Olhos De Dante escrita por João Marcos Oliveira


Capítulo 9
Fuga




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Norman estava à frente de Félix enquanto eu o conduzia pelos corredores da estação. Assim que chegamos à sala almejada, com algumas almas e guias em espera, adentramos pela porta principal do Tribunal. Estava silencioso e pude sentir que alguma alma acabara de ter sua sessão. Minos estava a minha espera ainda sob o púlpito, no interior da cúpula.

— Então conseguiu trazê-lo, não é Dante?— perguntou-me assim que notou nossa chegada. — Achei que não daria certo desta vez.

Norman estava visivelmente assustado. Manteve-se calado desde que tinha chegado à Linha.

― Foi mais fácil do que achei que seria. Ele reagiu bem até nas provas iniciais. Confesso que achei que perderia mais um.

― Bom... Quem sabe a ajuda de seu demônio tenha sido de leve.

― Duvido muito. Félix possui muito potencial.

― É estranho ouvir isso de um homem como você, Dante, sabe como é irônico de sua parte, andar por aí com um demônio a espreita, ainda mais por ser um mestiço. Não se lembra das trapaças que sofreu por conta deles?

― Tem razão ― concordei.

Félix ficou raivoso, pude sentir seu sangue ferver, mas confiava o bastante em mim para manter-se calado e aparentemente calmo. Minos não era flor que se cheirasse, mas isso não tirava a importância que possuía em nosso mundo.

― Então, vamos fazer o que tem que ser feito ― Minos disse andando pela sala e indo de encontro a nós.

Fui até Norman, que ouvia tudo atentamente, mas curioso. Ele se perguntava o que faríamos com ele e pensava em fugir.

― Não tente nada, você sabe que não resultará em boas coisas. Precisamos de sua alma para que possamos prosseguir, Norman. Aonde vamos apenas almas podem entrar ― disse de forma apaziguadora.

Ele ergueu as sobrancelhas assustado, ainda estava emudecido, questionando-se mentalmente se estava num de seus estranhos pesadelos ou se aquilo era mesmo real, desejando que a primeira opção fosse verdade. Praguejou em sua cabeça por não ter procurado um psiquiatra nas primeiras semanas em que fora vítima de Félix.

― Se acalme, não farei nada. Vamos apenas passear por um lugar um tanto diferente, mas esse passeio impede que você prossiga com seu corpo. Precisamos tirá-lo dele. Não quer que o que viu hoje a tarde aconteça, não é?

Norman ao ouvir claramente minhas palavras, por poucos segundos de desprezo aos meus avisos, se perdeu em emoções fortes e correu para as portas, ignorando seus próprios medos. Achei pertinente da parte dele, mas de uma maneira positiva. Isso significava que ele tinha coragem para fugir, mesmo que isso pudesse significar morrer, de fato. Claro que não o deixaria morrer, precisava de sua vida. Assim que atravessou as portas do Tribunal, olhei para meus acompanhantes.

― Félix... ― disse redundante. ― fique à vontade.

Assim que me ouviu, Félix repetiu os mesmos movimentos do outro em velocidade incomparável. Do lado de fora, Norman se perdia entre a antecâmara do Tribunal e os diversos corredores que deveria entrar. Ele correu sem direção pelo prédio, não olhando muito para onde entrava e sim desejando se distanciar de nossa presença. Só parou de correr quando já estava dentro de um corredor longo e estreito que terminava em uma única porta vermelha. Contando a distância entre ela, Norman a alcançou em poucos segundos, querendo desesperado que, ao abri-la, encontrasse alguma saída. Entretanto, ao tentar abri-la, viu que a mesma se encontrava fechada. Assim que notou sua situação, virou-se frustrado para voltar à correria e se arriscar novamente nos corredores, porém o que viu o congelou no lugar. No meio do caminho estava Félix que o esperava com um semblante calmo e com os óculos negros em evidência no lugar iluminado fortemente por luzes fluorescentes. Estava parado, com as duas mãos apoiadas na parede impossibilitando qualquer passagem.

― Tsc, tsc... Não costuma ouvir as pessoas, Norman. Saiba que aqui, seu dinheiro de nada vale. Não tem mais a importância que está habituado a ter. Vou ter que ser mau dessa vez... e confesso que... eu gosto disso.

Assim que terminou de dizer, Félix retirou seus óculos escuros e guardou-os no bolso direito do paletó, revelando seus temidos olhos rubros. Deu um sorriso cínico ao piscar um dos olhos. Em milissegundos, atingiu Norman com um soco forte no abdome. O soco não feriu somente seu corpo, mas o atingiu por completo. A palma de Félix infiltrou-se na alma de Norman, quase a tirando de si. A dor foi tão excruciante que o homem caiu inconsciente no chão, sem ao menos saber o que de fato ocorrera.

Ao chegar à sala, abriu a porta carregando Norman em seus ombros desacordado e carregou-o até o centro do salão, colocando seu corpo inerte sentado na cadeira.

― Melhor assim ― disse por fim. ― Há quanto tempo não faz o procedimento?

― Há muito tempo, mas lembro perfeitamente. Você sabe que só eu posso fazer isso, não é, Dante? Se descobrirem o que acontecer aqui agora, nós dois poderemos ser punidos e, quem sabe, da maneira antiga.

― Calma, só fiquei curioso. Quando vim para o mesmo propósito não precisei disso.

― Naquela época você teve autorização divina. É diferente, então não posso dizer que estamos com um caso de mesma dimensão.

Minos chegou próximo a ele, com um pergaminho em mãos que possuía vários símbolos e trechos transcritos em latim manualmente. Um tinteiro estava no chão e ele passou um pouco da tinta negra no indicador. Desenhou os mesmos símbolos nos pulsos de Norman rapidamente, que ainda continuaria desacordado por um longo tempo. Assim que terminou, pegou duas longas fitas negras e amarrou seus pulsos, um a um, dando um nó fraco. Depois começou a citar as palavras em latim repetidas vezes:

“Sicut partis unius sacri sum impertire animam hanc sermonibus fidem”

“Como parte do sagrado, concedo a esta vida liberdade condicional”

Um halo branco envolveu as duas faixas e sua luz brilhava intensamente nos pulsos do homem. Assim que viu o ocorrido, Minos puxou as duas faixas com força, e com elas, a alma de Norman. Ele saiu atravessando sua própria carne, como num salto. Assim que saiu totalmente de seu corpo inconsciente e contundido pelo golpe de Félix, ele voltou a si. Ao ver seu corpo, sentado na cadeira, inerte e aparentemente sem vida, ele se assustou. Deu alguns passos para ver seu corpo e ouviu um barulho metálico abaixo. Assim, fitou as correntes que pendiam ao chão e viu que era impossibilitado de se soltar delas. Depois olhou para nós, como se esperasse uma resposta.

― Não, você não morreu se é o que está pensando. Seu coração ainda pulsa e seu corpo respira normalmente. Só não tem mais nada ali ― me direcionei ao corpo ― vamos levá-lo para um lugar específico, mas se acalme, depois você voltará a ele.

Ao dizer isso, Norman ainda fitava suas correntes, como um preso condenado a ir para uma prisão.

― Faz parte de você. Suas correntes livres significam que ainda está vivo. Nunca, em hipótese alguma, deixe essas correntes se soltarem do elo falso que colocarei ali.

Norman consentiu e, assim que coloquei o elo unindo as duas correntes, Félix pegou seu corpo e carregou-o para a sala reservada nos depósitos do Tribunal.

Saímos para as plataformas.


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