Metamorfose escrita por Letícia Barbosa


Capítulo 6
Capítulo 6




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O sol já estava se pondo quando saí do prédio. Minha blusa roxa balançava com e vento, deixando minha pele a mostra, e me causando arrepios ocasionais. Andei um pouco até chegar ao bloco C, e escutei a música que vinha da festa antes mesmo de entrar no elevador. A porta estava fechada, e fiquei parada por alguns segundos enquanto alguém olhava pelo olho mágico.

A porta se abriu e me deparei com uma garota loira de olhos claros e uma expressão um pouco confiante demais. Ela me varreu com o olhar e piscou seus enormes cílios. Deu um sorriso de lado e se apoiou na porta.

– Acho que não me lembro do seu nome.

– Alice - respondi secamente, retribuindo o sorriso obviamente falso.

– Jake! - gritou, para alguém dentro do quarto. - Você conhece alguma Alice?

Não ouvi a resposta, mas vi um traço quase imperceptível de insatisfação passar pelo seu rosto. Ela ajeitou o cabelo antes de voltar a olhar para mim.

– Pode entrar. - e voltou para a festa sem esperar resposta.

Os dois pequenos cômodos estavam tão lotados que era difícil andar. As duas camas de solteiro, que ficavam em lados opostos do quarto, estavam completamente tomadas por adolescentes. No banheiro entravam pessoas com mãos vazias que voltavam com uma garrafa de bebida ou um cigarro. A música vinha da sacada, alcançando outros blocos e deixando bem claro para todos que lá as horas não existiam.

Acendi um cigarro e me juntei ao grupo que dançava no meio do quarto. Deixei meu corpo relaxar e me entreguei ao completo vazio que sempre tomava minha mente antes de uma caçada. A ausência de pensamentos sempre fora muito confortável pra mim, e acho que essa era uma das minhas poucas semelhanças com os humanos. Chery me disse uma vez que não pensar em nada era bom porque era a única maneira que existia de se ficar em paz, mas eu não concordo. Acho que isso está mais para uma escapatória de toda a merda que nos cerca. A vida é difícil, é errada, e cansativa, e tentar não se lembrar disso é a única maneira de se manter nela.

Peguei uma bebida com uma garota que dançava ao meu lado e fui com passos lentos em direção ao banheiro, atrás de qualquer coisa que pudesse ser interessante. Era difícil reconhecer as pessoas a minha volta com a pouca luz, mas minha atenção se prendeu a um casal ao lado da porta do banheiro. A loira que havia me recepcionado estava agarrada a um garoto que não consegui ver muito bem o rosto, já que ele estava ocupado demais tentando engoli-la. Uma ideia agradável tomou minha mente. Eu sabia muito bem como ensinar para ela um pouco sobre educação.

Me encostei na parede do outro lado da porta e esperei alguns instantes. Os dois param de se beijar para tomar um pouco de ar e então eu agi.

Andei em direção ao garoto, que estava sem camisa, e coloquei a mão em seu ombro. Ele se virou lentamente, e encarei seus olhos vazios com um pequeno sorriso. Coloquei meu cigarro em sua boca e o puxei para o centro do quarto, deliciada com a expressão de ódio da garota. Parecendo nem mesmo se lembrar do que havia deixado pra trás, ele colocou uma mão na minha cintura enquanto me observava.

Passei a mão pelos seus ombros lentamente, e depois pelo pescoço, sem tirar os olhos da loira enfurecida que havia vindo atrás de nós. Percebi que ela gritava apenas pelos movimentos de sua boca, e pelo seu rosto que ficava cada vez mais vermelho, já que era impossível ouvir qualquer coisa além da música.

Cheguei mais perto do garoto e beijei seu pescoço. O álcool fazia cada vez mais efeito sobre mim, deixando meu corpo leve e meus pensamentos mais lentos. Ele percebeu o que eu queria no mesmo momento, e deixando o cigarro de lado, me apertou contra seu peito e me beijou apressadamente. Percorreu a mão por baixo da minha blusa, como se me testasse, e me levou para fora dali.

Fomos até um pequeno vão entre o elevador e as escadas do prédio, coberto pela mais completa escuridão, e ele me encostou na parede.

– Sou Matheus, - disse ofegante, enquanto me beijava - e você é?

– Alice. - abracei-o ainda mais forte, e senti o formigamento familiar nas pontas dos meus dedos.

Me afastei da parede e coloquei-o contra ela.

– Então Matheus, você me deixa fazer qualquer coisa que eu quiser com você hoje?

–---

Um grito agudo cortou o ar, me tirando do transe.

Me virei para ver quem estava lá, e me deparei com os olhos mais assustados que já vira na vida. Ainda com os sentidos a flor da pele, retirei meu dedo do peito de Matheus, e deixei seu corpo tombar pesadamente no chão.

Levei alguns segundos para voltar a mim e reconhecer a loira da festa. Ela havia visto tudo. Alcancei-a antes mesmo que meu cérebro chegasse a conclusão óbvia de que ela não poderia continuar viva.

Ela estava paralisada pelo choque do que vira, e não reagiu quando a empurrei contra a parede. Sua respiração voltou ao normal, tanto quanto era possível naquela situação, e sua expressão vazia deu lugar a um olhar de puro terror. A adrenalina corria em minhas veias e senti minha consciência ser puxada para fora do meu corpo, assistindo a tudo como uma simples espectadora.

– O que - sua voz falhou. - o que você é?

– Sou a última coisa que você vai ver nessa vida - disse friamente. - posso te garantir.

Apertei-a contra a parede e pressionei seu pescoço.

– Você não deveria ter visto isso. - encarei o corpo de Matheus ao nosso lado e ela acompanhou meu olhar, soltando um pequeno gemido. - Mas vocês sempre fazem isso, não é mesmo? Sempre fazem as escolhas erradas.

Diminui a força contra seu corpo e deixei-a recuperando o ar por alguns instantes. Aos poucos retomei o controle sobre mim mesma e percebi que poderia ganhar algo com essa situação.

– Você não vai sair viva daqui, fui clara? - sua expressão não se alterou, ela sabia bem disso. - Então vou te dar duas opções. Você pode dizer que me deixa fazer o que eu quiser com você, e prometo que acabo com tudo rapidamente. Ou você pode fazer mais uma escolha errada e eu juro que terei o maior prazer em te causar o máximo de dor possível.

Vi algo se ascender em sua mente.

– Você precisa da minha permissão?

– Se eu fosse você não tentaria dar uma de espertinha. - sorri e passei minhas unhas pela sua bochecha, deixando para trás enormes feridas cobertas de sangue, e fazendo-a gritar.

Eu sabia que ela não aguentaria por muito tempo. Ela estaria negando sua própria natureza se não o fizesse. Os humanos são todos iguais, quando sabem que serão derrotados dizem adeus ao orgulho e se entregam ao caminho com menos perdas, seja ele qual for. São e sempre serão apenas insetos sem o mínimo de dignidade e amor próprio.

– Por favor, pare! - disse quando comecei a perfurar seu braço. - Eu deixo você fazer qualquer coisa que quiser comigo, e espero que você apodreça no inferno.

– Só se você me esperar por lá.

Perfurei seu coração quase sorrindo com o triunfo, e larguei-a ao lado do corpo de Matheus quando senti sua respiração cessar.

Agora eles tinham toda uma eternidade para ficarem juntos, e bem longe de mim. Já disse que minha bondade me surpreendia ás vezes?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do cap, e sério, MUITO obrigada a quem está acompanhando e pelos comentários, isso me deixa mt feliz ♥
Qualquer dúvida ou sugestão é só falar.
Até o capítulo 7 (: