Encontrei Chery na entrada da faculdade trocando olhares com alguns garotos. Ela estava comendo um hambúrguer, e havia sujado sua boca de mostarda, e por mais impossível que pareça, ela conseguia fazer aquilo parecer sexy. Pelo menos para eles.

- Estava te procurando. Por onde você esteve? - disse, após um leve aceno com a cabeça.

- Por aí. - respondi - Quantas horas?

- Acho que duas e meia. - Jogou o resto do hambúrguer fora e piscou para os garotos.

- Ah, droga! - Alguns segundos se passaram até que as engrenagens do meu cérebro começassem a funcionar.- estamos atrasadas para a aula.

- Aula? - disse, franzindo as sobrancelhas - Ah sim, lembrei. Nósrealmentetemos que ir?

Não estranhei a incredulidade e o leve toque de deboche em sua voz. Aquela era uma frase que nunca teria saído da minha boca em outra situação, mas eu já havia decidido: faria o possível para sair daquele buraco o quando antes, e se isso envolvesse estudar, bem, então que seja, eu iria estudar.

Peguei sua mão e a puxei pelo campus até nossa sala, enquanto ignorava sua insatisfação. Quando chegamos a sala estava vazia, exceto por Emily, que estava sentada folheando seu caderno e cantarolando uma música distraidamente.

- Meninas! - sua voz não demonstrava nenhum sinal de ressentimento, e não estranhei. Emily não era do tipo que se lembrava das coisas por muito tempo. Um peixe dourado deveria ter uma memória melhor que a dela.

Chery se desvencilhou de mim e andou distraidamente até Emily. Mal se sentou e acendeu um cigarro, como se dissesse para o professor, que nem mesmo estava lá:e aí, vai fazer o que?

Me coloquei entre as duas, peguei o cigarro de Chery e o joguei fora.

- Você por acaso está louca? - perguntou, indignada.

Ri para mim mesma quando percebi que aquela era a terceira vez que alguém me perguntava isso, e o dia estava apenas começando.

- Alice, não me ignore. Você sabe que euodeioque fa... - ela parou de falar, com os olhos vidrados na porta, e uma expressão de surpresa se formou em seu rosto. Seu queixo quase caiu, antes que ela piscasse, como se para ter certeza do que estava vendo. -Uh la la.Esse aí é meu.

Apontou para um dos garotos que entravam na sala. Ele poderia ter 19 ou 21 anos. Era forte, mas sua altura disfarçava seus músculos, fazendo com que ele tivesse um corpo esguio. Seu cabelo era de um castanho nem tão claro nem tão escuro, e seu rosto era, bem...perfeito.E foi exatamente por isso que parei de encará-lo naquele momento. Ele era de Chery, e a menos que eu quisesse confusão era melhor me manter bem longe dele.

Essa era nossa principal - e única - regra. Não podíamos, em hipótese nenhuma, interferir nas caçadas uma das outras. Voltei então minha atenção para Chery, que se abanava e soltava suspiros divertidos. Ela juntou seus poucos cadernos, pegou sua bolsa e partiu para o ataque. Se sentou na única mesa vaga da sala, para onde o garoto se dirigia e abriu seu típico sorriso sedutor.

Durante a aula observei enquanto Chery conversava com ele, aparentemente encantada, sem deixar que ela percebesse meus olhares. Os dois pareciam velhos amigos, e preciso admitir que me senti um pouco incomodada. Talvez até mesmo com um pouco de ciúmes, mas eu sabia que aquilo não tinha sentido.

Parte do meu ressentimento momentâneo era causado pela impressão que eu tinha de que Chery sempre vencia. Eu me achava ridícula por me sentir assim em relação a uma das minhas melhores amigas, e irmã, mas não havia conseguido mudar isso. Era como se Chery sempre conseguisse o melhor e eu tivesse que ficar com os restos, e aquele garoto era mais um para sua vida de conquistas perfeitas. Ridículo, eu sei.

- Não aguento mais essa aula - Emily resmungou.

- Nem eu. Mas não reclame, vai ficar pior. Sempre fica. - fiquei em silêncio por alguns instantes. - Você sabe o nome dele? - apontei para o novo alvo de Chery.

- Samuel. - Emily era como uma enciclopédia em forma humana. Tirando a parte humana. Não importava qual fosse sua pergunta, ela sempre sabia a resposta. - E aquele ali do lado é o Daniel, que pra falar a verdade é bem bonitinho. - apoiou a cabeça em sua mão e o encarou.

Me virei para Samuel mais uma vez, e me surpreendi quando me dei conta de que ele estava me olhando. Sua expressão era divertida, como se meu rosto o fizesse se lembrar de uma piada. Uma piada muito boa, aliás, já que ele estava quase rindo alto, e balançava a cabeça. Não entendi o porque, e me senti tentada a jogar alguma coisa na cabeça dele. Coisa que pelo visto Chery estava morrendode vontade de fazer, já que olhava para nós dois como seprecisassematar alguém.

Voltei minha atenção para a aula, mas não pude deixar de me perguntar o por quê daquela reação de Samuel. Eu não o conhecia, e não era possível que meu cabelo estivesse tão bagunçado a ponto de fazer alguém gargalhar.

No final da aula, após se despedir de Samuel, Chery veio até mim.

- O que foi aquilo?

- Aquilo o que?

- Você sabe muito bem do que estou falando.

Revirei os olhos.

- Não faço ideia. Que tal você perguntar para o seu amiguinho?

- Acho desnecessário, mas vou repetir só para vocês não dizerem depois que eu não avisei. - estreitou o olhar para mim e Emily. - Ele é meu.

- Chery, não é por nada, mas você está parecendo uma psicopata. - disse Emily com um sorriso

Chery começou a rir e nos abraçou. Me senti quase sufocada pelo seu aperto, e tentei me soltar, mas ela não deixou.

- Estou apenas brincando. - não, ela não estava. - Vocês são minhas irmãs e eu nunca vou deixar nada atrapalhar isso.