7 X 6 = ? escrita por Rodolfo Fuchs


Capítulo 1
Capítulo 1




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O dia começou banalmente banal, de maneira tão comum quanto passar manteiga em um pão amanhecido, pão esse que fora comprado na padaria que fica logo subindo o quarteirão, padaria cuja sempre esteve ali, onde sempre se comprou pães, desde que se consegue lembrar.

         Caio Moore passou os últimos seis meses do mesmíssimo jeito. Não saía do quarteirão, não falava com ninguém (além de seu primo Bruce) e tomava banho só nos finais de semana. Era a vida que ele sempre desejou.

Passou os últimos anos na faculdade de Direção Teatral, estudando para dirigir peças de teatro, mas na verdade nunca teve descanso. Sempre morou com seus pais, nunca teve sua liberdade, nunca morou sozinho, mas agora ele era autônomo, tinha agora seu próprio apartamento, sua própria vida – e ele a vivia como um mendigo que acabara de descobrir o que é um teto, mas isso ainda não fazia muita diferença, já que ainda não tinha se habituado a dormir fora do chão.

Passava os dias em seu notebook ultrapassado, tomando diversas xícaras de café bem forte.

Ele sabia que devia ir procurar algum estágio ou algo parecido, algum bico, mesmo que fosse como figurante ou o cara da iluminação, mas ele ainda tinha o pouco dinheiro que sobrara da faculdade, dinheiro que seus pais vinham economizando desde que se conheceram – há mais ou menos vinte e oito anos. Era o suficiente para pagar o aluguel do apê e comer aquela mistura chula de pão amanhecido com café forte.

         Mas naquela tarde, depois de uma manhã comum, ele decidiu que deveria traçar um rumo, fazer algo mais importante que passar o dia tentando planejar um bom roteiro para poder dirigi-lo mais tarde. Levantou de sua cama, tomou aquilo que chamava de café da tarde, tomou um bom banho quente – o que não fazia há dias – e saiu.

Seu rumo era o apartamento de seu primo Bruce, há alguns quarteirões dali. Seu primo já havia o chamado para sair e tomar uns drinques diversas vezes, mais vezes do que se pode imaginar. Na verdade, parecia até algo que deviam fazer com urgência.

Bruce não demorou a atender o interfone, com poucas palavras mandou seu primo subir.

Na verdade, Bruce e Caio não eram primos, mas ninguém sabia disso, nem mesmo seus pais. Isso tudo porque Bruce sequer nasceu na Terra. Sua terra natal ficava a anos-luz dali, mais especificamente, sua terra natal era Antágones (que em sua língua significa nada mais nada menos que “Lar”), um planeta excepcional, que há muitos bilhões de anos fora encomendado por sua espécie aos construtores de planetas, em Magathea. Era um planeta lindo e enorme, incrivelmente grande, cheio dos mais diversos climas e biomas.

Sim, Bruce era um alienígena - e do tipo bem alienígena mesmo – daqueles que viajam em discos voadores e importunam pessoas com eles, mas só de vez em quando.

- Ei primo, como vai? - Cumprimentou Bruce – Eu estava mesmo precisando conversar com você pessoalmente... É que eu andei meio ocupado...

- Oi, anhm... Eu... tô bem, tô bem... – respondeu Caio, tendo que parar para pensar. Já fazia alguns dias que ele não abria a boca para conversar com alguém. – Fala ai então...

- Ei, sabe todos esses convites que eu te fiz para sair, pra irmos beber? Bom, é melhor irmos logo fazer isso.

Caio assentiu.

Então, depois de 20 minutos, lá estavam eles, bebendo feito dois garotões que acabaram de se formar no ensino médio.

- Caio, eu tenho que te dizer uma coisa, uma coisa bem importante, mas eu tenho medo que você pense que eu sou completamente louco... – começou Bruce. Caio o olhava fixamente, ou pelo menos é o que tentava fazer, já que o excesso de álcool fazia com que seu primo se multiplicasse de vez em quando. – Vamos lá... A Terra vai ser destruída, demolida, dizimada por uns caras nada legais. Tudo isso dentro da próxima semana... Bom, hoje é terça-feira? - ele parou para confirmar a data em seu celular – É, vai ser quinta.

Caio continuou olhando, com seu típico olhar abestalhado. Ele não sabia se tinha mesmo ouvido aquilo ou se a culpa era das bebidas. Bruce sabia o que seu primo estava pensando.

Bruce suspirou.

- Eu sabia que isso não seria fácil.

- Não – começou Caio – eu entendi, entendi... acho. A Terra vai ser destruída. Então, vamos todos morrer...?

- Quase. Bom, sim, a Terra vai mesmo ser destruída, mas isso não quer dizer que vamos morrer. Nem eu, nem você. – respondeu Bruce, sorrindo e levantando seu copo em um gesto nobre.

Caio começou a rir desesperadamente.

Somente após três minutos de risadas insuportáveis aos ouvidos de Bruce (que agora se segurava para não acertar aquele copo no lóbulo frontal de seu primo), Caio percebeu que não era brincadeira.

- Cê tá falando sério, é?

- Sim, eu estou, Caio. Mas se você quiser se juntar a todo o resto dos seis bilhões, novecentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e nove, tudo bem. É só que você é um cara legal, achei que merecia viver. – disse Bruce, em um ato de demonstrar que tudo que estava falando era a mais pura verdade.

- Sabe... Eu sempre te achei meio estranho mesmo... Acho que você bebeu demais dessa vez, cara. – Caio tomava cuidado para tentar não ofender Bruce.

- Eu não estou bêbado. Não muito. Só estou te avisando, o planeta todo vai sumir dentro de três dias e nós não temos muito tempo.

- Está bem, tudo bem. Mas se a Terra vai mesmo ser destruída, como você pretende fugir? E a princípio, como sabe de tudo isso? - indagou Caio, relutando contra parte de seu cérebro, tentando lhe dizer que era só pra fingir que acreditava em tudo aquilo. Ele estava realmente quase conseguindo se convencer.

- Posso responder as duas perguntas com poucas palavras – começou Bruce – mas essa parte vai ser mais difícil de entender...

Caio olhava fixamente. Dessa vez ele realmente olhava fixamente, pois já tinha se acostumado com os efeitos mágicos do álcool.

- Sou o que vocês chamam de alienígena, ou extraterrestre. – Bruce mexia a cabeça assentindo enquanto falava. Ouvira dizer que era uma boa técnica de persuasão.

Caio riu.

- Mas nós nascemos e crescemos juntos! Não é possível que você tenha vindo em alguma nave espacial ou coisa do tipo. A NASA ou os russos teriam percebido!

Bruce olhou para seu primo meio surpreso. Não tinha considerado a NASA ou os Russos como algum problema.

- A NASA ou os Russos não são nenhum problema. Cheguei aqui muito antes de eles existirem. – começou Bruce – Olha, tenho que começar isso do começo.

A minha espécie, os humaníquos, são uma espécie muito antiga. Nós viemos de outro universo (também mais antigo). Cada um de nós vive exatamente quatro quadrilhões de anos, pois não morremos antes disso, e até lá somos basicamente imortais.

Caio franziu a testa. Sua expressão era impossível de ser descrita, mas com certeza era uma expressão que deixava claro que ele estava entendendo tanto quanto um esquilo em uma palestra sobre física quântica.

- E com todo esse tempo livre – continuou Bruce, agora pouco se importando se seu primo estava entendendo tudo aquilo. Ele se acostumaria com o tempo. – Decidimos que devíamos fazer algo realmente importante. Desse modo, então, nos espalhamos para vários universos diferentes, com a missão de explorar diversos planetas e suas espécies, e julgar se mereciam ser melhorados, conservados ou destruídos. Tudo para o bem de todo o multiverso. Nossa meta se tornou fazer uma utopia se transformar em realidade.

Caio suspirou como se tivesse acabado de presenciar um jogo onde seu time preferido acabara de perder porque o time adversário fez um ponto nos dois minutos finais.

- Isso não explica como você é meu primo. – resmungou Caio, como se fosse o dono da verdade.

     - É verdade – concordou seu primo, que não era seu primo.

Nesse momento uma garçonete passou por trás de Bruce, olhou para Caio e piscou para ele em seguida. Um pensamento passou pela cabeça de Caio, um pensamento bem estranho, cujo qual nunca imaginou que poderia ter. “Para quê me animar, se ela vai morrer em três dias?”.

Caio ficou pasmo ao perceber no que tinha pensado. Resolveu ignorar e desconsiderar totalmente aquele pensamento.

- Cheguei à Terra há 125 mil anos para estuda-la e poder julgar se ela deveria ser melhorada, conservada ou destruída. – retomou Bruce. Ele tinha percebido que seu primo se distraíra. – Eu vi a evolução de vocês humanos, admito que vocês me surpreenderam. Não pelo fato de terem evoluído rapidamente ou serem muito inteligentes - vocês são incrivelmente burros – mas foi pelo fato de que não aparentavam ser do tipo que dizimam seu próprio planeta em troca da ganância.

- Você está falando de poluição? - perguntou Caio, que agora já estava aceitando tudo numa boa.

- É exatamente disso que eu estou falando. Seu planeta é ótimo, mas vocês são péssimos para entender isso. Eu tinha que estudar vocês mais de perto, então resolvi me infiltrar. – Bruce começou a fazer movimentos com as mãos, para ilustrar o que iria dizer em seguida – Minha forma original é bem diferente da humana, então me transformei em um. Criei um casulo e “nasci” de novo como um humano comum. Quase como uma borboleta.

Caio não pôde conter suas gargalhadas, mas logo parou porque percebeu que a garçonete estava olhando para ele novamente.

- É, bom, faz sentido. – Caio estava completamente sério de novo.

- Sim, eu sei. Mas o problema é que os corpos humanos se desfazem muito rápido, então tive que refazer o processo várias vezes. Sua mãe nunca te contou que fui adotado? - Bruce teve que cutucar seu primo, pois esse estava ficando hipnotizado pela garçonete.

- Ah, anhm... Não, sempre achei que éramos primos de sangue.

- Não, não somos.

Houve um instante de silêncio. O bar todo parecia prestar atenção nos dois agora.

- Nossa! Eu já vi coisas bem tristes aqui. Mães dizendo para seus filhos que eles são adotados, casais terminando porque o cara pediu para rachar a conta ao menos uma vez... Mas um cara dizer ao outro que não é seu primo... poxa, é de cortar o coração! – brincou o barman.

Bruce o analisou de cima a baixo. Sabia exatamente que tipo de pessoa era aquele homem. Era de um tipo que ele detestava.

- Me desculpe, mas desde quando você está nos ouvindo conversar? - perguntou Bruce, desconfiado.

- Ah, desde que chegaram. – o barman respondeu com indiferença, na verdade, até com um pouco de uma estonteante alegria nas entrelinhas.

Bruce odiou aquilo.

Todo o bar estava quieto.

Todos, exceto o barman, haviam percebido a irritação de Bruce – inclusive Caio.

- Olha cara, vamos embora logo, você conta o resto lá em casa. – disse Caio.

Bruce gostaria muito de começar uma discussão, mas a sanidade ainda não o havia abandonado, mesmo ligeiramente bêbado. Pagou a conta e partiram de volta ao apartamento sujo de Caio.

Foi um pouco complicado para os dois voltarem para casa, pois mesmo já acostumados com suas visões turvas, os dois ainda não haviam se habituado a sentir o chão dançar embaixo de seus pés. Cambalearam, caíram e levantaram diversas vezes, mas chegaram em segurança. Subir as escadas foi bem pior.

- Caramba! Isso aqui está um caco!

-... Obrigado – disse Caio, sendo sarcástico.

- Então, posso continuar contando?

- Contando o quê?

- Sobre eu ser um alienígena...

- Bom, não. Tô cansado e quero dormir. Se quiser passar a noite aqui, tem um colchão velho ali naquele canto. – Ele apontou para o canto mais limpo do apartamento, a parte de trás da porta de seu quarto.

- Não, tudo bem – respondeu Bruce, chateado – vou voltar pra casa. Aqui está meu número de novo. Tente não perdê-lo desta vez. Me ligue amanhã se decidir sobreviver.

Depois de rabiscar seu número na folha de um caderno cuidadosamente jogado por cima de um pequeno monte de roupas, Bruce foi embora.

Já estava à noite, Caio não demorou a cair em um sono profundo. Sonhou com cachorros.


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