Sob A Lua Violeta escrita por Min Lunera


Capítulo 3
Unidos pela Tragédia


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal, tudo bem? :)
Muito bem, cá estamos nós com o terceiro capítulo de SaLV. Sabe, eu acho que pararei de estimar quantos capítulos escreverei porque, a cada vez que eu escrevo, sinto que está mais extenso. HUAHUAHUAHUA' brincadeira, já ta na reta final de verdade verdadeira. (y)
Muito bem, desfrutem dele e até a próxima. o/



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Ansur pensou em censurá-la, porém a jovem ruiva estava com a expressão facial tão abatida que era convincente que Julieta estava profundamente envergonhada por quebrar o trato feito entre seu grupo quando chegaram a Embrere. Então, para evitar mais constrangimentos, o germânico apenas disse para o grupo, antes do café da manhã:

               -Não quero mais saber de passeios noturnos. Se quiserem alguma coisa da vila, saiam de dia.

               Os três jovens apenas menearam as cabeças e desceram as escadas em silêncio. À mesa, Júpiter lançou um olhar preocupado para a irmã a fim de verificar suas feições e reparou que, além da expressão cabisbaixa, Julieta tinha olheiras e os lábios levemente curvados de um jeito amuado.

               O silêncio entre o quarteto estava pesado. O mais velho decidiu quebrar o gelo e perguntou:

               -Bem... Vocês sabem por que o senhor Maht foi morto?

               Julieta sabia da resposta, entretanto não se sentia a vontade para falar. Os dois rapazes presentes apenas murmuram que não faziam ideia. Ansur suspirou:

               -Como já era de se esperar, aqui está repleto de pessoas que padecem de maldições e a demanda é muito maior que a disponibilidade de Pedras da Lua. Tenho a hipótese de que ele também era um amaldiçoado e foi exterminado para diminuir a “concorrência”.

               A ruiva finalmente se intrometeu:

               -Na verdade, ele possuía informações sobre um amaldiçoado. Ele era uma pessoa comum.

               Os olhos azuis do homem pairaram na adolescente e ele questionou:

               -Será que era uma pessoa comum mesmo? Aliás, de onde você tirou essa informação?

               -Um dos assassinos que extinguimos na noite passada deixou essa informação escapar. Acho que ele imaginou que conseguiria se livrar de mim e o assunto morreria por ali. – Julieta respondeu séria. – Provavelmente, Juan foi interrogado de um jeito cruel e o exterminaram para que ele não relatasse detalhes sobre o criminoso que o torturou. Ou melhor, sobre o grupo de assassinos que está entre nós além dos próprios desesperados. – ela pôs as mãos sobre a mesa e olhou para os outros dois: - E escutem o que eu digo, certamente aqueles seis que apareceram para nós não são nem metade do grupo inteiro. Eu sinto isso.

               Ansur apoiou o queixo numa das mãos e admitiu:

               -Sua intuição tem se tornado sensível demais, ultimamente. Então, tenho que dizer que não duvido de você. Mas, tem que ser mais atenta, criança. – logo, o assunto que estava sendo evitado foi trazido à mesa: - Mesmo que seu espírito seja o próprio Dragão Vermelho, você é uma garota que tem muito que aprender ainda. Não que eu esteja lhe subestimando, você sabe disso, mas sempre contar com Rubro não pode ser uma boa ideia.

               Chad intrometeu-se e complementou:

               -Quanto mais você entra em contato com ele, mais ele se liberta dos grilhões espirituais.

               A garota suspirou e abaixou a cabeça novamente:

               -Eu sei disso. Mas, eu precisei agir daquele modo. Só lamento que tenha estragado o plano. Como sempre, eu... – parou repentinamente de falar e fechou os olhos, inspirando o ar profundamente. Julieta detestava aquele seu lado impulsivo e, outra vez, sentiu o peso da culpa cair pesarosamente sobre suas costas, aumentando sua ansiedade e preocupação com todos.

               Júpiter tocou em suas mãos e repetiu:

               -O que importa é que você está viva e todos nós estamos bem. O plano não foi por água abaixo de uma vez só. – fitou Ansur de jeito esperançoso: - avistaram um dragão voando, mas não uma garota ruiva se transformando nele.

               O germânico ouviu aquilo e apenas retraiu os lábios num gesto de incredulidade sobre a visão do garoto de cabelos castanhos. A menina levantou-se da mesa e suspirou:

               -Bem, eu voltarei para o quarto.

               Chad franziu as sobrancelhas e perguntou confuso:

               -Mas, você não quer treinar um pouco conosco no campo? Pegue a Galadhion e vamos nos divertir! – terminou a frase com um sorriso astuto.

               Julieta esboçou um meio sorriso forçado e recusou o convite:

               -É tentador, mas meu corpo está muito dolorido. Acho que descansarei por hoje para amanhã estar em forma para futuros imprevistos. Com licença, pessoal. – e se retirou.

               Ao subir as escadas, Julieta encontrou-se com a jovem Francis. A garota sorriu simpaticamente e a cumprimentou:

               -Bom dia! – ela carregava algumas roupas de cama dobradas.

               Educadamente, a outra respondeu num murmúrio e com um sorriso tímido:

               -Bom dia. – ao passar pela auxiliar da estalagem, desfez imediatamente o falso sorriso e abriu a porta do aposento.

               O dia estava claro, sem resquícios de nuvens no céu como o dia anterior. Julieta moveu-se na direção da janela e espiou o movimento da rua: pareceu que as pessoas desistiram de trocar os horários de sono e ela estava bem mais movimentada do que quando a menina acabara de chegar à vila. A ruiva puxou a cortina de renda amarelada e sentou-se na cama de frente para a porta. Suspirou e fechou os olhos, se recordando imediatamente dos fatos mais marcantes que foram vivenciados nas últimas horas.

               Após o confronto com o grupo de assassinos mascarados e Julieta retornar à sua forma humana, tanto os embrerianos quanto os terráqueos presentes se uniram e pensaram em como retornar para a estalagem sem chamar muita atenção, pois, graças ao Dragão e grifo barulhentos, as pessoas tornaram-se mais sobressaltas e, provavelmente, a Guarda de Naoro logo investigaria aquele caso também. Julieta não se feriu gravemente, porém seus braços e clavícula, que eram as partes de seu corpo que viviam mais expostas, estavam com muitas marcas de arranhões.

               Imediatamente, Valquíria se dispôs para ajudá-la a se recuperar e, por a feiticeira estar exausta, nem todas as marcas do corpo da jovem sumiram, mas foi o suficiente para aliviar a dor. No final das contas, tiveram a ideia de se mover para outro ponto do campo e esperar as horas se arrastarem até terem certeza que poderiam entrar novamente na vila num momento mais tranquilo. De fato, deu certo: após aturarem Mortty reclamando do frio e dos pernilongos, voltaram para o povoado que estava pacífico novamente. Já eram as primeiras horas da madrugada e os poucos transeuntes de antes se retiraram imediatamente para suas casas após as ordens dos guardas. Então, escoltando a ruiva que estava envolta apenas por uma extensa capa negra, todos voltaram juntos para a estalagem e se instalaram em segurança novamente.

               Julieta sentia-se envergonhada: apesar de seu espírito se conturbar na presença do necromante e do bardo do outro grupo, ela reparou que ambos ainda carregavam a essência da nobreza humana. Entre os resmungos de Mortty, ele demonstrava vagamente que se preocupou com ela – por mais que ele fizesse caretas diante de tudo o que ela dizia – e Yahiko era um verdadeiro cavalheiro – embora, a garota houvesse reparado que ele tinha fortes inclinações para ser um galanteador de primeira linha. Mas, estava tão envergonhada e assustada com os últimos incidentes que mal conversou com o bardo, que, diferente do necromante, não tinha escrúpulos em demonstrar interesse pelo caso dela.

               Talvez, pudesse se iniciar uma amizade ali ou um simples elo cheio de interesses em comum.

               Julieta saiu de seus pensamentos quando, de repente, escutou um baque aos pés da janela. Ao virar de costas, se surpreendeu com Takeray rente ao chão. Ao reparar que a adolescente o fitava com curiosidade, ele miou e pulou em cima de sua cama sem receios:

               “Olá” ronronou.

               Apesar de saber que era comum compreender os animais desde que teve seu primeiro contato com Rubro, Julieta sentia um pouco de medo em conseguir entendê-los plenamente tanto quanto os seres humanos. Deu um meio sorriso e respondeu:

               -Olá, pequeno.

               “Eu soube que ontem vocês enfrentaram uns criminosos perigosos e você quase morreu. Está melhor agora?” o gato meneou a cauda.

               A garota franziu as sobrancelhas e retificou:

               -Ei, eu não quase morri. Apenas me machuquei... – olhou para as mangas compridas da túnica, que a salvavam de olhos curiosos sobre suas cicatrizes.

               Taky deitou-se na cama de barriga para baixo:

               “Ah, normal. Rikko vive se metendo em confusão também. Ele estava preocupado com você”.

               -O “Rikko” que você se refere é o Yahiko? – Julieta finalmente associou o apelido ao nome.

               “Isso” Taky miou. O felino astuto sugeriu: “Seria uma boa ideia vocês conversarem, acho que seriam bons amigos”.

               -Você acha que Mortty seria um bom amigo também? – ela estendeu a mão e acariciou a cabeça do gato.

               O gatinho miou estranho e se levantou:

               “Aquele lá não serve nem pra colega...”.

               Julieta estalou a língua e se levantou:

               -Não fale assim. Ele deve ter motivos pra ser daquele jeito.

               De repente, o gato e a humana ouviram alguém bater à porta. Julieta levantou-se e a abriu parcialmente. Pela fresta, Takeray se arrastou graciosamente para fora e a garota deu de cara com o próprio bardo, que sorriu gentil e a cumprimentou:

               -Bom dia, senhorita. Dormiu bem? – olhou de relance para o felino que se afastava e comentou amistoso:  - Pelo visto, Taky gostou de você.

               Julieta continuou no mesmo canto sem mover mais um centímetro da porta para trás e respondeu:

               -Acho que posso dizer que dormi o suficiente, obrigada. E sim, ele é uma graça. – riu fraco.

               Rikko cruzou os braços e meneou a cabeça:

               -Ninguém resiste aos caprichos desse gato. – pigarreou e por fim disse: - Ansur disse que você não estava se sentindo bem e decidiu ficar no quarto hoje. Ainda está com dores? Val avisou que, se você quiser, ela pode ajudá-la devidamente agora.

               Julieta abaixou os olhos:

               -Eu estou bem. Quer dizer... – na verdade, outra vez ela sentia insegurança em expor o que pensava e sentia.

               O jovem reparou na oscilação dela e inclinou a cabeça:

               -Quer conversar sobre isso? Se não quiser, tudo bem. Mas, já de antemão gostaria de dizer que você não está sozinha nessa jornada, jovem dama. Eu te entendo perfeitamente.

               “É, um gatinho me contou isso...” Julieta sorriu involuntariamente ao pensar naquilo e abriu mais a porta:

               -Sem problemas.

               O bardo se inclinou para a extensão do corredor e a chamou:

               -Vamos dar uma volta pelo quarteirão e respirar um pouco de ar fresco. – disse à parte: - Os quartos daqui não são muito arejados.

               Os dois andaram por um bom trecho em silêncio. O bardo fitou a jovem ao lado, discretamente, e notou que ela apertava as mãos à frente do corpo com intensidade e mantinha a cabeça baixa. Nem parecia que aquela era a mesma garota do dia anterior, que respondia e encarava todos de cabeça erguida e com firmeza.

               Ora, Julieta tinha apenas quinze anos. Por mais que tentasse transparecer maturidade para alguém tão jovem como ela, aquela ruiva ainda era uma rosa com pétalas vagamente entreabertas: todos viam que, quando ela deixasse as feições infantis, se tornaria numa verdadeira bela e sábia mulher, porém ainda não era chegado aquele tempo.

               Por fim, o rapaz que tinha olhos verdes como ela a questionou:

               -Você ainda se sente mal por ontem, jovem dama?

               Julieta suspirou e manteve os olhos baixos:

               -Se eu não fosse tão teimosa, isso não teria ocorrido. Eu sempre ajo por impulso e isso sempre acaba resultando em confusão. Mas, dessa vez, parece que me superei, pois não bastou trazer dor de cabeça aos meninos, mas a você e aos outros também. – ao desabafar e expor seu sentimento de culpa, ela fitou o rosto de Rikko cheia de vergonha e murmurou com voz quebrada: - Desculpe.

               Ambos pararam de caminhar e ficaram um de frente para o outro. O bardo respondeu nada, apenas manteve seus olhos sobre a menina, enquanto Julieta sentia que o nó de sua garganta tentava se desatar juntamente com o choro, que ela reprimia enquanto continuava a conversar:

               -Eu fiz um pré-julgamento muito egoísta sobre você e Mortty quando os vi pela primeira vez e temi que, de alguma forma, descobrissem quem eu sou de verdade. No final das contas, eu mesma entrei numa enrascada e vocês ajudaram meu primo e meu irmão a limpar a bagunça que a idiota mestiça fez outra vez. De verdade, obrigada e desculpe. – abaixou o tom de voz e secou as teimosas lágrimas que brotavam de seus olhos. Ela estava extremamente nervosa e o convite para sair feito pelo bardo a fez ter mais raiva daquele medo estúpido que a fez se afastar na noite passada e o resto vocês já sabem o que aconteceu.

               Um pequeno silêncio se instalou outra vez até Yahiko sorrir docilmente e pousar uma de suas mãos sobre a cabeça da menina:

               -Você é, de fato, uma pequena grande dama. Não há necessidade de se cobrar tanto, você é muito nova. Realmente, é uma garota forte, mas não está no seu melhor ainda. Ajudamos vocês porque deduzimos que eram pessoas de bem. E você, senhorita, tem um coração imensamente grande. Não se permita preenchê-lo com rancor, mágoa ou medo, pois eles são irracionais. Eles destroem os humanos com mais eficiência do que armas... E não quero que te destruam como destruíram boa parte de mim. – sua voz tornou-se fria e distante naquelas últimas palavras.

               Julieta ergueu os olhos para ele e notou que, apesar da mudança do tom de voz, Rikko mantinha o sorriso gentil. Ela sorriu de volta e o bardo não perdeu a oportunidade de dizer:

               -Um sorriso combina bem mais com você do que lágrimas. – piscou um olho. – Nós conseguiremos o que é nosso por direito, não há necessidade de guerras.

               Julieta pigarreou, cruzou os braços e franziu as sobrancelhas:

               -E vejo que parte de minha intuição acertou, você é tão talentoso com as palavras que pode encantar os outros apenas com sua voz. Manipulação não deve ser um trabalho difícil para você, não? – suspirou, voltou a caminhar e se referiu à segunda parte da fala do bardo: - Há muitos aqui que não pensam assim. Amanhã não será fácil.

               “Ela tem o mesmo senso crítico que Valquíria. Realmente, não será qualquer uma...” Rikko analisou em pensamentos e se dispôs a caminhar ao lado dela novamente:

               -Mas, nem todos são assassinos. Se pudéssemos descobrir quem exatamente está por trás disso tudo, podemos deter mais tragédias.

               A garota arqueou uma sobrancelha:

               -A própria Guarda não pode cuidar disso?

               Yahiko riu sarcástico:

               -Eles apenas encenam que fazem alguma coisa.

               -O que pretende fazer, então? – Julieta perguntou interessada.

               Ele a fitou de jeito misterioso e murmurou:

               -Eu descobri onde a viúva de Juan Maht vive. Acho que fazer uma visita a ela seria uma boa ideia.

               Julieta arregalou os olhos e indagou:

               -Quer interroga-la?

               Rikko encolheu os ombros e respondeu indiferente:

               -Talvez ela tenha mais informações do que os próprios assassinos e não queira falar. Quer ir comigo?

               A ruiva olhou para o caminho de paralelepípedos que se estendia diante deles e pensou. Logo voltou seu olhar para ele novamente e respondeu:

               -Como estou me sentindo em débito contigo, acho que não tenho muita opção. – sorriu de lado.

               A ruiva e o loiro chegaram diante da escadaria estreita que levava para o lar da senhora Maht. Aquele corredor tinha cheiro de mofo e alguns camundongos se arrastavam pelos buracos das paredes das laterais. Rikko olhou para Julieta e riu:

               -Não falarei “primeiro as damas” porque isso aqui está decadente. Eu vou à frente.

               Julieta brincou:

               -Só não pise em falso e caia sobre mim, por favor.

               Os dois subiram os degraus e andaram por um curto e estreito corredor até pararem de frente à porta da casa. Era uma porta de tábuas de madeira clara. O bardo bateu com leveza e intensidade na madeira e, sem tardar, apareceu uma cabeça possuinte de cabelos castanhos claros na fresta e um par de olhos negros assustados:

               -Pois, não? – era a própria Anna.

               Usando um pouco de seu natural dom de persuasão, Rikko conseguiu convencer a mulher a deixa-los entrar. O cômodo em que puseram os pés parecia ser uma pequena e humilde sala. A dona da casa sentiu-se desajeitada em recepcionar visitas assim, pois ainda não estava com a cabeça no lugar para voltar à sua rotina de pessoa organizada. Envolta por um longo xale negro, Anna meneou a cabeça na direção de dois catres e pediu para que Yahiko e Julieta se sentassem.

               -Querem chá? Desculpe, eu não sabia que receberia visitantes tão cedo. – a mulher disso atenciosa.

               Julieta sorriu e meneou a cabeça num gesto negativo:

               -Não há necessidade, muito obrigada. Já tomamos café.

               -Pois, bem... – a viúva sentou-se num catre à frente deles e encarou Rikko: - O que desejam, então?

               Logo o bardo chegou ao ponto:

               -Primeiramente, nossos pêsames pelo falecimento de seu esposo, minha senhora. Segundo, gostaríamos de fazer algumas perguntas, se não for incômodo.

               Anna tornou-se alarmada com aquelas últimas palavras e murmurou os olhando com suspeita:

               -Vocês, por acaso, não fazem parte da guilda de assassinos Lobos da Tormenta, certo? Porque se forem, quero que saiam agora ou eu chamo a Guarda!

               Rikko pediu:

               -Se acalme senhora Maht. Não somos assassinos. Apenas queremos ajudar a Guarda de Naoro a descobrir quem está por trás disso tudo.

               Usar esse argumento foi o suficiente para Anna voltar ao estado de antes. Ela revelou inocentemente:

               -Sério? Eles ainda não vieram para eu prestar meu depoimento.

               “Por que será que não me surpreende isso?” Yahiko pensou. Julieta interviu e questionou:

               -Senhora Maht, o que essa guilda tem a ver com seu marido?

               Anna abaixou os olhos e dispôs as mãos sobre o colo. Suspirou e murmurou:

               -Acho que a frase “nós colhemos aquilo que plantamos” é levada à risca desde sempre, não? Quando meu esposo era mais jovem, ele se envolveu com essa guilda a fim de vingar a morte do pai, que também foi assassinado friamente. Entretanto, os anos se passaram e ele não quis mais fazer parte ao reparar que se meteu num mundo extremamente podre e infernal. Foi quando nos conhecemos. Apesar da Lobos da Tormenta ser formada pelos piores demônios em forma de humanos, ele fez amizade com uma pessoa que também caiu nesse lado obscuro da vida por um erro e os dois fugiram de lá.

               -Como assim “fugiram”? – Rikko quis saber.

               Anna ergueu os olhos:

               -Eu não sei exatamente. Ele sempre me contou assim. De qualquer forma, já estavam no encalço dele e desse amigo há muito tempo. Mesmo mudando todo seu estilo de vida, finalmente o encontraram e... – a viúva fechou os olhos com força e se calou.

               Julieta sentiu-se mal a vê-la sofrer ao revelar aquilo. Yahiko pareceu não se importar e continuou friamente:

               -A senhora tem informações sobre esse amigo dele?

               Anna respirou fundo e continuou:

               -Suponho quem seja, entretanto acho melhor eu não revelar a vocês. Desculpe. Na verdade, não faço isso por não confiar, mas há membros daquela guilda que leem mentes. Tanto que eu não quero sair daqui até isso tudo acabar. Se eles encontrarem vocês possuindo essa informação, talvez eu tenha deixado outra pessoa de bem padecer por erro meu.

               Julieta inclinou-se na direção da mulher e pediu:

               -Senhora Maht, se eles tentarem mais alguma coisa, se verão conosco. Por favor, nos conte quem é.

               Ao ouvir aquelas palavras firmes daquela moça de feições tão jovens, Anna sentiu-se um pouco mais segura. Então, ela revelou:

               -O nome dela é Francis. Ela parece ser uma jovenzinha inofensiva de catorze anos, mas, na verdade, é uma exímia assassina. Ou melhor, ela era. Caiu naquele mundo fétido por três anos após o padrasto expulsá-la de casa. A pobrezinha perdeu a mãe e logo em seguida aquele ogro fez isso com ela. – grunhiu. – Atualmente, ela tem trabalhado para a senhora Rosa, na estalagem dela. Rosa não sabe do histórico da menina, por sorte, senão ela estaria na rua novamente e só os deuses sabem o que aconteceria com ela.

               “Francis...” Julieta estatelou no catre ao recordar da menina andando pelos corredores da estalagem e trabalhando duro.

               Yahiko perguntou derradeiramente:

               -A senhora sabe se ela também é... Amaldiçoada?

               Anna meneou a cabeça:

               -Sim, ela é. Mas, faz mal a ninguém. Aliás, mais uma coisa: é confuso, porém essa garota apareceu na Lobos da Tormenta como um garoto. Ela tinha o cabelo muito curto naquela época e se aproveitou disso. Foi o que Juan me falou.

               Julieta e Yahiko se encararam por alguns segundos e repararam que já haviam conseguido informações mais que o suficiente. Então, se despediram da mulher e agradeceram pela hospitalidade e colaboração.

               Júpiter e Chad estavam deitados de barriga para cima sob a sombra de uma frondosa árvore. Suas espadas estavam cada uma ao lado de seus respectivos donos sobre a grama rala. O horário de almoço havia acabado há pouco tempo e a preguiça causada pelo estômago cheio e calor do sol predominava sobre a ideia de treinarem na mesma intensidade do que de manhã.

               De repente, o romano sentiu algo frio e pontiagudo lhe cutucar o pé. Num reflexo quase involuntário, ele agarrou sua arma, deu um salto e golpeou o misterioso adversário. Quando se deu conta, sua irmã que estava diante dele e bloqueou seu golpe com a lâmina da bela Galadhion.

               -Boa tarde, meninos. – ela sorriu.

               Chad não moveu sequer um centímetro do chão. Apenas murmurou preguiçosamente:

               -Ora, ora... Achei que não veria a senhorita aqui hoje. Já está melhor?

               Julieta girou a lâmina de sua espada no ar e rebateu:

               -Estarei melhor quando te derrotar hoje. Vamos logo, não vim aqui para vê-los em estado de profunda preguiça.

               O gaulês apoiou-se sobre os cotovelos, erguendo um pouco do tronco e moveu a cabeça num sinal de desdém:

               -Você acabou de chegar, ruiva. Fique quieta aí, ta bom?

               Julieta provocou:

               -O quê? Está com medo de apanhar e depois eu falar para Rhiannon que você não é tudo aquilo que ela imaginou?

               O loiro sentou-se imediatamente na grama e fez uma carranca:

               -Agora você pegou pesado, sua pestinha. – ergueu-se e censurou: - E parem de envolver a Rhiannon na conversa.

               Júpiter perguntou à irmã:

               -Onde você foi?

               A garota virou-se para ele e perguntou retórica:

               -Vocês retornaram à estalagem no horário de almoço? Eu saí com o bardo à procura de informações sobre os assassinos da noite passada.

               Chad apossou-se de sua arma e indagou:

               -Descobriram muita coisa?

               Julieta meneou a cabeça:

               -Sim, sim. Agora, tudo o que devemos fazer é esperar pela Lua Violeta. – retificou imediatamente: - Ou melhor, a única coisa relevante.

               Na estalagem, o bardo relatou aos colegas de grupo a mesma coisa que Julieta relataria mais tarde para os seus companheiros. Porém, o primeiro a ver a segunda provável vítima dos assassinos foi Rikko: Francis limpava o chão do corredor do andar superior quando o rapaz a encontrou. Ela ergueu a cabeça, sorriu e o cumprimentou:

               -Boa tarde.

               -Boa tarde, senhorita. – ele pensou em apenas responde-la e continuar seu caminho até o quarto como se soubesse de nada. Porém, o bardo deteve seus passos e a chamou sem olhar para trás: - Francis.

               A garota parou de limpar o chão e olhou para as costas dele. Balbuciou:

               -Pois, não?

               Rikko a fitou sobre o ombro e disse:

               -Não saia da estalagem amanhã. Fique a salvo aqui com a senhora Rosa. Se você quiser, tentaremos adquirir uma Pedra da Lua para você também.

               A princípio, a menina tornou-se extremamente surpresa e seu olhar se perdeu sobre o chão úmido. Por fim, ela ergueu os olhos brilhantes e agradeceu:

               -Não sei como você soube disso, mas... Obrigada.


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