Sob A Lua Violeta escrita por Min Lunera


Capítulo 2
Guerra entre Amaldiçoados


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal, tudo bem? Cá estamos nós com a segunda parte de "Sob a Lua Violeta". Eu estou deveras empolgada em escrever isso. Espero que a dona Inspiração fique até eu pegar no batente de PdG novamente. HUE
Enfim, espero que não tenha ficado monótono. A explicação por eu não conseguir mais escrever one-shots plenamente é que eu sempre quero detalhar demais. Sempre. Por isso que SaLV também ganhou três partes.
Enfim, chega de lágrimas, desejo uma boa leitura e até o último capítulo. :3



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As ruas, de fato, estavam animadas. Os desavisados certamente pensariam que já era o festival se não fosse pelo fato de que as decorações ainda estavam sendo montadas. Enquanto Erick e Samira se perguntavam quais flores combinavam mais com Mortty e ele os mandava para o inferno, Yahiko aproximou-se de Valquíria e indagou preocupado:

                -Você está melhor? Achei que ficaria na estalagem descansando. – ele soube do incidente do tropeço dela à tarde quando foi puxado à força para fora do quarto por Samira.

                Val o fitou e sorriu abertamente:

                -Eu estou maravilhosamente bem. Utilizando um pouco de magia e ervas medicinais, consegui me livrar da torção em menos de duas horas. Obrigada por se preocupar. Aliás... – abaixou o tom de voz e o sorriso sumiu parcialmente de seu rosto: - Você está bem?

                Rikko sorriu por sua vez e disse encantador:

                -Se você está bem, não há com o que se preocupar, bela dama.

                Val insistiu:

                -Pare com isso, eu sei que você anda muito preocupado, ultimamente. Eu... – emudeceu por um breve momento e depois complementou: - Eu só me preocupo com seu bem e também espero que tudo dê certo.

                O bardo fitou a feiticeira seriamente e Valquíria logo abaixou os olhos de um jeito perdido. Ele sentiu uma profunda vontade de pausar seus passos, abraça-la e dizer que tudo ficaria bem e que não precisava mais se preocupar, porém o contexto não permitia aquilo e ele sabia que sua sina sempre o impedia de se aproximar demais dos outros. Então, apenas esboçou um sorriso sem alegria no silêncio.

                Em outro canto, Julieta e Júpiter distanciavam-se da estalagem. Aos poucos, se misturavam no fluxo de pessoas e logo descobriram que o vilarejo não era tão abandonado quanto parecia: boa parte dos aldeãos estavam trocando o dia pela noite para prepararem a festa sob a luz lunar com o pretexto de que a Lua Branca traria bons fluídos para as festividades da Lua Violeta.

                Em meio a tantas pessoas, a ruiva esbarrou em um desconhecido. Ao virar-se para pedir desculpas, reparou que o indivíduo vestia uma longa capa negra de viajante e usava uma máscara que cobria parcialmente seu rosto. Ele não pausou seus passos ou virou-se para ela, demonstrando que não se importou com a trombada. Julieta o acompanhou com os olhos e notou que ele se uniu a um grupo de estranhos que tinham as mesmas roupas e máscaras que a dele. Quando ele chegou, o grupo todo prosseguiu seu trajeto e desapareceu na multidão.

A adolescente ficou tão intrigada com aqueles viajantes que não notou quando uma mão pesada pousou repentinamente sobre seu ombro e logo ouviu uma voz grave:

                -O que vocês estão fazendo fora da cama?

                Júpiter e Julieta saltaram de susto: ambos foram pegos de surpresa por Chad. Os dois olharam para ele num misto de espanto e raiva, mas pareceu que o gaulês não se importou com suas expressões faciais: ele estava sério e esperou um dos dois responder.

                O jovem romano balbuciou:

                -Foi ideia dela...

                 -Estamos apenas fazendo um passeio noturno inofensivo, Chad. – Julieta conseguiu respirar normalmente e respondeu.

                O loiro retirou as mãos dos ombros dos dois e murmurou:

                -É, imaginei. – sorriu: - Então, vamos juntos.

                A garota tornou-se perplexa:

                -Como assim? Ansur não te pediu...

                Chad riu e a interrompeu:

                -Ansur está dormindo como um neném. Eu também estou curioso sobre esses preparativos. Vamos. – se pôs na frente dos outros dois.

                Aproveitando o incomum fluxo de pessoas para aquele horário, um grupo de músicos se pôs a tocar na praça central a fim de ganhar algumas peças de cobre ou prata. Ao redor deles, muitos vendedores ambulantes se instalaram também e, o que era um vago ruído de vendas durante o dia, tornou-se uma verdadeira feira à noite.

Ao avistar os músicos, Mortty virou-se para Rikko e brincou:

                -Olhe ali seus colegas.

                O bardo emergiu de seus pensamentos e finalmente ouviu com clareza a música tocada. Outra vez, aquilo tornou sua alma viva e a sombra o deixou novamente. Samira agitou:

                -Ei, vamos nos aproximar mais e dançar como os outros. – ela se referiu aos visitantes e aldeãos desocupados que estava diante da banda se divertindo.

                Mortty resmungou:

                -Eu prefiro comer chocolate.

                Valquíria reparou que ali estava sua chance. Lançou um olhar amável para Rikko e perguntou:

                -Me concede a honra de dançar comigo, bardo, ou terei que procurar por outro par?

                Repentinamente, Mortty mudou de ideia (ao ouvir aquilo, claro):

                -Bem, talvez seja uma boa ideia dançar, afinal somos tão sedentários...

                Yahiko evitou rir do desesperado necromante nada discreto e meneou a cabeça:

                -Não precisa perguntar duas vezes, feiticeira. Você já imagina a resposta... – e os dois não esperaram os outros três e se foram na frente.

                Samira cruzou os braços com um sorriso de satisfeita e lançou um olhar brincalhão para Lee e Mortty. O elfo apenas riu e o necromante resmungou outra vez:

                -Bah, deveria ser eu... – de repente, seus olhos avistaram a reconhecível ruiva mestiça do outro lado da praça e ciciou: - Ora, ora, vejo que as crianças não foram dormir ainda.

                -Hm? – Erick não compreendeu. Olhou na mesma direção que o pessimista colega e logo sua mente tornou-se esclarecida: - Ah, você fala deles.

                Samira, que assim como Rikko não viu Julieta e os outros na chegada, perguntou curiosa:

                -Sobre o que vocês estão falando?

                O ruivo respondeu tranquilamente:

                -Sobre os novos hóspedes da estalagem onde estamos. Eles chegaram hoje trazendo Valquíria a tiracolo.

                -Ah, eles? – a ladina teve ideia do que eles quiseram dizer, porém ignorou a suspeita sobre a aversão de Mortty aos recém-chegados e sugeriu: - Vamos nos juntar a eles, então!

                O necromante cruzou os braços e fez uma carranca:

                -Receio que não seja uma boa ideia. Depois... – olhou para a direção onde Rikko e Val sumiram. – E quanto aos nossos dois bobões apaixonados que não admitem nunca?

                Samira o puxou pelo braço assim como puxou Lee e grunhiu:

                -Aff, deixe eles! Eu sei que você adora segurar vela, mas não será hoje, necromante.

                -Já te mandei ao inferno hoje, então... Vá para a puta que pariu. – Mortty desvencilhou-se da mão dela e apenas a seguiu a contragosto.

                -Se parece tanto com a Saturnália, mas de noite! – Julieta exclamou.

                Júpiter cruzou os braços e brincou:

                -Já está pensando em desaparecer no meio da multidão para eu te procurar de novo?

                A irmã estreitou os olhos numa tentativa falha de fingir uma zanga e riu:

                -Vá se catar.

                Chad pensou alto:

                -Quanto será que custa uma cerveja? Estou com sede.

                Júpiter deu os ombros e fez bico num gesto de quem não fazia ideia. A ruiva disse ao primo:

                -Beba água, é mais saudável.

                O loiro rebateu:

                -Meu corpo pede cerveja e eu não irei contrariá-lo.

                De repente, ouviram a voz de Mortty:

                -O meu vive pedindo por chocolate, mas todo mundo contraria. É muito triste. – quando os quatro novatos viraram-se para eles, o necromante forçou ser cortês: - Boa noite, senhores e senhorita.

                Samira foi indiscreta e disse para a jovem do grupo:

                -Ah, então você é Julieta? O nanico aqui não parava de falar em você. De fato, você é uma gatinha.

                -Cale a boca, Samira. – Mortty grunhiu vermelho.

                Julieta olhou para o outro grupo de modo estatelado e murmurou:

                -Ta bom, né... Esses são Júpiter e Chad. – moveu a cabeça para os rapazes que estavam cada um ao seu lado.

                -Prazer em conhecê-los, sou Samira, a ladina. – piscou um olho.

                Lee comentou:

                -Hoje foram tantas apresentações e nenhuma bebida. Alguém quer fazer uma vaquinha para uma rodada de cervejas?

                Os olhos do gaulês presente brilharam:

                -Agora você falou o meu idioma.

                Julieta fez bico e provocou:

                -Pinguço.

                Então, os terráqueos e embrerianos se moveram para uma taverna pequena, que ficava próxima a praça e conseguiram lugares para sentar do lado de fora. Júpiter e Julieta se olharam e aquilo foi o suficiente para ambos se recordarem: tomarem cuidado com as coisas que diriam.

                “Só espero que Chad não seja do tipo que, quando embriagado, fala tudo” a ruiva pensou olhando para o primo, que conversava animadamente com os novos conhecidos. De qualquer forma, ela não colocaria um pingo de álcool na boca apenas para vigiá-lo em sobriedade.

                -Fale onde ele está. – a voz era calma, mas carregava um peso de ameaça.

                A vítima chorava, suada e ensanguentada:

                -Eu não sei, eu juro.

                -Não, não. Você sabe sim, mas não quer dizer. – a voz na escuridão repetiu naquele mesmo tom. – Entretanto, entendo. Você o ama muito e não quer que o achem. Não irei lhe obrigar a falar mais.

                -Sério? – o homem encurralado no escuro e com ar pesado sentiu uma vaga esperança nascer naquelas palavras.

                Entretanto, antes que ouvisse mais alguma coisa, sua garganta foi cortada de fora a fora e ele expirou na própria poça de sangue. O assassino limpou sua adaga e se retirou dali:

                -Não. Morra com seus segredos, eu tenho outras fontes que podem ser bem mais úteis. – e se misturou novamente à multidão.

               

                Os músicos encerraram sua apresentação. As pessoas aplaudiram e gritaram “mais um!” freneticamente. Yahiko e Valquíria se cumprimentaram em exageradas reverências ao final da apresentação.

                -Tenho que dizer que a senhorita tem melhorado bastante seu desempenho. Suponho que, quando retornamos para Sharah, as outras dançarinas terão que engolir a inveja e pedir para você ensiná-las. – Rikko meneou a cabeça.

                Valquíria pôs as mãos na cintura e brincou:

                -Receio que você adoraria frequentar as aulas também.

                Rikko inclinou a cabeça de lado e indagou carismático:

                -Por que não?

                Antes que Val dissesse mais alguma coisa, ouviram um grito de terror em meio à multidão. Aquilo foi o suficiente para todos se calarem repentinamente e depois apenas se escutar murmúrios curiosos e assustados. A feiticeira e o bardo se olharam tensos e logo chegaram alguns guardas.

                A pessoa que gritou era uma mulher. Ela estava trêmula e com as extremidades do corpo frias. Os guardas a perguntaram o que houve, mas ela estava tão assustada que custou muito tempo para dizer o que aconteceu: seu marido havia sido assassinado há pouco tempo num beco.

                -Ele estava comigo, entretanto disse que precisava se encontrar com uma pessoa e demorou horas e horas. Saí de casa atrás dele e o encontrei morto. – a recente viúva chorava desoladamente.

                Rikko se aproximou da esposa da vítima naquele momento e suspirou:

                -Assassinos malditos por todos os lados. Até quando?

                Valquíria o fitou e reparou que, outra vez, sua expressão tornou-se obscurecida. A bela jovem murmurou:

                -Não existe segurança em qualquer lugar que vamos. Isso é inevitável.

                Os guardas conversavam entre si. Yahiko tentou se aproximar um pouco mais discretamente para ouvi-los. Porém, quando conseguiu, foi o final da conversa:

                -Devemos nos preparar. Depois de amanhã, é a Lua Violeta e muitas atrocidades acontecerão por causa das Pedras da Lua. Estejam de olhos abertos, homens. – o mais velho encerrou o assunto e eles se dispersaram.

                Yahiko ficou de frente para Valquíria e disse:

                -É, já era de se esperar que isso aconteceria.

                A loira indagou:

                -Será que a vítima dos assassinos tinha alguma relação com as guildas do submundo?

                O bardo respondeu:

                -Pode ser. Mas, só há uma maneira de descobrir... – lançou um olhar piedoso para a viúva que era consolada por mais duas mulheres. – Só que não agora.

                A bela feiticeira meneou a cabeça:

                -Certo.

                Yahiko ergueu a cabeça e declarou:

                -Bem, vamos procurar pelos outros. – deduziu: - Devem ter se enfurnado em outro bar como de costume...

                -Samira, pare de roubar! – Chad gritou injuriado.

                A ladina rebateu de cara limpa:

                -Eu não roubei! Quer que eu te mostre minhas cartas?

                Mortty apontou:

                -É isso que eu vivo dizendo! Ela rouba no truco sempre, mas ninguém acredita em mim! – virou-se para Erick e disse afobado: - Não te falei? Não te falei?

                O elfo suspirou e pendeu os ombros:

                -Certo, gente... Será que não tem como jogarmos de uma forma pacífica?

                O necromante estava com o rosto corado devido à bebida. Reprimiu um pequeno soluço e rebateu:

                -Não enquanto essa ladrazinha de araque continuar roubando!

                Samira fez uma carranca:

                -Isso é uma injustiça.

                Chad moveu a cabeça num gesto negativo:

                -Injustiça coisa nenhuma! Jogue que nem um homem honest... Não, espera.

                Julieta se intrometeu na discussão, embora não estivesse jogando:

                -Parem de gritar e voltem logo para a jogatina, caramba.

                Júpiter brincava com o copo vazio de suco de tomate, o girando insistentemente na mesa, apenas com um dedo na borda fina de alumínio. O Vanh’Dark murmurou:

                -Tudo bem, então. O próximo a roubar paga uma rodada nova de bebidas.

                Samira franziu as sobrancelhas:

                -Eu não aguento mais beber.

                O necromante fez uma expressão de desdém e retrucou:

                -Quem disse que é pra você? Eu sei que você vai roubar de novo e pagará a rodada pra mim.

                Julieta inclinou-se para Erick, que estava logo ao lado dela, e indagou:

                -Eles sempre são assim?

                Lee olhou gentilmente para ela e respondeu:

                -Conseguem ser piores.

                A garota riu silenciosamente. Quando voltou a ficar ereta, reparou em Valquíria se aproximando acompanhada por outra pessoa: um jovem de cabelos cor de mel e olhos verdes como os da adolescente ruiva. Quando os olhares de ambos se cruzaram, Julieta sentiu seu estômago dar um nó e seu espírito tornou-se mais agitado do que antes, pois estar perto de Mortty ainda não lhe trazia bons fluídos: a aura daquele outro sujeito também era escura, mas, se a garota pudesse defini-la numa cor, não seria negro; seria escarlate.

                -Ah, então vocês estão farreando aqui? Achei que viriam atrás de nós. – Rikko aproximou-se da mesa. Olhou para o colo de Samira e perguntou: - Samira, que cartas são essas aí?

                Chad e Mortty levantaram-se da mesa e disseram em uníssono:

                -Eu falei que ela estava roubando!

                A morena estalou a língua e lançou um olhar irritado para o bardo intrometido:

                -Mancada isso, hem, bonitão?

                Julieta sentiu uma espécie de fraqueza tomar seus sentidos. Júpiter reparou imediatamente que ela ficou estranha e perguntou oscilante:

                -O que houve?

                A garota não sabia definir o que sentia. Apenas arrastou a cadeira para trás com o peso do próprio corpo e disse alto:

                -Com licença, pessoal, eu preciso tomar um ar.

                O irmão de criação perguntou preocupado:

                -Quer que eu vá com você?

                -Não, tudo bem. Eu vou sozinha. Não vou muito longe. – Julieta fitou os rostos de todos, exceto os de Mortty e Rikko.

                O bardo, que reparou na jovem e formosa desconhecida, avisou de imediato:

                -Não é seguro vagar pelas ruas sem companhia, senhorita. Aliás, receio que seja seguro para ninguém. – olhou para todos os presentes e contou o que houve há algumas horas atrás.

                O necromante rolou os olhos:

                -Bah, de novo assassinos por perto?

                Samira apoiou os braços folgadamente na mesa e disse indiferente:

                -É, estava demorando a “ação” começar.

                Mesmo sob efeito do álcool, Chad estava num nível de raciocínio aceitável:

                -É, isso é um problema. – virou-se para a prima e apoiou o bardo: - Ele está certo, Julieta, é melhor você sair daqui apenas quando formos embora.

                A garota sorriu de modo convencido e respondeu altiva:

                -Não finja que você não me conhece, Chad. Eu volto depois. – sua voz enfraqueceu nas últimas palavras. Ela deu as costas e ignorou plenamente as palavras do celta e do sharariano.

                Um silêncio abafado se instalou entre os presentes. Mortty esticou o pescoço e perguntou para Júpiter:

                -Ela sempre é assim?

                O outro apenas esboçou um meio sorriso sem graça.

                Após o assassinato do senhor Maht – sobrenome da vítima daquela noite, mas seu nome completo era Juan Maht, casado com Anna Maht há três anos -, a rua diminuiu consideravelmente seu movimento. Apesar de ser um pouco mais aterrorizante daquela forma, Julieta sentiu-se mais tranquila em caminhar pelas vias desertas. Ela precisava esvaziar a cabeça e permanecer naquela mesa ouvindo a gritaria, risadas e tilintar de copos não permitiria isso.

                O Dragão Vermelho vinha se agitando em seu interior há alguns dias. Quando ela conheceu aqueles dois estranhos suspeitos, pareceu que havia provocado mais o espírito draconiano. Então, evitar o máximo possível em vê-los poderia ser perfeito para impedir que, outra vez, Rubro se manifestasse e ela saísse de seu disfarce como pessoa comum.

                Quando Julieta se deu conta, estava perdida numa rua muito distante da estalagem e da taverna, imersa num profundo silêncio noturno. Olhou ao redor e pensou em como parou ali. Sorriu de lado e debochou mentalmente de sua própria falta de atenção. Quando retrocedeu os passos, escutou alguém a seguindo. Ela olhou inúmeras vezes para trás, porém não avistou alguém. Ela continuou caminhando, tentando encontrar a rua certa, mas, de alguma forma, todas que ela encontrava eram sem saída.

                Até que, de repente, os passos tornaram-se altos o suficiente para ela ter certeza que a pessoa estava num raio de dois metros de distância. A ruiva virou-se para trás e avistou, com auxílio da luz lunar, um estranho idêntico ao que ela trombou quando saiu da estalagem. Julieta respirou fundo e não permitiu transparecer que estava tensa:

                -Ah, é você. O que você quer?

                O indivíduo usava uma máscara que lembrava metade da face de uma raposa. Ele respondeu gutural:

                -Provavelmente, a mesma coisa que você. Vá embora daqui enquanto há tempo.

                Julieta franziu as sobrancelhas:

                -O que você quer dizer com isso?

                De repente, um dos olhos dele brilhou e a garota reparou que sua íris era violácea. O estranho respondeu:

                -Sou um amaldiçoado como você e, quando nos encontramos hoje, senti sua aura. Não existem tantas Pedras da Lua quando se imagina. Depois de amanhã haverá uma verdadeira guerra para obtê-las. Volte para casa, garota, não perca seu tempo ou corra risco de vida por causa disso.

                A adolescente se convenceu que não era um estranho parecido ao que ela tropeçou: era o próprio. Ela argumentou:

                -Se você é um amaldiçoado como eu, certamente sabe que a nossa vida já está traçada na ruína, pessimistamente falando. Não voltarei atrás. Se for para morrer por causa disso, que seja.

                Ele suspirou:

                -Você realmente é uma garotinha muito teimosa. – andou alguns passos para frente e prosseguiu: - Direi pela última vez: volte para casa. Não queira terminar como o idiota do Maht.

                Julieta arqueou as sobrancelhas e indagou surpresa:

                -Ele também era um amaldiçoado?

                O estranho respondeu:

                -Não necessariamente, mas ele sabia de muitas coisas sobre outra pessoa que é como nós. Ele morreu para proteger a informação sobre onde ela está escondida nessa vila. Não consegue entender? Essa noite e a próxima serão assim: todos os malditos entre os homens serão mortos, tirados do jogo como peças de xadrez até sobrar quase ninguém.

                A ruiva cerrou os punhos e relutou:

                -Dane-se. Se quiserem vir atrás de mim, que venham.

                O desconhecido suspirou:

                -Bem, eu tentei ser gentil. Mas, se prefere que seja assim, então, vamos lá. – sacou duas espadas, que estavam dispostas em seus flancos e avançou contra a ruiva.

                Ela sabia que poderia ser um teste. Sabia que poderia ser uma emboscada. Mas, outra vez, ela estava com medo, encurralada e, por azar, deixou sua espada no quarto. Outra vez, apenas um burro disfarçado com a pele de um leão. Então, mesmo sabendo que deveria evitar aquilo, ela fechou os olhos e se encontrou com a sua sombra interior:

                “Rubro... Precisamos fazer alguma coisa” ela disse mentalmente.

                O Dragão não sorriu: apenas moveu a cabeça e sua íris esverdeada cintilou.

                A partir daquele momento, ela se lembrou de quase mais nada, pois o Dragão tomou forma novamente e a consciência humana atuou vagamente na batalha. De fato, aquele assassino não era o único: havia mais cinco com ele que investiram contra o Dragão Vermelho, que cuspiu suas intensas chamas contra o grupo e alçou voo para fora da vila a fim de evitar destruir as casas – tudo graças à intervenção quase inconsciente do lado humano de Julieta.

                O grupo de assassinos sabia lidar com magia arcana e um deles era um metamorfo, que se transformou num grifo e perseguiu Rubro pelo céu. Os dois se confrontaram com cabeçadas, o Dragão lançou chamas contra ele e o outro investiu suas garras contra o adversário.

                As poucas pessoas presentes se assustaram e começaram a gritar. Júpiter e Chad, ao ouvirem o alvoroço e verem todos olhando para o céu, saíram da taverna aos tropeços e congelaram ao reconhecer uma das criaturas aladas.

                -Ansur nos matará. – Chad engoliu seco.

                Júpiter rebateu:

                -Isso se o grifo não assassinar minha irmã antes, vamos! – correu na frente.

                Mortty ouviu aquilo e deduziu imediatamente:

                -Então, a garota é um dragão? Que coisa contraditória, ela é bonitinha...

                Valquíria fez uma carranca:

                -Sem piadas, necromante, precisamos ajudá-la.

                Rikko virou-se para Lee e perguntou:

                -Está com seu arco aí?

                O elfo sorriu de modo orgulhoso e perguntou retórico:

                -Você acha que eu o deixaria na estalagem?

                O grifo levou vantagem e o Dragão Vermelho perdeu altitude. Por um lado positivo, o animal caiu no campo aberto. Mas, por outro, ele estava sozinho e cercado pelos assassinos.

                “Vamos, Rubro, se levante, eles não podem tocar em nós” Julieta tornou-se agitada.

                “Até parece que eu não sei” o Dragão rosnou. “Aquele metamorfo maldito terá o que merece” se arrastou pela grama e logo se pôs em pé, mesmo sentindo seu corpo doer intensamente.

                Em sincronia, os seis sujeitos invocaram a mesma magia para aprisionar o Dragão no chão com cordas inquebráveis. O animal abriu as asas e apeou, rosnando alto. Seu urro ecoou por todo o bosque ao redor daquela vila em Naoro. Isso conseguiu quebrar a concentração de uma parte deles e as cordas que surgiram do chão não detiveram a fera vermelha por muito tempo.

                Antes que as coisas ficassem mais acirradas, os assassinos ouviram um rosnar de leão quase em sequência ao do Dragão. Quando se deram conta, um de seus companheiros foi atingido por uma flecha certeiramente no peito e outro esquivou de uma bola de fogo.

                Rubro se livrou das amarras e alçou voo novamente. Nas alturas, Julieta reconheceu o irmão e os outros que estavam na taverna: o necromante parecia uma criança se divertindo num parque enquanto confrontava um dos adversários; Júpiter e Chad se ajudavam mutuamente; Valquíria utilizava seus conhecimentos arcanos para dar cabo de mais outro sujeito; Samira se esquivava graciosa e habilmente dos golpes do assassino de máscara de raposa; Lee distribuía flechadas e Yahiko avançava contra os inimigos com bravura.

                “Esses humanos são bem diferentes dos terráqueos” o Dragão analisou.

                “É, acho que sim” a garota concordou parcialmente.

                “Já que estamos conversando, gostaria de manifestar que não me agrada a ideia de você me aprisionar numa Pedra da Lua” tardou, mas finalmente o Dragão demonstrou rispidez sobre aquele assunto.

                A humana não se importou:

                “Fique quieto, você não sabe nem da metade do plano”.

                No final das contas, os inimigos foram mortos. Júpiter largou a espada e correu para um ponto quase totalmente abaixo de onde o Dragão estava sobrevoando:

                -Rubro, desce.

                O Dragão Vermelho resmungou:

                -Farei isso, mas não é por você. – por fim, despencou de exaustão no chão e ferido.

                Antes que Julieta tomasse sua forma humana novamente, o irmão de criação jogou a capa de um dos assassinos mortos sobre o corpo escarlate do animal, até novamente reaparecer a jovem no lugar do corpo draconiano. A cabeça dela latejava intensamente. Com a visão embaçada e corpo arranhado, ela ergueu a cabeça e viu todos em pé ao seu redor. Julieta abaixou a cabeça e murmurou envergonhada:

                -Eu falhei de novo, não é?

                Júpiter sorriu afável e tentou confortá-la:

                -Você está viva. Isso é o que importa.


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