Premonição 7: Clube da Morte escrita por Lerd


Capítulo 2
Rugido


Notas iniciais do capítulo

Capítulo postado, gente! Espero que gostem. Nele acontece o acidente no zoológico e a introdução dos personagens que não foram apresentados no capítulo anterior. Enjoy!E ah! Pra quem ainda não viu, as fotos dos personagens estão aqui: http://premonicaofanficsource.blogspot.com.br/2013/09/premonicao-7.html



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A cena do crime fedia mais do que o normal.

Pelo menos o que se considerava normal para os padrões de Bunny Face.

As vítimas foram encontradas nos fundos de uma mansão que estava para venda, longe do centro da cidade. O lugar não estava abandonado, apenas desabitado. Era cuidado por uma importante imobiliária da região.

A inspetora Ramona Cooper franziu o cenho, visivelmente contrariada. Até aquele momento parecia ter entendido o perfil do assassino, mas de uma hora para outra, uma mudança. Aquilo não era nada comum. Por alguns instantes pensou se tratar de um copycat, mas rapidamente abandonou a hipótese. Não, é ele mesmo. Ele está brincando conosco.

Os dois corpos estavam com os rostos completamente desfigurados. Assim como todas as outras vítimas, metade de seu rosto (em geral o lado esquerdo) fora esculpido de modo que restasse apenas a caveira, o crânio. As vítimas então ficavam com metade do rosto intacto e a outra metade apenas os ossos. Era o padrão do Cara de Coelho.

Dessa vez, porém, havia um atraso. O perfil das duas vítimas foram hackeado, com a foto e a mensagem, apenas naquele dia, mas seus corpos indicavam que eles já estavam mortos há uma boa semana. Isso era deveras curioso.

O parceiro de Ramona, o inspetor Diego Valens, aproximou-se dela com o bloquinho em mãos. Ali estava anotado tudo o que ele já descobrira. Começou:

— As vítimas se chamam Jonathan Smith e Delilah White. Os dois têm trinta e seis anos, são casados e possuem um Pet Shop no centro da cidade. Como sempre, não existe nenhuma ligação entre eles e as outras vítimas, exceto pelos perfis hackeados. Os peritos ainda precisam trabalhar nos corpos, mas é certo que eles estão mortos há mais de dez dias.

A inspetora meneou a cabeça de maneira solene. Por fora era uma máscara sem expressão. Por dentro estava em chamas.

Ramona Cooper era mais conhecida pelo apelido de Kitty, o qual ganhara logo quando entrara na academia de polícia. Ele lhe fora dado porque era não só a única mulher da turma, como também a mais baixinha. Não que fosse especialmente baixa (tinha um metro e sessenta e oito), mas numa turma só de homens ela ficava em desvantagem. Apesar disso, era inteligente, forte e resiliente. Formara-se com mérito como uma das primeiras da sua turma.

Era negra e muito atlética. Tinha um rosto comum e bonito. Os cabelos eram ornamentados de maneira característica afro, com um enorme permanente negro. Eles estavam presos num metódico coque no alto de sua cabeça. Seus olhos eram escuros como pedras de ônix.

Seu parceiro, Diego, era proporcionalmente atlético. Tinha um bom metro e oitenta, e uma massa muscular invejável. Era descendente de porto-riquenhos e de italianos, de modo que tinha uma aparência mista. Seu rosto parecia esculpido à mão: maxilar forte, nariz reto, queixo imponente. As sobrancelhas eram mais bem cuidadas do que o normal, indicando que ele era um metrossexual. Diego usava um corte de cabelo social, mas Kitty tinha certeza que seu cabelo era tratado. Aquele topete rockabilly de mauricinho não pode ser natural, ela pensava. Sua fisionomia era finalizada com uma barba por fazer de uns dois dias e bonitos olhos castanhos.

— Eu não consigo entender o que pode tê-lo levado a demorar esse tempo todo. Por definição o Bunny Face é um assassino tecnológico, atual, instantâneo. Mortes tão antigas com certeza o levariam a perder o interesse. — Kitty observou.

— Você pode ter decifrado a charada. — Diego arriscou. — Suponhamos que algum imprevisto tenha acontecido. Sei lá, ele ficou sem internet ou estava na companhia de alguém. — Kitty mostrou-se interessada. — Isso então o atrasou em um dia, que seja. Ele pode ter tido esse exato mesmo pensamento que você, de que aquilo havia perdido o interesse. Então deixou pra lá.

—... Mas ele não podia esconder os dois corpos pra sempre. Então só fez isso agora, quando, supondo, ele já havia superado a frustração de não ter conseguido ser rápido. — A inspetora completou.

Touché. — Diego sorriu de maneira prepotente, mas Kitty julgava que ele merecia esse sorriso pela linha de raciocínio.

Os dois anotaram diversos outros detalhes da cena do crime e então decidiram tomar um café em uma lanchonete perto dali. Estavam sentados há cinco minutos quando o celular de Kitty tocou.

— Aham, estamos. Roar Zoo? Sei onde fica sim. Claro. Tchau. — E foi se levantando.

Diego estava comendo um sanduíche e não entendeu nada.

— Parece que eles rastrearam o celular de onde foram enviadas as fotos no perfil do Jonathan e da Delilah. Nosso cara está no zoológico nesse momento.

O homem quase se engasgou. Ajeitou a camisa e levantou-se num pulo.

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Tina desceu as escadas com uma expressão tristonha e terna.

— Ela dormiu. Eu não vou ter coragem de acordá-la.

Cassiel concordou com a mãe. Queria muito que a filha conhecesse os bichos do zoológico, mas preferia que ela dormisse. Seria muita crueldade despertá-la, por mais divertido que fosse o passeio.

— Então eu fico com ela. Vá e se divirta com a Grace, mãe.

— Não, não, você vem comigo. Você não vai ficar enfurnado nessa casa num dia bonito desses.

O rapaz bufou. Olhou pela janela e viu que a mãe tinha razão. O sol estava a pino no céu e fazia um clima morno e gostoso. Passava um pouco do meio-dia.

— Eu vou chamar a Sally, ela fica cuidando da Julia.

— Quem é Sally? Eu não vou deixar minha filha com uma estranha.

Tina sorriu.

— A Sally não é uma estranha. Ela é a babá da Julia desde que ela nasceu.

A intenção da mãe fora a melhor possível, mas Cassiel não conseguiu evitar ficar melancólico. Uma estranha. Eu é que sou um estranho. Essa Sally conhece a minha filha a mais tempo do que eu. Oh, Deus...

Quando a mulher desligou o telefone, percebeu a expressão de angústia no rosto do filho. Tentou mudar o assunto:

— A Grace provavelmente vai estar encantadora.

Cassiel não conseguiu evitar um riso nervoso. Achava Grace bonita, mas não pensava em ter nada com ela. Nada mesmo, nem uma aventura sexual. A última vez que fizera sexo fora há exatamente dois anos atrás, quando Katie engravidara de Julia e Tyson, provavelmente. Na Síria não tivera oportunidade e, mesmo que tivesse, jamais trairia a noiva. Desde que chegara aos Estados Unidos estava tão deprimido que nem pensava no assunto, de modo que sua vida sexual estava adormecida há muito tempo. Apesar disso, seu desejo sexual não havia desaparecido. Sentia vontade de fazer sexo, mas não sentia vontade de ficar com alguém. A ligação emocional que a relação implicava lhe desanimava como um banho de água fria.

— A Grace é sempre encantadora, mãe, mas não vai dar certo.

— Só dê uma chance a ela. Só uma. Você pode se surpreender. — Tina garantiu.

Cassiel deu com os ombros. Já havia tomado banho, mas a roupa que estava usando era imprópria para sair. Subiu as escadas e abriu o guarda-roupa. Escolheu uma camiseta azul desbotada simples e um par de calções cinza. Em seus pés colocou um par de chinelos e julgou-se pronto. Nunca fora de se vestir com pompa e não começaria agora. Se Grace tivesse de gostar dele, seria daquele jeito. Foi desse jeito que a Katie gostou de mim.

Desceu os degraus de dois em dois e deu de cara com o olhar julgador de sua mãe. Ignorou-a. A tal Sally já havia chego, de modo que Tina o apresentou e os dois se cumprimentaram. Ela era uma simpática e enérgica velhinha, e Cassiel sentiu-se confiante em deixar a filha com ela. Se sua mãe confiava na mulher, então ele também deveria confiar. Ela jamais colocaria Julia em perigo.

Os dois entraram no fusca cor de rosa de Tina e ela sentou-se no banco do motorista, mas só depois de insistir muito para que Cassiel dirigisse. Ele não quis. Não pela cor do veículo, a qual ele não poderia se importar menos, mas porque após mais de dois anos sem dirigir (e uma carteira vencida), sentia-se inepto.

x-x-x-x-x

Crystal Westbrook mantinha os olhos colados no livro a sua frente, mesmo que esporadicamente olhasse o que estava acontecendo ao seu redor. Era um encadernado qualquer de ficção sobre as wiccas. Crystal achava divertida a maneira como as pessoas as viam na cultura pop. O senso comum era realmente muito engraçado.

Tinha vinte e quatro anos, uma mulher feita. Tinha um rosto comum, de nariz fino, boca pequena e olhos azuis esverdeados brilhantes. As sobrancelhas eram expressivas. Os cabelos eram castanhos e meio embaraçados, de modo que ela usava um lenço misturado entre eles. Tinha tamanho e peso comuns e, de maneira geral, se misturava facilmente numa multidão.

Naquele dia ensolarado, usava um vestido florido e diversas bijuterias feitas a mão. Havia uma infinidade de pulseiras, anéis, um par de brincos e dois colares. Um era feito de madeira e fora presente de uma amiga. O outro era um pentagrama banhado a ouro. Esse era um presente da Mãe Tríplice.

Sua leitura foi vagamente interrompida por um grupo que passou bem ao seu lado. Ele era formado por um garotinho de uns três anos e duas mulheres, uma loira e uma morena. O menino pareceu gostar da figura da capa do livro de Crystal e apontou para ela. A garota já estava esperando uma reação de reprimenda por parte das (aparentemente) mães do garoto, mas não foi o que aconteceu.

— É uma lua, Jamal. Daquelas que só aparecem de noite. — A loira disse de maneira carinhosa.

Crystal se surpreendeu.

Mas logo o grupo já havia seguido seu caminho e ela estava novamente sozinha com seus pensamentos.

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Jamal era pequeno para uma criança de três anos. Apesar disso, tinha passado por mais experiências ruins que qualquer pessoa com dez vezes a idade dele.

Era moreno, com a tonalidade de pele escura característica dos indianos. Seus cabelos eram negros, lisos e extremamente brilhantes. Os olhos eram grandes e também muito escuros. Ele tinha uma pequena (mas bastante visível) cicatriz no supercílio direito. Ela fora resultado de uma pancada que sua progenitora lhe deu em um dia que estava particularmente irritada. Fora um machucado relativamente simples, mas que não fora imediatamente tratado. Isso acabou por gerar um ferimento maior, e em seguida a cicatriz. Aquela fora só uma das inúmeras vezes em que Jamal sofreu algum tipo de agressão física.

— A zebra! — Ele apontou ao ver o bicho listrado. — A gente pode encostar?

— Não, é perigoso. Mas você pode tirar uma foto. — Erika falou, e o garoto se entusiasmou com aquela ideia.

A mulher retirou a câmera de dentro da bolsa e entregou ao menino. Marissa acabava de voltar com três picolés em mãos.

— Você vai estragar a janta dele. — Erika reclamou.

Marissa deu com os ombros. Já ficara claro que ela era a mãe que iria mimar e Erika era a mãe que iria estabelecer os limites. Fazia parte da personalidade das duas, de modo geral.

Jamal estava tirando a terceira foto quando os três se encontraram com Tina, Cassiel e Grace. A oriental não conhecia as mulheres, de modo que coube à amiga apresentá-las. O garotinho só era conhecido por Tina, e Cassiel rapidamente encantou-se com ele. Em seguida foi a vez de Erika apresentar-se para o rapaz.

— Você é mais bonito do que eu imaginei. — A mulher comentou. — A Marissa me falou muito sobre você.

Cassiel sorriu amarelo. As pessoas falavam demais sobre ele. Sua mãe, Marissa. Era quase como ser uma celebridade. Mesmo assim, agradeceu o elogio:

— A senhorita também é muito bonita.

— Pode me chamar de Erika.

O loiro concordou com um aceno. Aquele fora quase o mesmo diálogo que ele tivera com Grace.

A coreana, aliás, estava radiante dentro de um vestido rosa de alças e solto. Ela distraidamente segurara a mão dele quando eles se cumprimentaram na entrada do zoológico, e desde então não soltara mais. Cassiel não se importou, ela tinha mãos macias. Erika e Marissa com certeza supuseram que Grace fosse namorada do rapaz, coisa que ele também não se deu ao trabalho de explicar. Tina parecia divertir-se tremendamente com tudo aquilo.

As mulheres conversavam distraidamente quando Cassiel puxou Jamal pela mão e se afastou alguns metros. Ele então se sentou no chão e o menino instintivamente fez o mesmo.

— O meu nome é Cassiel.

— Eu sei, eu ouvi quando você disse.

Ele é inteligente.

— Me desculpa carinha. — Cassiel riu. — Você já tinha vindo ao zoológico?

Jamal fez que não com a cabeça.

— E qual é o seu bicho preferido?

O menino pensou por alguns segundos, ao final dos quais disse:

— O tigre. Ele ruge.

— Ruge? Essa é uma palavra difícil.

— Ele ruge. É assim: roaaaar. — E o menininho abriu a boca o máximo que pôde para imitar o barulho do felino. Cassiel riu.

De repente, seu sorriso cessou ao ver a figura atrás do garoto.

Reconheceu-o de imediato, mesmo que ele tivesse arranjado um novo corte de cabelo e deixado a barba crescer. Continuava com o cabelo da cor de areia, a barba era escura e tinha os mesmos olhos claros. Estava mais musculoso, e pela primeira vez parecia ser o irmão mais novo e não o mais velho.

— Filho! — Tina disse visivelmente surpresa.

Ele sorriu e abraçou a mãe por longos segundos. Em seguida cumprimentou todas as outras mulheres, dedicando alguns segundos a trocar palavras com Erika, a quem já conhecia. Deixou para cumprimentar o irmão por último.

— Você voltou. Você fez falta, carinha.

Cassiel sentiu um arrepio ao ouvir o irmão pronunciar a mesma palavra que ele pronunciara minutos antes. Continuou parado, acuado, como um bichinho indefeso, sentado no chão. Paul estendeu a mão e o rapaz aceitou, se levantando. Quando o irmão o abraçou, Cassiel era uma estátua.

Demorou alguns segundos até retribuir o abraço. Não sabia o que sentir. Gostava do irmão, apesar deles não serem muito próximos. Paul nunca fora carinhoso, mas também nunca fora rude ou desagradável. Ligara quando Cassiel chegara, mas não se dignara a visitá-lo mesmo o tendo visto dois anos antes. Era um misto de sentimentos e contradições que deixavam Cassiel apático. Deveria estar feliz?

— É bom ver que você está bem. — Paul disse, segurando o rosto do irmão com as mãos. Mesmo sendo uns bons dez centímetros mais alto, Cassiel sentiu-se como quando tinha seis anos e o irmão tinha o dobro de sua altura.

x-x-x-x-x

— Então as travas das jaulas são totalmente eletrônicas? — Ulysses perguntou, com o bloquinho de anotações em mãos. Na mesa, o gravador estava ligado.

Quem estava na frente dele era o administrador do Roar Zoo, Dario Simpson.

— Sim. — O homem respondeu. — É uma nova tecnologia vinda da China. Pode-se dizer que o panda não foi a única coisa que trouxemos de lá. — Ele disse, se referindo ao animal que chegara ao zoológico alguns dias antes.

— E o senhor pode garantir que ela é segura?

— Absolutamente. Não temos melhor tecnologia em solo americano. É um privilégio que nosso zoológico tenha sido o primeiro da América e o terceiro de todo o ocidente a adotar esse novo sistema. Ele é à prova de falhas.

À prova de falhas, Ulysses pensou. Um produto chinês. Os chinas estão mesmo chutando as nossas bundas.

— Como foi o processo de troca dos cadeados manuais para os eletrônicos? Vocês encontraram algum problema?

O homem pigarreou antes de responder.

— Nenhum digno de nota. Infelizmente nós acabamos perdendo um tucano no processo, um infeliz infortúnio. Fora isso, tudo ocorreu de maneira impecável. Estou orgulhoso de nosso trabalho.

Ulysses achava tudo aquilo exagerado, mas não iria dizer isso na frente de Dario. Poderia ser ultrapassado, mas para ele nada era mais seguro do que uma imensa e pesada barra de ferro. Era pura e simples física.

Trocou mais algumas perguntas com o homem e então se despediu. Tinha uma boa quantidade de informações. Pretendia entrevistar alguns visitantes, mas aquilo podia ficar para o dia seguinte, já que a matéria não seria publicada antes do fim da semana e eles ainda estavam no domingo.

Encontrou Themis sentada tomando um sorvete. Deu-lhe um beijo.

— E então, pra onde a gente vai?

— Eu pensei em ficarmos um pouco. — Ela disse. — Está um dia tão bonito.

O rapaz concordou com um aceno de cabeça.

x-x-x-x-x

Diego e Kitty passeavam tranquilamente pelo zoológico, atentamente observando todos ao seu redor.

— Pode ser qualquer um aqui. Não da pra termos uma noção mais clara de quem exatamente ele é. — A mulher observou.

— Ninguém parece particularmente suspeito. — Diego disse. — São só pais e mães de família.

A mulher sentiu um ímpeto de rir, mas se conteve. Como é ingênuo. Ramona Cooper trabalhara nove anos nas ruas, antes de ser transferida para a sua atual função. Vira dúzias e dúzias de pais de família capazes de cometer as mais terríveis atrocidades. Acreditava que o ser humano era naturalmente ruim e cruel, mas que aprendera a domar seus instintos mais primitivos. Quer dizer, a maioria. Alguns continuavam sendo parte animais.

— Precisamos ficar de olho. — Foi só o que ela disse.

x-x-x-x-x

Cassiel andava de mãos dadas com Jamal conversando distraidamente. Erika, Marissa, Tina, Grace e Paul estavam mais para trás, divididos em dois grupos, papeando. O militar não tinha a mesma paciência. Não depois do que acontecera. Acostumara-se a longos períodos em silêncio, de modo que se sentia confortável assim. Jamal também não parecia particularmente interessado em falar, então os dois se davam muito bem.

O arrepio o atingiu como um raio.

Subitamente, parou. Resistiu ao instinto de apertar o que estava entre suas mãos, o que no caso era a mão de Jamal. Poderia quebrá-la. Soltou-a. Apertou os dedos com força.

Sentiu a pior sensação do mundo.

E então um apito.

Virou-se para onde estava o grupo atrás de si. Paul conversava distraidamente com Grace. O rapaz ouviu alguém gritar algo, mas não conseguiu identificar o que era. Um disco de frisbee foi jogado há alguns metros do irmão. Paul educadamente se dispôs a buscá-lo, separando-se momentaneamente de Grace. Em um segundo, estava ali.

O furgão vinha em alta velocidade, e Cassiel só o percebeu quando já era tarde demais. Algo estava muito errado. Paul moveu-se na hora errada, colocando-se na frente do veículo. O motorista não teve tempo de frear.

O que restou no chão foi uma massa vermelha e disforme. A cabeça de Paul foi parcialmente esmagada. Sangue respingou no vestido de Grace. A garota gritou. Cassiel ouviu um rugido alto, e então teve a certeza absoluta de que alguma coisa tinha saído do controle.

Viu que a mãe desmaiara. Pegou Jamal no colo e correu em direção ao grupo, ainda em choque. Colocou o garoto no colo de Marissa e arranjou a frieza de apenas pegar a mãe, ainda desfalecida, e começar a andar para fora do zoológico com ela nos braços.

Grace rapidamente dispersou-se do grupo, ainda extremamente chocada. Cassiel olhou ao longe e viu pessoas correndo por todos os lados. Sentiu o tremor no chão. Oh, não.

A alguns metros dali, Ulysses corria de mãos dadas com Themis, ambos procurando escapar do que quer que estivesse acontecendo. Um grupo passou por eles, todos desesperados, e suas mãos se soltaram. A garota correu para o único lugar que julgou seguro.

Cassiel ainda seguia com a mãe quando observou os dois titãs vindo rapidamente na direção deles. Elefantes. Eles faziam um barulho estrondoso e corriam mais rápido do que o rapaz imaginou ser possível. Atropelavam o que quer que vissem em sua frente. O loiro viu o exato momento em que Grace e uma garota ruiva de alargador foram brutalmente esmagadas pelas patas de um dos bichos. O braço de uma delas se separou do corpo e tripas ficaram coladas no asfalto. Os dois monstros seguiram pisoteando todo mundo, entre eles uma família inteira, inclusive um bebê em um carrinho. O militar não hesitou um segundo.

Já não via mais ninguém do grupo que o acompanhava. Era apenas ele e Tina.

Os elefantes passaram por ele sem atingi-lo, já que ele havia os percebido com antecedência.

Marissa colocou Jamal momentaneamente no chão. Estava tremendo e seus braços doíam pelo peso do garoto.

— Pega ele, Erika! — Ela disse.

A parceira acenou com a cabeça, mas então um pássaro seguiu em um voo rasante para perto delas e Erika congelou.

O falcão foi rápido: em um movimento tirou Jamal do chão, cravando suas garras no ombro do menino. Elas eram como ganchos. Em um segundo ele estava nos ares, preso por um monstro alado e observando o zoológico de cima. A dor em seu corpo era excruciante. O menino gritou e se debateu, sem ter ideia do que estava acontecendo. De repente, o falcão não resistiu. O peso era grande demais. Soltou Jamal.

Cassiel observou o momento em que o garoto caiu dos céus ao chão, como um anjo. Sua queda foi mais brutal do que o militar pensou que seria. Ele caiu exatamente em cima de um bonito homem de topete escuro. A força de seu peso na queda foi suficiente para matar instantaneamente o homem. Ao lado dele uma mulher negra gritou. Ela se abaixou para observar o estado de seu parceiro, mas havia apenas ossos para fora. O rosto dele e de Jamal estavam praticamente colados, ambos com os pescoços brutalmente quebrados.

Kitty correu sem rumo. Havia perdido a noção da saída do zoológico há alguns segundos, e a morte de Diego apenas intensificara tal sensação de estar desnorteada. Parou para respirar. Sentiu uma mão em seu coldre, e então o viu.

Em seu íntimo, por algum motivo, teve a certeza absoluta de que era ele.

Bunny Face, sem máscara, na sua frente.

Ele sorriu maliciosamente e disparou sete tiros à queima roupa contra a detetive. Os quatro primeiros foram em sua barriga. Ele então ergueu a pistola e, segurando o corpo de Kitty que começava a desfalecer, atirou mais três vezes em seu queixo, abrindo buracos que saíram por sua cabeça. A inspetora morreu instantaneamente. O caos era tão grande que quase ninguém percebeu a cena.

Marissa estava sentada no chão, ao lado de um lago protegido por uma grade de um metro e meio. Ela chorava de maneira incontrolável.

— Ele... Ele... Pegou... Não...

Erika tentava controlar a parceira, mas estava quase tão histérica quanto ela. Marissa se levantou e segurou na grade, olhando para baixo, para o lago. Muitas pessoas haviam batido naquela grade, na correria para escapar. Bastou apenas um mínimo esforço e ela cedeu, derrubando a loira no lago. Marissa tombou junto do monte de ferro direto na água.

Ela sabia nadar, então voltou a superfície em segundos. Erika gritava histericamente e Marissa não sabia o motivo. Por que ela está tão desesperada? Não parecia ser por causa de Jamal.

Mas então Marissa sentiu um ardor na perna. Abaixou-se e, debaixo da água, viu que era o seu fim.

As piranhas pularam em seu rosto com voracidade, arrancando pedaços imensos de carne. A primeira arrancou seu nariz, enquanto a segunda levou seu olho direito e parte da bochecha. Na superfície, Erika observava chocada a água escura tornar-se rubra.

Cassiel já seguia mais lentamente. Vira o homem atirando na detetive. Vira Marissa cair da grade direto para o lago. No momento via Erika desesperada, agitando os braços e gritando. Via tudo, mas era como se ele não estivesse ali. Tudo parecia um filme. Seus braços já começavam a amortecer pelo peso de sua mãe, mas ele seguia firme. Não podia ajudar nenhuma daquelas pessoas. Não podia ter ajudado a detetive ou Marissa. Precisava salvar sua mãe. Ela valia mais do que a sua própria vida. Ele não podia ousar perdê-la.

Viu, ao longe, um rapaz sozinho. As pessoas ainda corriam, mas nenhuma estava perto dele. O olho do furacão. O rapaz mexia atentamente em um painel eletrônico. Tinha uma máquina fotográfica no ombro e um bloco de anotações saindo do bolso da calça skinny. Decerto um jornalista. Cassiel não teve tempo de sequer refletir, e então viu o rapaz sendo jogado a uma distância absurda. Fora eletrocutado.

Ulysses caiu no chão e bateu a cabeça com força. Apenas uma pancada fora o suficiente. O sangue escorreu em abundância pelo chão. Estava morto.

E então Cassiel viu um lugar seguro. Uma jaula. De onde ele estava, podia ver apenas sua entrada, mas tudo indicava que os animais dela haviam fugido. Ele poderia trancar-se ali e esperar por ajuda. Juntou o pouco de força que ainda tinha e correu como um doido até a cela. Entrou sem olhar para trás e a fechou. Colocou a mãe no chão e suspirou.

Havia uma garota ali, sentada no chão. Ela abraçava as pernas e tremia incontrolavelmente. Usava um colar de pentagrama. Tivera a mesma ideia que ele.

Os dois também perceberam a armadilha no mesmo segundo. O leão aproximou-se com uma presa em sua boca. Um rapaz de quase dois metros. Ele ainda tremia, vivo, mas totalmente incapaz de escapar dos dentes do felino. Estava de regata e eram visíveis diversas tatuagens em seu corpo. Ao ver Cassiel, Crystal e Tina, o leão fechou a mandíbula, finalmente matando o rapaz.

Cassiel ouviu um grito distinto, que dizia:

— Marissa! Marissa!

Erika.

E então ouviu gritos. Olhou para trás e conseguiu tê-la em seu campo de visão. A mulher corria com uma piranha grudada em seu rosto. O sangue jorrava de seu olho esquerdo, e ela estava coberta do líquido rubro. De repente parou e caiu morta.

O leão atrás de Cassiel rugiu. A garota do pentagrama deixou escorrer uma única lágrima.

A jaula em que eles estavam de fato estava vazia. Mas ela não tinha uma única entrada. Os leões haviam escapado de sua jaula e entrado naquela. Pela entrada eletrônica. Cassiel virou-se para trás e percebeu que a entrada por onde ele havia vindo era manual, de cadeado. Ela estava deliberadamente aberta quando ele a trancara para sempre. Olhou para fora, na direção da placa que indicava os animais, e leu:

Em obras.

Não tinha havido animal nenhum ali. Se a outra entrada não estivesse aberta, aquela cela seria a mais segura de todas. Mas ela estava. E não havia mais como eles escaparem sem passar pelos felinos.

O único pensamento de Cassiel foi o de que precisava salvar sua mãe. Por Julia.

Os leões concentraram-se em Crystal, por ela chamar mais atenção. Cassiel não pôde mover um músculo para ajudá-la. Ergueu Tina com esforço, enquanto os cinco bichos atacavam a garota, rasgando-lhe a barriga e comendo suas tripas. O loiro ouviu os gritos desesperados dela, mas nada podia fazer. Me desculpe, me desculpe, me desculpe.

Estava quase chegando à saída quando sentiu o peso contra suas costas. Derrubou Tina. Jamais soube qual leão pulou em cima dele. Quando tentou virar-se para observar, o bicho abriu sua bocarra e cravou os dentes em sua cabeça. Cassiel só conseguiu sentir o calor do sangue.

Parou. Paul estava atrás de Jamal. Era a primeira vez que se viam em dois anos.


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Notas finais do capítulo

Algumas explicações:Sim, eu sei que por enquanto a Crystal é a personagem menos desenvolvida. Mas isso é temporário. O papel dela nessa reta inicial é realmente pequeno, e faz parte da composição da personagem. Aos poucos o papel dela aumentará significantemente, como é de se esperar pela importância dela na trama. Eu eu decidi acabar o capítulo quando Cassiel "desperta" da visão por alguns motivos: o primeiro foi o tamanho. Claro, eu poderia ter continuado todo o desenrolar e a saída dos sobreviventes do zoológico nesse capítulo, mas decidi deixar para o próximo (eu já escrevi essa parte, aliás) porque ele estava ficando bastante extenso. Eu NUNCA elimino cenas de capítulos para caber no "tamanho", basta ver que meus capítulos vão de 3000 à 5000 palavras, o que é uma margem grande. Acho isso bobagem. Mas nesse caso eu percebi que o capítulo estava ficando com o tamanho de dois, então o mais correto foi dividi-lo pra um melhor andamento da fic mesmo. Isso provavelmente acarretará com essa fanfic tendo pelo menos um capítulo a mais que as anteriores, mas vamos ver. Uma coisa de cada vez XDPróximo capítulo já está quase todo escrito, então não demorarei a postar. Adiós! o



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