunta.
- Talvez. – responde. – Talvez outra pessoa tipo eu.
Quando me olho no espelho, é incrível como estou diferente – olhos grandes, perigoso. É empolgante, como se qualquer coisa fosse possível. Até os meus cabelos estão mais bonitos, estilosamente raspados em vez de apenas começando a despontar. Nós nos olhamos no espelho, lado a lado, e então ela me puxa pela mão e faz com que eu me sente na cama. Pega minha cestinha de maquiagem em cima da penteadeira e senta-se ao meu lado. Concentro-me no seu rosto enquanto ela passa base no dedo e espalha pelas minhas bochechas. Ela é muito branca e muito loura, e sua acne lhe dá uma aparência meio selvagem. Eu nunca tive uma espinha na vida. Questão de sorte. Tento imaginar a sensação de ser ela. Faço isso sempre, mas nunca consigo de fato imaginar como seria. Quando ela me faz ficar em pé de novo em frente ao espelho, estou brilhando. Um pouco como ela.
- Aonde você que ir? – pergunta.
Há vários lugares possíveis. O pub. Uma boate. Quero uma grande sala escura onde quase não seja possível se mexer, com corpos apinhados uns contra os outros. Quero escutar mil músicas tocadas incrivelmente alto. Quero dançar tão depressa que meus cabelos cresçam o suficiente para se arrastarem no chão. Quero que a minha voz soe estrondosa, mais alto do que a batida dos graves. Quero sentir tanto calor que tenha de mastigar gelo.
- Vamos dançar – digo. – Vamos arrumar uns meninos pra transar.
- Tá bom. – Quinn pega a bolsa e me guia para fora do quarto.
Papai sai da sala de estar e sobe a escada até a metade. Finge que estava indo ao banheiro e faz cara de espanto quando nos vê.
- Você levantou! – diz ele. – Que milagre! – E ele acena como a cabeça para Quinn, um gesto contrariado de respeito. – Como foi que você conseguiu?
Quinn sorri e olha para o chão.
- Ele só precisava de um pequeno incentivo.
- Que incentivo?
Apóio o peso do corpo em um dos quadris e o encaro bem nos olhos.
- Quinn vai me levar pra fazer pole dancing.
- Muito engraçado. – diz ele.
- Não, é sério.
Papai sacode a cabeça, afaga a barriga com uma das mãos. Sinto pena dele, porque ele não sabe o que fazer.
- Tá – digo. – A gente vai sair pra dançar.
Ele olha para o relógio, como se isso fosse lhe revelar alguma novidade.
- Eu cuido dele – diz Quinn. Parece tão fofa e sincera que quase acredito nela.
- Não – diz ele. – Ele tem que descansar. Na boate vai estar enfumaçado e barulhento.
- Se ele precisa descansar, por que você ligou para mim?
- Queria que você conversasse com ele, não que o levasse embora!
- Não se preocupe. – diz ela, rindo. – Eu o trago de volta.
Posso sentir toda a felicidade se esvaindo de mim, porque sei que papai tem razão. Se eu sair para dançar, terei de passar uma semana dormindo. Sempre que gasto energia demais, tenho de pagar por isso depois.
- Tudo bem – digo. – Não tem problema.
Quinn agarra meu braço e me puxa atrás dela escada abaixo.
- Estou com o carro da minha mãe – diz. – Trago ele de volta às três.
Meu pai diz que não, que às três é muito tarde; diz a ela para me trazer de volta à meia-noite.
Repete isso várias vezes enquanto Quinn pega meu casaco no armário do hall. Quando passamos pela porta da rua, grito um tchau, mas ele não responde. Quinn fecha a porta atrás de nós.
- Meia-noite está bom – digo a ela.
Ela se vira para mim no degrau da frente.
- Escuta aqui, garoto, se você quiser fazer isso direito, vai ter que aprender a desrespeitar as regras.
- Não me importo em voltar à meia-noite. Senão ele vai ficar preocupado.
- Que fique... não tem problema. Pra alguém como você não existem conseqüências!
Nunca pensei nesses termos antes.


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Notas finais do capítulo

E aí? :3