A praga escrita por BubblesChan


Capítulo 4
Sonho ruim


Notas iniciais do capítulo

Estamos de volta, depois do nosso "quase hiatus". Nos desculpem a demora...
Tenham uma ótima leitura.



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Hoje é sábado. O dia em que todos voltam para suas casas, para matar a saudade de suas famílias e amigos. Todos exceto eu. Queria ter um lugar assim para voltar, mas meu único familiar próximo é meu pai, e ele não se preocupou em desmarcar sua viagem para ficar comigo. Queria saber o que eu significo pra ele...

Nesse momento estou observando o teto do quarto, pensando em como essa semana foi diferente de tudo que já vivi. As poucas pessoas que conheci e as experiências pelas quais passei, tudo muito rápido e intenso.

A coisa mais impactante para mim deve-se à Regina, com seu comportamento bastante amedrontador. O tal “nojo de tudo” que Nicole relatou que ela sente me parece muito mais um problema psicológico do que algum complexo de superioridade. Ou, possivelmente, as duas coisas. De qualquer maneira, não sei se podemos no dar bem devido a o que aconteceu na sala, a antipatia automática dela comigo não iria ajudar em muita coisa.

Agradeço por ter conseguido a companhia de Nicole durante esse tempo. Apesar de todo o estresse que eu tenho sentido, ela sempre está lá, com sua personalidade única e jeito despreocupado que me faz pensar em tudo de outro modo. Nicole vê as coisas de um jeito fácil, nada lhe parece muito complicado muito. Nada fica fora de controle. É ótimo ter alguém assim ao seu lado, principalmente quando tudo parece desmoronar. Sinto que a cada dia reforçamos mais esse laço de amizade, o que tem se tornado algo extremamente essencial por aqui.

Depois da confusão com Regina e Nicole... Marina, minha fã perversa, pareceu querer despedaçar minha pouca alegria restante ao lembrar-me da parte sombria da minha vida. E ela foi vitoriosa. Não lembro exatamente do pesadelo que tive noite passada, mas eu segurava a mão de uma mulher, e ela aos poucos foi arrastada para longe de mim, deixando-me a mercê de pessoas sem rosto. Tenho quase certeza que era minha mãe, e não é que eu queira pensar nela, mas lembrar que não a tenho comigo faz abrir um buraco em meu peito, um buraco que essas pessoas sem rosto, como meu pai, não são capazes de preencher.

Já escuto a movimentação no corredor, passos ligeiros. Algumas meninas parecem desesperadas para sair desse confinamento colossal. Enquanto isso Nicole dorme profundamente, sem hora pra despertar, despreocupada como sempre. Ela não me contou sobre sua família, mas imagino que alguém venha lhe buscar por agora, isso se ela largar sua preciosa cama.

Enquanto eu a observava dormir, alguém bateu na porta.

— Pode entrar. — Falei em um tom mais alto, puxando minhas cobertas até a altura de meus ombros.

— Ah, bom dia, Anitta. — O rosto de padre Alberto surgiu na pequena fresta da porta aberta. Sempre muito simpático e sorridente. — Desculpe o incômodo.

— Não é incômodo nenhum, senhor.

— Não vai se vestir? As meninas costumam sair sempre antes do meio-dia.

— Acho que terei de ficar aqui durante o fim de semana, padre. — Ele suavizou sua expressão, como se me questionasse. — Meu pai não estará em casa, e sim viajando. Me sentiria melhor se eu pudesse ficar em um lugar menos...

— Solitário? — Concordei. — Entendo, Anitta. Poderá ficar aqui sempre que quiser, certo? Mesmo que ainda não pareça, aqui é seu segundo lar.

— Eu sei. Obrigada por me acolher, senhor. — Ele acenou com a cabeça, virando-a na direção da cama de Nicole.

— Espero que não se importe em acordar a senhorita dorminhoca, os pais dela costumam ser bastante pontuais.

— Tentarei. — Ri de leve, vendo a porta se fechar novamente.

Bom, acho que meu dever agora é acordar Nicole, mesmo que para isso eu deva ser um pouco... Malvada. Levantei da cama puxando lentamente seu edredom, mas a esperta dorme enrolada como se um fosse uma larva dentro de um casulo. Cutuquei seu braço, chacoalhando-a um pouco até que ela simplesmente sentou na cama, como se acordasse de um terrível pesadelo.

— Tudo bem? — Perguntei sentando ao seu lado. — Sonho ruim?

— É, acho que sim. — Seu pijama estava molhado em suor. — Não muito bom.

— Quer compartilhar?

— Não tenho certeza se lembro, só sei que eu corri bastante.

— Uma atleta, você? — Sorri e ela relaxou seu rosto desesperado. — Não faz seu estilo.

— Posso ser bem rápida quando quero, inclusive acho que serei rápida agora, sabe que horas são? — Ela riu.

— Meio tarde...

Esperei Nicole vagarosamente trocar de roupa e depois corremos até a saída, por onde entrei há quase uma semana. O tempo acinzentado não parece incomodar ninguém, sinto que nunca me acostumarei com os raros dias de sol. Posso dizer que sinto falta de luz nessa escola, tudo é tão escuro e sombrio. Acenei de longe assistindo Nicole partir em um carro de vidros escuros. Apesar de ter dito ao padre que aqui é menos solitário, minutos sem minha colega de quarto parecem longos dias sem sol.

Voltei para dentro, me deixando apreciar o silêncio intenso que se formou. Até minha respiração parecia ecoar pelos corredores. Nicole tinha sido a última a sair. Só restava eu, os funcionários, as irmãs e padre Alberto. A ideia de ter uma escola inteira aberta unicamente para mim podia parecer até um pouco divertido, mas algo não me deixava pensar assim. Como já disse, eu não estava sozinha lá, apesar de ser a única aluna por ali. Estranho pensar que eu pudesse estar sentindo falta até mesmo das meninas que eu não conhecia, me acostumei com a presença de todas neste vasto lugar, mas, agora que elas se foram, ele me parece muito mais sombrio do que antes.

Passeei pelos corredores vazios, me atentando ainda mais àquela decoração avermelhada em torno das paredes, até chegar ao lado de fora. O pátio era muito grande, mas uma parte dele ainda era desconhecida para mim. Conforme as lajotas de pedra do chão davam lugar a uma grama fina e macia, eu ia descobrindo um lugar novo. Parecia ser um jardim, tudo era muito bem podado. A falta do sol deixava as folhas acinzentadas, mas isso não lhes tirava o brilho. Dentre os arbustos pequenos, algo me chamou a atenção. Me aproximei ainda mais, enxergando uma espécie de poço que aparentava ser bastante antigo. Minha curiosidade falou mais alto, apoiei meus braços na beira firme de concreto e estiquei meu pescoço, tentando ver o quão fundo era aquela escuridão.

— Eu não faria isso.

Uma velha senhora de longos cabelos brancos e lisos caminhava pelas lajotas vindo em minha direção. Cancelei meu ato aparentemente imprudente e encostei-me ao poço, esperando que seus vagarosos passos chegassem até mim. Seus olhos eram de um azul cristalino, que dava vida ao rosto envelhecido. Percebi que diferente das outras freiras, sua batina era de um bordo vívido, com detalhes em branco como o das outras.

— Desculpe-me.


— Não é a mim que deve pedir desculpas, peça a si mesma. — Ela contornou o poço olhando para o buraco escuro. — Você poderia ter alimentado a escuridão mesmo sem desejar sacia-la.

— Não acho que iria cair, apenas quis olha-lo mais de perto. — Tentei não ser rude, mas responder algo que nem ao menos foi uma pergunta, sempre soa mal.

— Jovens tem o estranho sentimento de descoberta, se não fossem por seus instintos curiosos, muitos deles ainda viveriam.

— Eu compreendo o que a senhora está dizendo, mas...

A voz aguda de Padre Alberto interrompeu mais uma vez o que seria uma “resposta rude”. Meu inconsciente agradeceu por isso. Seus passos ligeiros rapidamente chegaram até nós, respirando profundamente na tentativa de estabilizar seu corpo.

— Madre, a senhora não deveria andar por aí sozinha. — O tom de voz desesperado.

— Eu estava com a srtª Couch. — Respondeu ela atirando os olhos para mim, esperando que eu confirmasse sua mentira.

— Ela estava comigo, fique tranquilo padre. — Demorei alguns segundos até perceber que quem estava diante de mim era a Madre Superiora, a quem eu deveria respeitar devidamente e não contrariar de forma alguma.

— De qualquer jeito, temos que ir agora. — Disse ele com reprovação. — Obrigado por cuidar dela durante esse período de distração minha, srtª Couch.

— Tome cuidado jovem menina, o mau tenta a qualquer preço nos atrair, mantenha-o longe e ficará bem.

— Foi um prazer. — Sorri enquanto um arrepio percorreu meu corpo. — Ficarei bem Madre, não se preocupe.

Assim que os dois saíram, pude sentir a energia concentrada no local se dissipar. Meu encontro inesperado com a Madre Superiora me deixou com muitas perguntas, mas eu não tinha certeza se deveria buscar por respostas depois do primeiro contato. Algo nela me intrigava, mas também afrontava. Retornei para dentro da escola quando as nuvens esconderam o sol, voltando a vagar pelos cômodos.

O prédio parecia crescer mais e mais na medida em que eu o explorava. Me dirigi até o gigantesco corredor principal, onde cada porta era uma sala de aula. As paredes completamente lisas, uma delas ocupada pelo quadro de avisos. Pude finalmente escutar o ranger das tábuas do chão de madeira, em meio a todo o silêncio. Após algum tempo de quietude, fui em direção ao bebedouro no final do corredor. No meio do caminho, escutei uma das portas bater, o que me fez girar nos calcanhares. Meus olhos cresceram ao enxergar aquela silhueta familiar, minha mente parecia estar me pregando mais uma de suas peças.

Segui por entre os infinitos corredores, tentando alcançar aquela figura que cada vez movimentava-se com mais pressa. Aumentei minha velocidade, agora realmente correndo desesperada atrás do meu alvo. Eu estava cada vez mais perto, meus olhos espertos nos rápidos momentos em que podia analisar sua fisionomia. Quando voltei a mim, estava deitada no chão gélido e áspero, mergulhada em uma rasa poça de água. Tudo que lembrava era de um raio escuro que cegou meus olhos, provavelmente culpa do chão molhado escorregadio, em seguida de um olhar que me observava de cima, meramente preocupado se eu estava viva ou não... Os olhos de Regina desapareceram quando fechei os meus.

— Você está bem? — Perguntou uma voz que me erguia, despertando-me.

— Não muito. — Respondi suspensa por seus braços.

— Vou leva-la a enfermaria.

— Não precisa, vou ficar bem se chegar a meu quarto.

— Quer que eu a leve? — Seu sorriso era doce e acolhedor.

Eu sentia cada passo dele, eram como pequenos tremores. Meu corpo estava frio, gotas de água escorriam do meu cabelo deslizando por meu rosto. Eu provavelmente não sabia o que estava acontecendo, deixar-me ser carregada por um estranho com certeza não estava nas normas da família Couch. Mas ainda assim... Meus cotovelos ardiam em conjunto com uma dor intensa na nuca e nas costas, devido à situação em que me encontrava, a queda foi forte. Arrisquei-me a olhar seu rosto que estava concentrado no caminho escuro, percebendo que ele provavelmente tinha entre trinta e quarenta anos e era algum funcionário da escola. Eu devia estar muito tonta, mas eu o conhecia de algum lugar, talvez fosse o sorriso gentil ou talvez o brilho negro de seus olhos.

Não tenho certeza de nada agora, tudo parece um sonho ruim...


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Notas finais do capítulo

Nome do próximo capítulo: "Perdoe-me"



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