Melissa percebeu seus sentidos voltarem aos poucos, sentia sua cabeça pesada e o barulho que ouvia lhe sugeriu que estava em algum veículo em movimento. Vozes masculinas lhe fizeram deduzir que não estava sozinha. "Acho que ela está acordando...", "Droga, espero que ela não chore, eu nunca sei o que dizer quando elas choram..." foram algumas das frases que conseguiu discernir. Mas chorar? Porque ela choraria...

Aos poucos suas memórias recentes voltaram, sua casa ensanguentada, uma voz maligna recitando uma frase, o espelho. A última coisa que recordava era estar numa espécie de quarto do pânico e ter falado com alguém chamado Dean Winchester, esperava que ele fosse o dono de uma daquelas vozes, ou estaria muito ferrada. Por isso, antes mesmo de se deixar tomar pela vontade de chorar, Melissa se obrigou a abrir os olhos e se sentar no banco do carro.

—- Quem são vocês? -- Ela perguntou com sua visão ainda um pouco turva.

—- Eu sou Sam Winchester -- Disse o homem sentado no banco do carona, ele aparentava ser amigável e era bonito -- E este é meu irmão Dean... -- Ele indicou o motorista. Melissa olhou pra ele e quase deixou o queixo cair, mais ainda lhe restava algum auto controle naquela situação.

E ainda, se ela estivesse em seus melhores dias de humor teria rido, Dean a olhava como se fosse uma bomba prestes a explodir, então ela presumiu que era ele quem não saberia o que dizer se ela chorasse. Melissa até teria ficado mais empolgada por estar um carro com dois caras gatos como aqueles, mas realmente não tinha nervos e sentia péssima, destruída, sem rumo e todos os outros muitos adjetivos ruins. E ainda se concentrava pra não cair no choro antes de entender o que estava acontecendo.

—- O que vocês são de Bobby Singer? --

—- Ele é como um pai pra nós, desde que perdemos o nosso, somos uma família. -- Respondeu o mais novo.

Melissa enxugou duas lágrimas atrevidas que escorreram de seus olhos.

—- Vocês também perderam sua família... -- Ela ponderou.

—- Bem vinda ao club. -- Disse o Dean a encarando pelo retrovisor.

Foi a vez de Dean se controlar para não deixar o queixo cair, se a visse na rua casualmente jamais diria que era apenas uma garota de dezessete anos. Havia algo em olhar pra ela que te impedia de raciocinar direito e se ela não fosse tão claramente humana, diria que tinha algo de sobrenatural sobre aquela garota.

—- Não é o mas agradáveis dos clubs. -- Ela respondeu um tanto amarga, apertando os olhos -- Vocês conseguiram falar com Bobby? Eu acho que tenho que contar pra ele o que aconteceu. --

—- Bobby estava caçando alguma coisa não muito longe do ferro velho, acho que ele estava ocupado, mas logo, logo ele vai retornar as ligações. -- Sam sorriu um pouco ao final da sentença, Melissa percebeu que se tivesse um irmão, queria que fosse alguém como Sam.

O celular de Dean tocou estridente momentos depois.

—- Falando no diabo... -- Ele disse antes de atender -- Bobby Singer! Obrigada por retornar, eu e Sammy já podiamos estar mortos, ou coisa pior a essas alturas...-- Ironizou

—- Não brinque com isso, Dean! -- Bobby estava um tanto exasperado -- Eu preciso saber se alguém com sobrenome Denvers ligou pra você esta noite! --

Dean olhou Melissa nos olhos diretamente pela primeira vez, ela sentiu os cabelos em sua nuca se eriçarem, mas ignorou a sensação e respondeu ela mesma a pergunta.

—- Melissa Denvers, serve? -- Ela falou apertando a própria nuca.

—- Mel? O que você está fazendo com Sam e Dean? --

—- Longa história Bobby. -- Ela disse sorrindo se humor algum.

—- Onde estão sua mãe e irmã? -- Bobby tinha um tom sério, porém ligeiramente desesperado.

Melissa repirou fundo apertou as têmporas, não estava pronta pra dizer aquilo em voz alta ainda.

Dean olhou para Sam, que finalmente contou.

—- Elas estão mortas, Bobby, cães do irferno. Nós salvamos Melissa. --

Melissa se perguntou se ela realmente havia ouvido certo cães do inferno. Aquilo era algum tipo de código ou o que?

Bobby ficou em silêncio por algum tempo.

—- Tragam ela direto pra cá, não parem em lugar nenhum. -- Ele disse finalmente.

—- Eu imaginei. -- Dean respondeu -- Muitas coisas estranhas aconteceram esta noite... estaremos aí assim que o Sol nascer, esteja esperando. -- Encerrou a ligação.

—- Você disse Cães do Inferno? -- Melissa não se conteve em perguntar -- Isso é um código para dilaceração ou assassinos perversos, ou alguma coisa do tipo? --

—- Não me diga que você é filha de Simon Denvers e é leiga! -- Dean duvidou.

—- Depende do que você entende por leiga! --

—- Ok, calma. -- Sam interviu -- Seu pai, ele alguma vez te falou sobre demônios ou coisa parecida? --

—- Ele estudava esse tipo de coisa, mas eu nunca levei a sério, não acredito nesse tipo de coisa. Ele também vivia falando em anjos, mas... não! -- Melissa disse a última palavra de modo a deixar bem claro que não acreditava em nada daquilo.

—- Eu sinto muito, Melissa. E eu sei que parece impossível, mas... eu não sei sobre anjos, porém, demônios, eu posso lhe assegurar que existem. --

—- Vocês são malucos. -- Ela ria nervosa enquanto tentava não chorar como uma criancinha.

—- Pense bem em tudo o que aconteceu hoje e no que seu pai lhe dizia, com certeza vai ver que por mais impossível que pareça, faz sentido. -- Argumentou Sam. Melissa ficou em silêncio.

—- Olha, garota, eu sei que é difícil no começo... -- Dean começou, mas não tinha exatamente talendo para explicações -- Bobby vai fazer você entender. --

Melissa olhou Dean mais uma vez pelo retrovisor e sorriu de volta pra Sam antes de encostar a cabeça no vidro da janela do carro, deixar seu sentimento de solidão e profunda tristeza tomarem a forma de silenciosas lágrimas que desciam por seus olhos, sem se focar em exatamente nada, esperou que o dia nascesse.

Embora ainda desconfortável, o silêncio ficou menos perturbador quando Dean colocou uma de suas fitas e algum bom rock tocou, fazendo a espera pelo Sol menos demorada.

O Céu já começava a ganhar tons dourados e Dean já havia tomado a estrada de terra até o ferro velho quando algo grande atravessou o caminho do Impala.

—- DEAN!-- Exclamou Sam, quando o irmão puxou o volante bruscamente, o carro derrapou na terra, até parar completamente atravessado na pista. Por pouco não haviam batido no animal.

—- O que DIABOS esse cavalo está fazendo aqui? -- Dean exclamou pegando a arma e tirando o cinto de segurança -- Como ele chegou aqui? -- Abriu a porta do veículo e saiu visivelmente transtornado.

Melissa se recuperava da pancada que tomara, quando, olhando a coisa grande na qual quase bateram, reconheceu Noite.

—- Noite? -- Ela disse mais para si mesma do que para Sam, que ainda estava no carro -- Ele vai atirar no meu cavalo? -- Antes que Sam dissesse algo ela saiu do veículo.

Sam se apressou em ir atrás dela.

—- Vamos, como você chegou aqui? -- Dean falava para o animal, com a arma em punho -- O que é você? --

O animal parecia impassível ao tom de voz de Dean e não parecia intimidado pela arma.

—- É um cavalo! Você faltou as aulas do prezinho ou o que? Vai me dizer que não sabe o que é um cachorro também? -- Era Melissa, ela estava bem próxima de Dean.

—- Eu sei o que ele aparenta! Mas não há como ele saber pra onde estávamos indo e nem como ter chagado antes, justamente por ser um cavalo! -- Ele argumentou engatilhando a arma.

—- Olha, você me salvou e eu agradeço, mas você não vai atirar no Noite. -- Dito isso ela tomou a pistola da mão de Dean com destreza e a desamou jogando no chão em seguida -- Eu estou com ele há 10 anos, eu acho que eu saberia se ele tivesse, sei lá, asas, ou qualquer outra coisa fora do normal. E como ele não fala, eu acho que vamos continuar sem saber. -- Ela disse já bem perto do animal que parecia satisfeito em vê-la, Melissa acariciava sua crina.

Dean respirava fundo, como se tentasse se controlar pra não fazer nenhuma besteira.

—- Eu acho que a gente deve um crédito a essa coisa. -- Sam disse ao irmão, apanhando a pistola desarmada do chão -- Se não fosse ele, seja um cavalo ou não, nós dificilmente teríamos saído do Rancho com vida. --

Dean tinha o maxilar travado enquanto observava Melissa mimando o animal.

—- Tudo bem. -- Concordou a contra gosto -- Agora se essa coisa se atravessar na frente do meu bebê de novo, eu vou atirar. --

—- Não vai não. -- Melissa respondeu olhando-o de esguelha.

Dean cerrou os punho e olhos pra ela. Sam prendia o riso, Melissa não parecia ter um temperamento fácil.

—- Vamos logo, não estamos longe de Bobby. -- Dean falou entre dentes.

—- Eu sei. Conheço o caminho a partir daqui. -- Ela respondeu, mas ao invés de ir em direção ao carro, deu um impulso gracioso e montou sem dficuldade no animal sem sela ou rédeas -- Vejo vocês lá! --

Com uma leve empinada, Noite correu estupidamente veloz levantando poeira por onde passava.

—- Maravilha! -- Dean exclamou entrando no carro -- Jessie e Bala no Alvo! --

—- Ela não é tão leiga assim, afinal... -- Sam disse, ignorando o cometário do irmão, entregou a pistola desarmada a Dean.

Jogando a arma pra trás e ainda com raiva, Dean deu partida no Impala.

Melissa já havia se tornado um pontinho distante ao longo da estrada.