Moody: Uma História a ser conhecida escrita por Emanuel Antunes


Capítulo 1
O fim da Guerra




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LIVERPOOL, 13 de Maio de 1940.

O povo estava morrendo. Já era o quinquagésimo bombardeio em menos de quatro anos. Os países do eixo chocavam-se ainda mais com os aliados, e consequentemente os civis tombavam sem nem ter oportunidade de implorar por misericórdia. O cenário de destruição era cinematográfico. Centenas de pessoas corriam desesperadas nas ruas elegantes de Liverpool (ruas essas, que estavam perdendo seu brilho graças as retaliações). No meio de tudo isso, poucas coisas saíram ilesas... uma delas é o protagonista dessa história.

Elizabeth era carregada pelo marido em meio a gritos e mortes. O seu bebê estaria em instantes vendo a luz do dia.

– Robert... quanto tempo mais? – As contrações alertavam...chegou a hora. – Ele está vindo!

– Calma, temos que encontrar um lugar seguro – Uma tremenda ironia o que . “Encontrar um lugar seguro...” Como se encontra um lugar seguro em meio ao caos?

– É aqui! Vamos! – O marido levou Elizabeth até um grandioso prédio. Naquela época o povo denominava-o de Royal Liver Building. Era uma obra recém-inaugurada. O edifício mais alto de toda Liverpool. No topo do mesmo, estavam dois magníficos pássaros, conhecidos como Liverbirds. Rezava a lenda que os liverbirds vigiavam todo o território de Liverpool tanto na terra quanto no mar. Eram o símbolo da liberdade e superioridade da cidade...

O homem de cabelo loiro adentrou no recinto com o desespero evidente em seu semblante. Seu filho estava prestes a nascer... ele precisava arrumar um lugar seguro. A mulher em seus braços gritava, a cada instante mais alto eram seus gritos. Crianças, homens e senhoras lotavam o imenso salão principal. Todas chorando. A cada explosão lá fora, os gritos no interior do edifício tomavam proporção maior. Maridos abraçavam suas mulheres. Mães abraçavam seus filhos. Adolescentes se apegavam ainda mais as suas namoradas. A guerra produz esse efeito.

Robert caminhou até um canto sem tantas pessoas. Foi difícil encontrar um lugar assim dentro do Royal Liver, pois desde que começou a segunda guerra àquele era o espaço onde toda a cidade se refugiava (e por incrível que pareça, era o único que nunca havia caído). Enquanto os aviões alemães bombardeavam Liverpool, o primeiro ministro Inglês, Winston Churchill, discursava em parlamento londrino. Prometia vencer a guerra e exalava em plenos pulmões: “Esta Câmara saúda a formação de um governo que representa a vontade única e inflexível da Nação de prosseguir a Guerra com a Alemanha até uma conclusão vitoriosa.” É ai que vemos a diferença entre ser povo e líder... pois na maioria das vezes o líder não sofre junto com sua população. Churchill estaria sentado em uma confortável poltrona no parlamento, enquanto pessoas como Elizabeth e Robert tentavam arrumar um modo de trazer a vida para seu filho.

Em Liverpool o bombardeio não cessava. As estruturas do Royal tremiam. A bolsa já havia estourado e Elizabeth gritava desesperada.

– É só ter calma... vamos conseguir. – Com uma atitude impensada o homem chamou a atenção de todos do prédio. Tirou de dentro de suas vestes uma espécie de graveto... ou melhor, era um graveto bem modelado e com uma forma bonita. Em sua base encontrava-se esculpido linhas finas. No dorso de madeira pura a palavra "proelium" mantinha-se entalhada. No latim e em sua superficialidade significava "lute". Com um movimento brusco a varinha tocou sua garganta e com a voz abanhada de apelo, gritou: SONORUS!

Como se fosse magia, o povo inteiro calou-se. Os bombardeios lá fora deixaram de ser o centro das atenções. Robert manteve a varinha colada ao pescoço e continuou falando:

– Minha mulher está entrando em trabalhando de parto – gritou ele – Alguém aqui tem experiência com esse tipo de coisa? – Ninguém respondeu. Todos os olhares estavam vidrados no homem com uma varinha que tornou sua voz a mais alta em toda a Europa. Os trouxas nunca irão entender como eu fiz isso, pensou Robert, até que...

– Eu posso ajudar – gritou uma senhora baixinha que quase não aparecia no meio daquele furdunço todo. A velha aparentava ter lá seus sessenta anos, não dava para definir. – Onde está sua mulher? – Robert escutou a voz mais caridosa que pode imaginar. Com um xale enrolado no pescoço e um vestido estampado com grandes rosas, a mulher encaminhou-se para ele. Ao chegar do seu lado ela pediu para que abaixa-se, ele obedeceu, e a velhota falou em seu ouvido: Não se preocupe. Eu sou uma de vocês! – sorriu enquanto dizia isso – Agora diga-me! Onde está sua esposa?

– Ali! Ela está ali! – Robert apontou para um pequeno grupo isolado. Ele havia deixado-a com algumas pessoas solidárias que se dispuseram a ficar vigiando-a. - Elizabeth! Consegui ajuda!

– Robert! Ele está vindo – Sussurrou a mulher

Lágrimas escorriam pelo rosto do homem. As pessoas deram espaço para que a idosa pudesse exercer seu trabalho. A mesma disse o que iria precisar para executar o parto. Homens e mulheres saíram correndo atrás do material, e por milagre eles chegaram.

– Filha... é só ter calma! – A Idosa segurava as mãos geladas de Elizabeth. Lá fora o barulho era ensurdecedor. As bombas continuavam a cair no solo inglês. – Tudo vai dar certo. Você ama a criança que está prestes a nascer?

– É claro...ai...é claro que o amo. Ele é o meu filho- As fisgadas ficavam cada vez mais fortes. E de súbito, uma dor que ela nunca sentira apossou-se de seu corpo. Algo queria sair. A velha fixou seus olhos no de Elizabeth. E as duas souberam que tinha chegado o momento.

Vinte minutos depois a idosa já cortava o cordão umbilical e um lindo bebê de olhos azuis chorava nos braços da mãe. A enxurrada de explosivos já havia acabado e poucas pessoas ainda permaneciam no interior do Royal Liver Building. Muitos saíram espantados com o fato de um homem colocar um graveto no pescoço e deixar sua voz com o volume de uma alto falante. Já outros saíram com medo dos bombardeios, pois a qualquer momento eles poderiam voltar. Na rua o cheiro da morte era evidente.

– Obrigado por tudo, minha senhora. O que faço para lhe pagar minha dívida? – A velha fitou o homem de no máximo vinte e cinco anos com certa cautela e então falou:

– Você não me deve nada – No rosto da mulher surgiu um sorriso materno que confirmou o que ela havia dito, até que... – Mas... pensando bem... Você pode me conceder uma coisa?

– Claro que sim! – Robert pensou que ela iria pedir dinheiro ou qualquer outro bem material. O que seria uma perca de tempo, pois naquele momento, graças aos Alemães ele não teria mais casa, e muito menos dinheiro.

– Você me concederia sua permissão para que futuramente essa história estivesse em um livro? – Robert não entendeu.

– Mas, como assim? A senhora deseja colocar essa breve história em um livro? – A velha balançou a cabeça positivamente. Para o homem que já estava confuso esse sinal de positivo foi ainda pior. A idosa compreendeu e explicou:

– Meu filho, existem coisas que por mais que pareçam pequenas, podem uma dia, se transformar em grandiosos contos. Observe essa linda criança – O dedo trêmulo da pequena mulher foi em direção ao bebê – Você não sabe se um dia ele será um grande homem ou apenas mais um ser de passagem nesse planeta.

– Então está certo. – Robert disse isso com um sorriso imenso no rosto – Pode contar essa história quando quiser e onde desejar. - A mulher retribuiu o sorriso e desejou boa sorte a nova família.

– Vou indo crianças. Acho que a guerra não destruiu meu lar. – A velhota deu as costas e caminhou em direção à porta de saída do Royal Liver Building. Mas Robert ainda tinha uma última pergunta...

– Senhora! Qual o seu nome? – Ela virou-se para ele e respondeu.

– Batilda. Batilda Bagshot! – Os olhos castanhos de Batilda fitaram a pequena família pela última vez naquele dia. Ela continuou sua caminhada e sumiu nas ruas de Liverpool. Robert conseguiu uma cadeira de rodas para colocar sua mulher e assim eles partiram para casa... se é que a casa deles ainda existia.

O caos lá fora deixava Elizabeth e seu marido com vontade de morar para sempre no Royal Liver Building. Aquele lugar luxuoso que sempre fora o refúgio da sociedade em tempo de guerra não ficava aberto para todos em tempos convencionais. O casal e seu filho recém-nascido saíram do prédio temendo o pior. Na rua existiam mais entulhos do que pessoas. De poucos em poucos metros o cheiro de cadáveres era proliferado e os mesmos eram encontrados pelos olhos atenciosos. O Royal Liver posicionava-se no extremo oeste da cidade. De um lado podia observa-se o Estuário de Mersey, onde anos atrás partia o lendário Titanic. Se observarmos do lado leste veríamos a imensidão do condado de Merseyside.

Empurrando uma cadeira de rodas e tentando desviar ao máximo o seu olhar das pessoas mortas que configuravam Liverpool naquele momento, Robert agradecia aos céus pelo nascimento de seu filho e beijava a cabeça de sua mulher em um intervalo de minutos quase ritmado. Eles haviam sobrevivido e seu bebê estava a salvo. Foram quase quarenta minutos de caminhada para Robert. No meio dos destroços ele fazia de tudo para fugir das pedras espalhadas no chão. Seu querido filho adormecia nos braços da mãe, e a mulher, com uma expressão de imensa alegria no rosto cantava uma canção de ninar. Os jovens chegaram na fronteira de Liverpool com Edge Hill. Por um milagre a casa deles permanecia intacta. Hitler e sua sede de vingança não conseguiram destruir um lar como aquele.

– Que dia, meu amor, que dia! – Disse Robert já dentro de seu quarto olhando fixamente para a mulher – Nós conseguimos!

– É... Nós conseguimos – Elizabeth retribuiu o sorriso de Robert com um beijo. A família agora estaria completa – Ele não é lindo? – O marido olhou sorridente para seu filho. O primeiro deles. A criança tinha olhos azuis e nenhum sinal de cabelo. Como se aquilo tudo já tivesse sido ensaiado, o bebê abriu o olho direito e sorriu. Um sorriso sem preço. Uma nova vida havia chegado na terra. Nos traços do rosto do pequeno garoto já poderíamos ver a força e fibra moral presentes em seu íntimo. Ele tinha sido enviado para lutar. Enviado para nunca desistir. O mundo conheceria seu nome. Um herói. Um mártir. Uma criança que nasceu em meio à guerra e que futuramente venceria outra, só que bem diferente dessa.

Enquanto um nascia, outros morriam. Como já dizia Leonardo Da Vinci: “A morte de um homem... abre uma porta para outro.” Naquele dia a criança e seus pais dormiram tranquilamente. A guerra poderia ter destruído suas vidas, mas tudo é planejado em seu devido tempo e espaço. Certas pessoas tem um destino traçado para serem grandes, desde o nascimento até a “morte”. Entre muitos, ele fora escolhido. Só cabia agora a ele decidir qual caminho iria seguir.

. . .

Ele fitava a sua boca, como quem está prestes a tacar um beijo. Era esse o objetivo. A garota retribuía o gesto. Aquela manhã linda de sol reservava muitas coisas. A árvore a qual os jovens estavam debaixo tinha quase quatrocentos anos. Ela já havia visto bastantes beijos e abraços. Algumas gaivotas passaram em silêncio sobre a copa do grandioso salgueiro. O rapaz passou sua mão direita por trás da cabeça da garota que se posicionava em sua frente, até tocar em sua nuca. A mão esquerda segurava a cintura da moça, do modo mais delicado que possa existir. Ele esperou tanto por esse momento. Sonhou mil e uma noites com aquilo. O amor de infância que tornou-se adolescente. A mulher que ele desejava passar os restos de seus dias terrenos estava bem ali. Os corpos foram aproximando-se. A cada segundo eles ficavam mais juntos. Os olhos se encontraram. A imensidão azul dos olhos dele misturou-se com o verde místico dos olhos dela. A orelha dele esquentava a cada segundo. O corpo dela parecia querer jogar-se nos seus braços. O sol brilhou mais forte lá em cima e a magia aconteceu. As cabeças estavam agora mais perto do que nunca. Os lábios tocaram-se. Poucos segundos de felicidade. Poucos segundos de alegria. O momento havia chegado. Ele tinha conseguido. Os dois permaneceram entrelaçados por pouquíssimo tempo. E como um balde de água fria, surgiu uma voz não muito distante.

– Frederick! Frederick ! – Gritava a mulher com um tom bravo. – Onde você se meteu? – O adolescente largou a amada como que desgruda de uma corrente elétrica.

– Corra! Corra Rebecca! Ela não pode nos ver aqui! – A garota despediu-se dele pelo olhar. Correu bosque adentro, deixando Frederick sozinho embaixo do Salgueiro.

Uma mulher de cabelos castanhos e pele branca subia a encosta do pequeno morro. Ela parecia revoltada.

– Garoto, o que você está fazen... Já sei! – a mãe preconceituosa de Frederick não deixaria escapar a chance de falar mal dos “sangues ruins”. – Você estava com aquela garota trouxa aqui não foi? Aquela sangue podre...

– Não se dirija a Rebecca desse jeito! – Ele tinha no máximo um metro e setenta. Mas quando ficava ao lado da mãe aparentava ter mais. – Ela é igual a senhora. Não vejo diferença entre nós.

– Faça-me o favor Fredy! Não vou discutir isso com você mais! – Ela deu as costas para ele e partiu decidida, até que... – Que é que você está esperando? Vamos! O almoço já está pronto. – O garoto permaneceu ao lado do salgueiro. – Vamos Frederick!

– Não me chame de Frederick! Não atendo por esse nome tosco que vocês arrumaram para mim! – Um sorriso irônico surgiu no rosto de Elizabeth.

– E como devo chamar a vossa senhoria? – O sarcasmo é o que mais irrita as pessoas.

– Já disse! Meu nome é Alastor! Alastor Moody! – Elizabeth deu uma gargalhada imensa e prosseguiu sua caminhada.

– Vamos, senhor Moody. Ou você vai querer perder o almoço? – Moody acompanhou sua mãe até em casa. A refeição não foi tão agradável como os outros. O irmão mais novo de Alastor o irritou o máximo possível. Seu pai estava um pouco adoentado e sua mãe demonstrava uma alegria que dava medo. Mas isso não importava. Depois do que aconteceu na sombra do Salgueiro naquela manhã, tudo mudou. Ele aprendeu a amar de verdade. Rebecca era agora a razão de não querer voltar para Hogwarts. O pequeno bebê havia crescido e seus quinze anos traziam não apenas um pouco de experiência, mas também planos futuros. Planos esses que não poderiam ser realizados tão facilmente.


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