Premonição 7: Clube da Morte escrita por Lerd


Capítulo 10
Azul


Notas iniciais do capítulo

Eu não tenho nem desculpas pela demora colossal em terminar a fanfic! XD
Mas bom, antes tarde do que nunca né? Então cá está o capítulo final dela! Espero que gostem :D



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As luzes do quarto de hospital eram como enormes holofotes. Cassiel fechou os olhos rapidamente, sentindo a claridade ferir sua retina.

— Apaga, apaga. — Ele pediu instintivamente.

Mesmo com os olhos fechados, sentiu quando a claridade foi diminuída. Lentamente abriu os olhos e conseguiu ver o quarto imerso na escuridão. Conseguiu distinguir um vulto ao lado de sua cama, e esticou a mão para tocá-lo.

— Sou eu, meu filho. — Tina falou.

O rapaz suspirou e tocou a mão da mãe. Sentiu que sua cabeça parecia pesada do lado esquerdo. Soltou-se de Tina e tocou seu rosto. Percebeu rapidamente que havia ataduras cobrindo metade do seu rosto, em especial o seu olho esquerdo. Piscou duas vezes e sentiu um leve ardor.

Lembrava-se vagamente dos eventos que o levaram até ali. Ele havia brigado com Ulysses por algum motivo. Sabia que tinha se ferido, mas era só isso. De repente lembrou-se de um nome: Crystal.

— A Crystal, mãe. Eu quero ver a Crystal.

Através da escuridão, Cassiel ouviu a mãe suspirar longamente.

— Ela faleceu, meu filho.

Como? Quando? Por quê?

Ulysses. O Cara de Coelho.

Aos poucos as peças se encaixaram em sua cabeça. Suas mãos tremiam e ele gaguejava quando tentou perguntar:

— Como?

— O rapaz que tentou te matar. Ele era o assassino atrás do qual a polícia estava há algum tempo. O tal Bunny Face. Foi um milagre você ter sobrevivido.

A cabeça de Cassiel girava. Ulysses era o Bunny Face. Ele matou a Crystal. Eu não consegui matá-lo. Ele me atacou. A Crystal está morta.

Os pensamentos aos poucos iam se acomodando na cabeça do militar. Apesar disso, o turbilhão de ideias era inevitável. A lista. Ela foi quebrada, não era a vez do Ulysses morrer. O Cara de Coelho era ele. A morte esperava levar a mim. Nós estamos salvos.

Nós.

Cassiel sentiu as lágrimas se formando em seus olhos ao formular aquela palavra. Nós. Ela não incluía Crystal. Nem Cody. Nem Erika.

Por que chorar dói tanto? Por que meus olhos doem tanto?

De repente, passos. A luz do corredor foi a única visível. O homem de jaleco branco entrou calmamente no quarto, sem ousar acender a luz. Ao chegar ao lado de Cassiel, apertou um pequeno botão e acendeu um abajur ao lado da cama. Era fraco, de modo que sua iluminação não feria os olhos do militar. O médico sentou-se na beirada da cama e disse:

— Boa noite, Cassiel. Eu sou o Doutor Geoff. Como você está?

O loiro não soube o que responder. Formulou algumas sentenças em sua cabeça, mas as abandonou antes de serem proferidas.

— Você está aqui faz dois dias. Qual é a última coisa da qual você se lembra?

— Do museu, eu acho. Do Ulysses. Uma mulher atirou nele e me salvou.

O doutor acenou positivamente.

— E os seus olhos? O que se lembra sobre o acidente?

Cassiel pensou por alguns instantes, então disse:

— Eu bati a cabeça no vidro.

— Sim, você bateu. — O médico confirmou. — Você chegou aqui com o rosto completamente machucado, com estilhaços por todas as partes. O seu globo ocular esquerdo foi perfurado por um pedaço de vidro do tamanho de uma caneta. Por sorte nós conseguimos remover todos os pedaços de vidro com sucesso.

Tina permanecia parada segurando as barras de metal ao lado da cama de hospital. O médico demorou alguns segundos antes de dizer:

— Porém... Existem danos. Ainda é muito cedo pra avaliarmos, mas...

— Mas o quê? — Cassiel perguntou, já tendo ideia de qual seria a resposta.

O doutor Geoff respondeu prontamente:

— Você perdeu toda a visão do seu olho esquerdo, Cassiel. O vidro atingiu seu globo de maneira muito profunda, não é nada que possa ser resolvido com uma cirurgia. O seu olho vai se recuperar e ficar praticamente intacto como era antes, mas ele não será mais funcional.

Através da fraca luz do quarto, Cassiel conseguiu observar Tina segurando o choro. Ele esticou a mão e tocou o braço da mãe.

— Ei, não chora. Eu estou vivo, não estou?

Tina meneou a cabeça positivamente, deixando as lágrimas caírem. O doutor Geoff sorriu taciturnamente com o otimismo do militar.

— Você vai precisar ficar aqui pelo menos mais quarenta e oito horas em observação. Há algo que eu possa fazer por você, Cassiel?

Antes mesmo de a pergunta ser finalizada, o loiro já sabia exatamente o que responder:

— Eu quero ver a minha filha.

O doutor Geoff concordou com um aceno de cabeça e saiu do quarto.

x-x-x-x-x

Dahlia esperava sentada na cafeteria do hospital. Pedira uma limonada que já tinha acabado e agora se dedicava a mexer displicentemente no canudo que estava dentro do copo vazio. Olhou em seu relógio e imaginou que o rapaz já estivesse chegando.

Estava certa. Quando olhou para frente, viu Cassiel se aproximando lentamente. O rapaz usava uma camisa branca bastante larga e aberta que deixava boa parte de suas clavículas visíveis. Em seu pescoço havia uma dogtag militar, e em suas pernas uma calça de moletom marrom. Nos pés ele usava chinelos, e seu cabelo estava suficientemente grande para ficar desalinhado. O pior, porém, estava em seu rosto.

Cassiel usava um tapa-olho.

Dahlia levantou-se e o cumprimentou com um beijo na bochecha. A garota então chamou a garçonete e o rapaz pediu um café expresso grande. Quando a mulher se foi, a latina perguntou:

— Como você está?

O militar deu com os ombros. Educadamente respondeu:

— Eu estou indo. Vou sobreviver. Eu não sei se já te disse, mas... Obrigado por salvar a minha vida.

O sorriso no rosto da garota era bonito e sincero.

— Você disse sim. Foram pelo menos umas trinta vezes enquanto te trazíamos para o hospital naquele dia. De qualquer forma... De nada.

A pergunta seguinte estava entalada na garganta e na mente de Cassiel desde o dia em que ele acordara. Dahlia percebeu a inquietação do militar, e antes mesmo dele dizer qualquer coisa, o incentivou:

— Você quer perguntar alguma coisa, não é?

Cassiel não conseguiu mentir. Meneou a cabeça positivamente, dizendo:

— Muitas coisas. — E diante do consentimento da garota, o militar começou: — Primeiro de tudo: quem é você? Quero dizer, eu sei que o seu nome é Dahlia, mas é só isso. Como você foi parar no museu?

A garota assentiu com a cabeça. Começou:

— É uma longa história, mas eu vou tentar torná-la breve. — Cassiel então concordou com a cabeça. — Eu era namorada do Diego Valens, o detetive que estava atrás do Cara de Coelho. Você chegou a conhecê-lo?

Cassiel demorou alguns segundos para relacionar o nome à pessoa. O parceiro da Kitty, claro.

— Infelizmente eu não tive essa oportunidade. Eu o vi apenas brevemente durante uma ocasião, mas nós nem conversamos. Eu conheci apenas a parceira dele, a Kitty.

Dahlia assentiu com a cabeça.

— Pois bem. Eu fui sequestrada pelo Bunny Face. — E o loiro arregalou os olhos diante daquela fala, um pouco surpreso. — Ele fingiu ser o Diego e... Bom, em suma: o Diego foi assassinado na minha frente. Foi algo horrível. Difícil de esquecer, sabe?

Cassiel entendia Dahlia mais do que ela poderia supor.

— Então eu comecei a segui-lo. Comecei a pesquisar sobre ele, comecei a tentar descobrir o máximo de informações que eu pudesse. É triste dizer isso, mas eu infelizmente fiz um trabalho melhor que o de Kitty ou Diego. Não foi tão difícil chegar até Ulysses. E quando eu já tinha o meu principal suspeito, tudo o que eu precisei fazer foi segui-lo. E foi isso que eu fiz naquele dia em que ele te atacou no museu. Eu o segui quando ele saiu da casa da Crystal. Eu ouvi quando ele ligou para a sua mãe e perguntou onde você estava.

Aquilo explicava os motivos de ambos, Ulysses e Dahlia, estarem no museu naquele dia. Cassiel, porém, ainda achava incrível (e, paradoxalmente, estúpido) que a mulher tivesse conseguido obter mais informações e descobrir mais coisas do que os detetives envolvidos na captura do assassino. Apesar disso, decidiu não pensar mais naquilo. Não levaria a nada. Crystal e todos os outros estavam mortos, e nada mudaria tal fato.

— Bom, em poucas palavras é isso. Eu sei que nada do que eu fiz vai trazer o Diego de volta, mas pelo menos temos um filho da puta a menos nas ruas.

E eu tenho a minha vida de volta. Obrigado, Dahlia.

— Obrigado, Dahlia. — O rapaz externou seu pensamento. — Eu jamais poderei agradecê-la suficientemente, mas... Obrigado.

A garota concordou com um sorriso. No exato mesmo segundo a garçonete voltou com o café de Cassiel. O rapaz então perguntou de maneira displicente, enquanto enchia a bebida de açúcar:

— Você faz o que da vida, Dahlia?

— Eu sou uma cientista forense.

Isso explica bastante coisa.

— E você é um militar, correto? — Ela perguntou.

O rapaz meneou a cabeça positivamente, orgulhosamente erguendo sua dogtag.

A conversa durou cerca de meia hora, até que os dois se despedissem com um amigável abraço. Em seu íntimo Cassiel sabia que jamais conseguiria pagar a dívida que tinha com aquela mulher.

x-x-x

Tina estava sentada em frente ao advogado de Grace olhando-o com certa incredulidade. A mulher examinou o papel pela terceira vez, erguendo os olhos por cima das lentes dos óculos. Fez uma expressão de confusão e então perguntou:

— Esse papel... Nele está escrito que a Grace deixou a instituição... Pra mim. Mas isso não pode estar certo, não...

O advogado meneou a cabeça negativamente.

— Senhora Hendrix, eu lhe asseguro de que os papeis estão corretos sim. A senhorita Porter escreveu o testamento há poucas semanas, e foi bem específica nesse ponto. Ela queria que você ficasse com a administração da instituição. Como a senhora deve saber, a Seoung’s Voice não gera nenhum tipo de lucro, mas consegue se sustentar.

— Eu estou familiarizada com tudo isso, senhor...?

— Walker.

— Walker. — Tina repetiu. — Eu ajudo a Grace com a instituição já há bastante tempo, sou voluntária e tudo mais. Mas isso me parece tão... Repentino.

O homem à frente da mulher cruzou os braços.

— Bom, talvez seja. Mas o fato é que a senhorita Porter escreveu esse testamento na plenitude de suas faculdades mentais, e esse era o seu desejo. A pergunta agora é: a senhora aceita a administração da Seoung’s Voice?

Tina não sabia direito o que dizer. Suspirou e pediu a Deus que lhe desse sabedoria.

E então decidiu-se. Colocou as mãos em cima da mesa, abriu um largo sorriso, e disse:

— Nada nesse mundo me daria mais prazer do que continuar a obra da Grace.

x-x-x

Fazia um atípico calor naquele dia de outono.

As crianças brincavam no pátio da instituição, correndo por todos os lados. Tina estava sentada em um dos bancos de madeira, fazendo tricô, como de praxe. Ao lado dela, duas garotas orientais e funcionárias da Seoung’s Voice conversavam sobre um assunto qualquer que a mulher não dava muita importância.

Apenas um pensamento tomava conta de sua cabeça. A única coisa que a impedia de aproveitar o melhor momento da sua vida. O segredo.

Cassiel brincava com Jamal e outras duas crianças da instituição, jogando bola. Ao lado dele, Roger, amigo de Erika e Marissa, estava sentado no chão penteando os cabelos de Julia e lhe fazendo uma minúscula trança que caía por cima de seus ombros. Tina abriu um largo sorriso diante daquela cena. Ver Roger e Jamal ali, juntos, lhe dava uma certeza. A certeza que acalentava seu coração e lhe trazia alguma paz.

O amor não dependia de laços sanguíneos.

Roger se apaixonara por Jamal desde a primeira vez em que o viu sob os cuidados de Erika e Marissa, e decidira, após a morte da editora, tentar adotá-lo. Não fora difícil. Apesar de o garotinho sentir tremendamente a falta das mulheres, ele gostava do homem. O conhecia de outras ocasiões, e sentia-se seguro com ele. Pra lá dos quarenta, Roger tinha a estabilidade emocional e financeira necessárias para ser um bom pai para o garotinho.

Ser pai vai além da biologia, Tina pensou. E Cassiel era um bom pai para Julia. Melhor do que Paul jamais teria sido, disso ela tinha certeza. Seu filho mais velho fora o melhor homem que ela já conhecera em sua vida, mas Cassiel amava a garotinha com tanta intensidade que não havia dúvidas de que aquele segredo deveria ir com ela para o túmulo.

A mulher nunca descobrira direito como acontecera. Imaginara, desde o princípio, que Katie realmente amasse Cassiel. Pensara as melhores coisas dela, e a julgara perfeita para o seu garotinho. Mas então ela lhe traiu a confiança. Não só ela, mas Paul também.

Tina lembrava-se claramente do dia em que descobrira a traição dos dois. Fora um dos piores dias da sua vida. Não apenas pelo fato de que o filho e a nora estavam fazendo algo tão horrível contra Cassiel, mas também pelo fato de que ela sabia que teria que compactuar com aquilo. Ela não poderia jamais contar sobre aquela traição. Cassiel não suportaria, Tina tinha certeza.

Ele é o pai da Julia. Não importa o que os exames digam. Essa menina já perdeu a mãe, ela merece ter um pai. Cassiel é seu pai, não Paul. O Paul é o seu tio, que está olhando e zelando por ela lá de cima.

Cassiel virou-se na direção da mãe e abriu um sorriso. Ele estava completamente vermelho e suado pela brincadeira com as crianças, mas divertia-se tremendamente. Em seus olhos Tina viu uma alegria que não via há mais de dois anos, quando ele se preparava para ir para a Síria. Em seus olhos havia felicidade, alegria.

Havia esperança.

x-x-x

O barulho da água do chuveiro caindo dentro da banheira era música para os ouvidos de Cassiel.

O militar estava parado na frente do espelho completamente nu, contemplando suas cicatrizes. Seu corpo de mais de um metro e oitenta era totalmente marcado por manchas escuras e vergões eternos. Foram queimaduras, cortes, arranhões. Dois anos de marcas corporais. Dois anos de sofrimento e solidão. Dois anos de inferno na Síria.

Apesar disso, assustava-se com o fato de que aquela experiência não o marcara tanto quanto a lista da morte. Não fisicamente, é claro, mas emocionalmente. Ele sentia que perdera muito mais nas semanas que se seguiram à sua visão no Roar Zoo do que nos dois anos em que ficou cativo. Era estranho pensar aquilo, mas era a verdade.

Seu rosto, até então a única parte do seu corpo livre das cicatrizes, agora também estava marcado. Seu globo ocular esquerdo se tornara uma imensidão branca, onde quase não se via mais a sua íris azul celeste. Cassiel não se importava muito com aquilo. Incomodava-lhe o fato de que a sua aparência causava certa surpresa nas pessoas, mas aceitara sua nova condição com certa naturalidade. Assim como as cicatrizes de seu corpo, ela fazia parte de quem ele era. Era a cicatriz da batalha mais feroz que ele enfrentara em toda a sua vida.

A Crystal gostaria dela, eu tenho certeza. Gostaria do meu olho assim como gostou de todas as minhas outras cicatrizes.

Além disso, era divertido usar um tapa-olho durante o treinamento dos recrutas.

Cassiel fora recolocado na corporação. Por conta de sua cegueira de um olho, porém, ele não estava mais apto ao campo de batalha. No começo doeu-lhe perceber que havia perdido a sua utilidade como soldado, mas então percebeu que aquilo não era verdade. E daí se eu não vou mais combater com uma arma? Eu tenho experiência. Isso precisa servir para alguma coisa.

E servia. O General Armstrong o recebeu de bom grado de volta à corporação. Quando Cassiel lhe contou sobre a sua ideia, o superior achou-a fantástica. Sabia do valor moral daquele homem. Sabia o que ele poderia trazer para os recrutas. Seria uma imbecilidade negar seu valor.

O militar agora era o responsável por treinar os soldados que estavam prestes a ir para a guerra. Veterano da Guerra Civil da Síria, tinha mais experiência do que noventa por cento dos homens da corporação. Havia enfrentado e sobrevivido a muito mais do que a maioria daqueles rapazes jamais enfrentaria em suas vidas inteiras. E ainda bem, pensou.

A água do chuveiro continuava a cair, enquanto Cassiel Hendrix continuava parado na frente do espelho.

Bufou. Deu dois passos e então entrou na banheira. Sentiu a água escorrendo por seu corpo e agradeceu a Deus pela dádiva de um banho quente e uma vida cheia de esperanças.


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Notas finais do capítulo

Nos vemos na próxima, eu acho hahaha o/



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