Mimos De Madrugada escrita por Ana Barbieri


Capítulo 1
Mimos de Madrugada




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Mimos de Madrugada

            Existem certas peculiaridades inerentes ao casamento quando o cônjugue em questão é ninguém menos do que o mais pomposo detetive da Inglaterra, é claro que estou me referindo a Sherlock Holmes. E sim, eu sei que muitos já estão familiarizados com as esquisitices dele. A senhora Hudson está, Mycroft sempre esteve, John está e eu estou. Estou? Sim, estou. Contudo, ainda há momentos em que a mente mais brilhante de Londres consegue surpreender sua esposa. Ele pode negar até seu último suspiro, mas acredito piamente que tem planejadas em um caderninho todas as formas possíveis de me irritar. Apesar de que, depois de quatro anos de casamento, existam poucas coisas que ainda me façam ficar realmente irritada com ele.

            Ilustrarei aqui, nesse pedaço de papel de um dos antigos diários de John que ele acidentalmente (ou não) deixou para trás em sua mudança, uma ocasião em que a irritação que estava sentindo para com meu marido, levou a uma situação extremamente prazerosa... Pedaço de papel, eu realmente espero que a senhora Hudson nunca o leia.

            Quando nos casamos, Holmes e eu fizemos um acordo. Acordo este que não adiantou de muita coisa, mas fingimos que sim. Nele, meu marido e eu concordamos que durante a resolução de um caso de extrema importância, nós não trocaríamos palavras e/ou gestos apaixonados, não nos beijaríamos e se houvesse como, nem dormiríamos na mesma cama. Por sorte a nossa senhoria interveio e disse que colocar um colchão extra no quarto dela para mim sob essas circunstâncias era demais. Enfim, agiríamos como perfeitos estranhos e nos trataríamos apenas pelo costumeiro “Holmes” e “Bergerac”.

            Entretanto, como eu já disse, esse acordo era tão ridículo e impossível para ser cumprido quanto insistir com Lestrade que uma mulher pode usar uma pistola melhor do que um homem. Mais uma vez, contudo, meu marido insistiria em manter sua palavra e negaria até o último suspiro (ou ao menos em público) já tê-lo desrespeitado. Portanto, meu caro pedaço de papel esquecido pelo Dr. Watson, estou aqui, para registrar em você a verdade. A prova concreta de que Sherlock mente e é capaz de ceder ao seu instinto mais primitivo, que é me atacar quando estou desprevenida.

            Era madrugada e a temperatura em Londres não estava tão baixa quanto costuma ser, eu estava dormindo no nosso quarto quando de repente o violino começou a tocar. Não sei que ímpeto me levou a correr as mãos pelo lado dele da cama, afinal, só havia um ser humano louco o bastante para acordar àquela hora para fazer um solo de Schubert. Holmes. Eu praguejei em sussurros inaudíveis enquanto vestia meu hobbie e descia as escadas até o primeiro andar. A sala estava anárquica, da maneira que somente meu marido conseguia deixá-la... lembro-me de como a senhora Hudson ficou zangada na manhã seguinte.

            Ainda assim era compreensível. Holmes estivera trabalhando num caso de roubo bastante peculiar. Ao que parecia, alguém havia roubado um colar de diamantes muito precioso de uma viúva dos bairros prestigiados de Londres, e estava devolvendo pedra por pedra junto a uma charada a cada entrega. A mulher era jovem e logo deduzimos uma piada passional de um amante não correspondido, para chantageá-la. Contudo, descobrir quem era tendo tão poucos fatos a nossa disposição, refreara a cabeça de Sherlock por dois dias. Não era grande, mas suficiente para fazê-lo se recolher sempre depois de mim. Holmes estava sentado com o violino nos braços como se segurasse uma amante, e mesmo fula, não consegui conter um sorriso.

            _ Desse jeito você vai acordar o quarteirão inteiro. – comentei com uma das mãos apoiadas na maçaneta da porta e a outra na cintura.

            _ Não tenho sono. – foi sua resposta e sequer dignou-se a olhar para mim ao dá-la.

            _ E por isso todos nós vamos ter que pagar? Sabe como meu humor melhora em noites passadas em claro. – retruquei me agachando para recolher um pouco daquela papeleira. – Você reescreveu as charadas com a sua letra duas vezes cada uma? – indaguei ao analisar de perto o conteúdo das folhas.

            _ Achei que assim poderia fixá-las melhor na minha memória.

            _ Não me admira que não consiga dormir. – desdenhei, recebendo um olhar de aviso dele em troca. – Por St.George, Sherlock. Já está assim há dois dias! E embora eu esteja acostumada a sua falta de frequência nas refeições, havia me esquecido do violino nas suas madrugadas de busca pelo esclarecimento. Sabia que a sua ciência também explica que uma boa noite de sono é capaz de trazer muito esclarecimento também? E que se privar a sua esposa de uma, ela é capaz de voltar a cogitar em jogá-lo pelo Tâmisa?! – exclamei chutando as folhas para o alto e também os pés dele, quando me impediram de me aproximar devidamente do assento da poltrona.

            Ele já não me fitava mais, e sinceramente, era horrível quando não encontrava seus olhos no meio de uma discussão. Impetuosamente, então, puxei o violino das mãos dele (o que jurei nunca mais fazer desde que ganhei o meu) e, antes que ele o alcançasse, tranquei-o de volta na caixa.

            _ O que deu em você para questionar os meus métodos tão de repente?! – exclamou ele virando-me pela cintura para encará-lo.

            _ Não sei, vamos pensar. Talvez se esse fosse um caso complicado o bastante, importante o bastante para você se dar ao luxo de manter a casa acordada, eu não questionaria. Acontece, no entanto, Sherlock, que você e eu sabemos que isso não passa de um crime tolo e passional. Ele não fará nada com ela e nem com seu precioso colar de diamantes. E mais, se dermos sorte, ele entrega o colar inteiro até o fim da semana e nós nem vamos precisar nos dar ao trabalho de prendê-lo. Até mesmo o bandido tem a sensibilidade de não mandar caixas com diamantes às três da manhã para não ser um incômodo. – disse me mexendo freneticamente numa tentativa falha de me soltar. – Agora, quer fazer o favor de vir pra cama? Vai acabar se matando de tanto pensar! – finalizei já sem fôlego.

            Holmes bufou, cogitando a ideia de apontar o indicador para mim querendo dizer que ultrapassara uma linha, mas não o fez. Ao invés disso, soltou minha cintura e saiu com passos largos em direção ao quarto, ao passo que eu o seguia também de forma impassível e truculenta. Sem nenhum respeito, bati a porta depois que a atravessei e gritei um “Obrigada” bastante agressivo, tomando em seguida o caminho da minha penteadeira para me acalmar. Provavelmente teria furado a cama se tivesse ido me deitar de pronto. Enquanto meu marido se despia, eu retirava o hobbie e trançava meus cabelos numa tentativa de não começar uma discussão. Nem precisei.

            _ Infantil... Egoísta... Mima... – resmungava meu marido enquanto atirava suas roupas contra o chão.

            _ Se está falando de si mesmo, é melhor que o faça em voz alta. Adoraria acrescentar algumas palavras. – refutei sem me virando um pouco para encará-lo.

            _ Sabe, às vezes, eu tenho vontade de estrangulá-la pela sua prepotência, Anne Bergerac! Agindo como se nada fosse mais importante do que os seus interesses. Francamente, uma noite de sono a mais ou a menos nunca fez o humor de ninguém melhorar.

            _ Diz isso porque você está sempre ranzinza, Holmes. – retruquei.

            _ E como não haveria de estar?! – indagou pondo-se imediatamente atrás de mim. – Estou tentando resolver um problema o mais rápido possível e você age como se não fosse importante! Devo lembrá-la de que são esses casos que mantém este teto sobre as nossas cabeças? Muito bem que alguns são tão simplórios a ponto de zombar da minha inteligência, mas quando o assunto é quitar as contas, cada centavo vale.

            _ Pare de falar como se fossemos miseráveis ou ambiciosos por esmolas, odeio quando faz isso. – disse me erguendo agilmente da banqueta e me dirigindo para a cama. – Certo, seus casos pagam o aluguel e há momentos em que ficam escassos a ponto de nos preocupar, mas isso não o impede de ir a Ópera ou se proporcionar um pouco de prazer uma vez ou outra. Acima de tudo, você é um ser humano e precisa de descanso!

            _ É aí que você se engana, Bergerac! Eu sou apenas um cérebro. O resto é mero apêndice. – retrucou ele aproximando-se do meu lado da cama para me segurar antes que eu me deitasse.

            _ Ah, mesmo? Bem, digamos então que a sua definição para apêndice é muito estranha.

            _ Disserte, Anne. – insistiu ele ainda me segurando pela cintura.

            _ Dissertar? Pois bem. Quando no caso Stenpleton você foi um mero apêndice? Com certeza não ao me deitar na cama daquele hotel e me tomar para si. E mais uma vez na noite do dia em que nos casamos? Quando você voltou da sua falsa morte e subiu essas escadas me trazendo nos braços, hein? Quando durante todas essas ocasiões, e muitas outras, você foi um mero apêndice? E agora, aqui. – disse baixando o olhar para as mãos dele afundadas na minha cintura. – Desde quando um mero apêndice se daria a liberdade de ousar tocar tão... eloquentemente uma mulher?

            E então ele me atacou, jogando seu peso contra mim e me impedindo de expulsá-lo (mesmo que eu não quisesse) ao segurar meus braços acima da minha cabeça. Beijando-me com voracidade ao passo que eu ria por dentro por estar certa em minha teoria. Sherlock não era a máquina que dizia ser. Muito inteligente, e que ele nunca me ouça afirmando isso com essas palavras, mas não isento dos desejos carnais que subvertem a raça humana aos seus instintos primitivos. Então, ele deixou minha boca de lado por um instante, enquanto dava especial atenção ao meu pescoço.

            _ Anne... você está... – murmurou quando subiu a mão pelas minhas pernas e percebeu que eu não usava nada além da camisola.

            _ Ora, está quente. E nem venha me acusar de nada, como se eu tivesse planejado tudo isso. – retruquei na defensiva.

            _ Eu jamais duvidaria da sua palavra, senhora Holmes. – ironizou ele sorrindo para mim antes de tornar a me beijar. – Não... nós temos um acordo. – interrompeu meu marido, me soltando para deitar-se do lado esquerdo.

            Bufei exasperada, ele me provocava e agora resolvia deixar para lá? Ah... às vezes ele se esquecia de com quem era casado. Sorrateiramente, me estiquei até o lado dele da cama e me apoiei com o cotovelo no travesseiro, deixando uma das mãos livre.

            _ É realmente uma pena que tenhamos concordado com isso. – comecei a dizer como se fizesse pouco caso da indiferença dele. – Mas sabe, Holmes, não acho que devamos fazer o juramento valer nesse caso. Quer dizer, quando foi que realmente funcionou. O fato de termos auto controle suficiente para não nos atracarmos durante a resolução de um caso, bem, independe desse acordo. Afinal, como marido e mulher, é normal que queiramos brincar de vez em quando. – ponderei.

            _ Brincar? Foi isso mesmo o que eu ouvi, Bergerac? Você acabou de chamar de brincadeira o que fazemos nesse quarto? – inquiriu meu marido reprimindo uma risada.

            _ É, tem razão. Realmente não é o melhor termo. Particularmente, gosto de considerar tudo como um mimo, afinal, quantas vezes eu tenho a oportunidade de ser tratada com tamanho zelo se não nas vezes em que estamos sozinhos neste quarto? Nas minhas contas, ínferas vezes...

            _ Você vai mesmo se utilizar de chantagem psicológica, Anne? – indagou meu marido agora sem conseguir reprimir o riso. – Nunca pensei que fosse tão baixa.

            _ Nem eu. Sinceramente, acho que existem outras táticas melhores, mas às vezes penso nos efeitos que teriam sobre o seu ego. – comentei com um sorriso matreiro.

            _ Quais táticas? – perguntou meu marido, virando-se um pouco de lado para me olhar nos olhos.

            Mais do que depressa, puxei um de seus braços, prensando-o sobre o travesseiro, à medida que lutava para conseguir agarrar o outro. Quando finalmente consegui vencer uma luta de pernas com meu marido, fitei-o com um sorriso vitorioso ao passo que ele fitava-me ameaçadoramente.

            _ Eu atacar primeiro. – disse respondendo à pergunta dele, abaixando meu rosto à altura do pescoço dele para beijá-lo ali, até que senti seus braços relaxados sob minhas mãos. – A não ser que você ainda queira manter o combinado. – provoquei tornando a fita-lo nos olhos.

            _ Parece que não tenho escolha senão satisfazê-la, minha querida. – respondeu preparando-se para levantar.

            _ Sábia decisão. – ponderei ainda mantendo-o em baixo de mim, agora tomando o caminho até sua boca. O engraçado é que, mesmo correspondendo inteiramente ao beijo, Holmes ainda tentava encontrar uma maneira para se livrar de mim e ficar por cima. Ai, a necessidade masculina de dominar a mulher na cama... nunca entenderei. Mas, confesso, era o que tornava tudo mais divertido. – Parece que estou ganhando. – comentei entre um beijo e outro.

            _ Você só está colocando mais peso contra mim do que de costume, minha querida, só isso. – retrucou ele conseguindo se livrar das minhas mãos, enlaçando-me pela cintura e conseguindo finalmente se por sobre a minha pessoa. – Agora sim.

            _ Eu não ouvi bem ou você realmente acabou de me chamar de gorda, Sherlock Holmes?! – exclamei enquanto ele ainda dava atenção ao meu pescoço.

            _ Eu não colocaria nesses termos, mas, se quiser... – gracejou ele descendo a linha de beijos até o meu peito.

            _ Ora, seu... – murmurei, conseguindo passar meus braços pelo pescoço dele quando voltou para a minha boca e em seguida, tornando a ficar por cima. – Não tem vergonha? Eu? Gorda?

            _ Não se ilude ao ponto de acreditar que é totalmente desprovida de carne, não é?

            _ Carne, sim, mas você deu a entender que...

            _ Então vou me fazer mais claro. – interrompeu ele voltando a se colocar sobre mim e beijando toda a pele exposta que eu ostentava. – O seu corpo e a quantidade de carne e massa que ele ostenta, são perfeitos para mim, minha cara Bergerac.

         Continuamos aquele jogo de rolar pela cama e tentar dominar um ao outro por mais algum tempo, até que realmente só houvesse a carne exposta de ambos e não mais frases completas, mas apenas palavras incompreensíveis de provocação e sons de prazer. De fato, naquelas horas eu admitia o quanto a vida de casada me caía bem, entre os lençóis amarrotados, os apertões, as mordidas, os beijos, os sussurros de “eu te amo” em francês (sempre dele, nunca meus... o ódio pelo país era maior do que qualquer coisa.)

            Ah sim, aquelas eram as únicas circunstâncias que permitiam que eu deixasse o Pomposo Detetive ganhar uma discussão.


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Notas finais do capítulo

Eu não consigo por em palavras o quanto foi difícil para mim colocar essa cena no papel. Sério, Sherlock e Anne são quase puritanos para mim, kkkkkkk, mas eu tentei fazer o mais fiel, divertido e romântico possível. Desculpem se não ficou de acordo com as expectativas de vocês, meus amados. Culpem a mente jovem da autora de quando os criou e que não consegue evoluir com relação a eles, mas consegue com outros personagens... Bem, de qualquer forma, espero que gostem. Deixem reviews, ok? Bjoooos!