Ok, é, talvez eu tenha passado dos limites. E talvez isso tenha sido precipitado e impulsivo. E talvez eu tivesse premeditado por que eu sabia como a noite ia estar linda, especialmente vista dali, num cenário perfeito. Mas ele não me impediu, não me afastou, o que só pode significar que ele queria também.  Não fazia parte do plano sair de lá tão rápido depois, mas eu estava eufórico demais. Elétrico. Se eu não saísse... Ele tinha ficado para trás, com uma expressão chocada.

  Eu estava gostando cada vez mais de surpreendê-lo. Ainda faltavam algumas horas para amanhecer, então me deitei, afundando nos lençóis e nas mais diversas sensações colaterais que o beijo causara. Uma coisa era certa; eu não ia enjoar dele tão fácil.

  As sobras nas paredes do meu quarto começaram a ficar mais claras e quando percebi, já era efetivamente de manhã. Com uma batida educada na porta, Meena entrou. Fez uma mesura antes de se dirigir ao meu armário e separar as roupas. Apesar de não ter dormido, eu não estava com sono. Me levantando, lavei o rosto e fui até onde ela estava. Franzi a testa diante da escolha sofisticada.

  - Qual o motivo dos trajes especiais? – Perguntei estendendo os braços esperando que ela me despisse.

  - A princesa Alyss deve chegar em breve, o senhor se lembra. Deve recebê-la. – Ah. Isso. Detalhes.

  - De quão breve estamos falando?

  - Ela deve estar aqui até o fim da manhã. – O que limitava, e muito, minha poucas e ultimas horas de paz. Com um suspiro deixei que ela terminasse de me vestir. Me olhei no espelho e odiei o que vi. Sinceramente eu odiava ter que me vestir assim. Parecia um almofadinha ridículo.

  As calças justas brancas contrastavam com as botas pretas e combinavam perfeitamente com a camisa azul. Por cima uma capa de um tom de gelo com as bordas em pele. Simplesmente desnecessário. Ela adicionou o item final, a coroa e disse que eu já podia ir.

  Dessa vez, Allen não estava sozinho no hall da frente do palácio, mais cinco guardas reais estavam por ali sem dúvida esperando Alyss. Eu não queria encontrar com ele logo após noite passado no meio de um monte de gente, e pior: nessas roupas, então deixei para falar com ele mais tarde.

  Vaguei meio perdido pelo palácio tentando fugir do que eu tinha que fazer. Sem pensar ou perceber acabei indo no quarto dos meu pais. Minha mãe estava lá, arrumada com um vestido branco e prata longo e os cabelos dourados presos. Ela era linda. E sua personalidade também era maravilhosa. Sentia falta da época que ela... Ligava pra mim. Observei ela sentada na penteadeira, passando perfume, colocando as joias... Senti muita saudade da mãe que ela era aos meus 12 anos.

  - Mãe... – Ela virou-se para mim. Eu sabia que era minha culpa o nosso distanciamento, mas eu não sentia como se pudesse consertar nem algo assim.

  - Yell. Está muito bonito, filho. – Minhas mãos se agarram na borda da capa.

  - Obrigada. – Eu queria dizer mais alguma coisa, mas não encontrei as palavras. Me virei e saí, andando pelos corredores.

  Subitamente eu queria a companhia de Allen, sem saber por que. Não era como se ele fosse trazer minha mãe de volta ou nada assim. Tentei pensar se falsificar uma doença, nada muito grave, mas que me impedisse de ir receber Alyss, tipo uma gripe, eu poderia ser liberado. Mas antes que eu pudesse pensar em algo um criado veio me chamar. Ela havia chegado.

  Desci para espera-la no portão, junto com meu pai e minha mãe, ambos vestidos para a ocasião, com eu. Me postei ao lado deles suspirando e meus olhos encontram os de Allen que deu um discreto sorriso. Eu retribui com uma piscadela que só ele viu.

  Assim que a carruagem preta passou pelos portões comecei a me sentir enjoado. No fundo eu tinha esperanças que ela não viesse, mas as coisas não seriam tão fáceis seriam? Os entalhes e enfeites dourados davam um toque austero, que nada combinava com a personalidade de quem estava lá dentro. Um dos criados se adiantou, abrindo a delicada porta e por fim, lá estava ela.

  O vestido bufante era alaranjado, com tons de vermelho e amarelo, e farfalhava quando ela se mexia, dando uma impressão quase real que ela pegava fogo enquanto andava. Ah, sim, Alyss, a Escolhida da Guilda De Fogo. Seus cabelos ruivos estava presos num elaborado coque preso pela coroa dourada e algumas poucas mechas caiam por seu rosto. Ela andava confiante e quando chegou até nós, fez uma breve mesura.

  - Rei Eli, rainha Erin, é um prazer estar novamente em seus domínios. – O que era uma mentira sem tamanho, eu podia ver que ela estava arrepiada através da manga fina transparente do vestido.

  - Agradecemos sua visita princesa. – Disse meu pai antes de olhar para mim. Ok, agora era minha vez. Dei um passo à frente fazendo uma mesura e dando minha melhor imitação de sorriso. Ela abriu um sorriso bem maior e bem mais verdadeiro e retribuiu o gesto.

  Após os cumprimentos formais, todos seguiram juntos para dentro do castelo, e como a etiqueta mandava ofereci meu braço a Alyss, que não pensou duas vezes antes de aceitar. Fiz o caminho de volta tomando cuidado para evitar olhar para Allen ou ele veria todo o meu desespero.

  - E você, como tem passado, Yell? – Ela perguntou toda educada, e eu sabia que era só porque estávamos cercados pela corte. Abaixei a cabeça sem querer olhar para ela, fazendo o estritamente necessário para apenas ser gentil.

  - Muito bem, alteza. – Eu sabia que meu pai queria que eu dissesse algo como “estou feliz que você esteja aqui”, mas eu não estava e se dissesse isso poderia acabar vomitando. Dentro do palácio fiquei encarregado de levar ela até o quarto que ela ia ocupar sabe Deus por quanto tempo. Tentando distraí-la perguntei;

  - E onde está sua dama de companhia? – Me referia a garota de cabelos negros comprido e olhos astutos azuis que sempre parecia estar me observando. Ela parecia pensar por Alyss, e estava sempre um passo ou dois na frente de todos. Ela me dava nos nervos até mais do que a própria princesa.

  - Wine está chegando com o resto da minha corte e bagagens, devem estar aqui a qualquer momento. A carruagem deles estava bem atrás na nossa. – Paramos em frente à porta do quarto dela, eu me controlando para não sair correndo. Ela se virou para mim com os olhos cheios de lascívia e deu um sorriso.

  - Quer entrar...?

  - Não, obrigada. – Comecei a me afastar antes que ela me agarrasse ou algo assim. Não seria a primeira vez. – Pode ficar à vontade e se acomodar e por favor, leve o tempo que precisar. – Depois saí dali o mais rápido que pude, quase correndo. Fui até o hall, onde ainda havia uma grande movimentação da corte, dos guardas e dos criados com as bagagens. No entanto Allen não estava em nenhum lugar à vista.

  Por sorte não precisei procurar muito. Ele estava pelos corredores, sem dúvida devia estar ajudando. Dei um sorriso e esperei ele passar por onde eu estava. Quando me viu, deu um sorriso e pareceu relaxar.

  - Oi... – Me aproximei dele parando a poucos centímetros.

  - Oi. – Sussurrei de volta. Olhando rapidamente em volta só para confirmar se não havia ninguém o beijei de leve rapidamente nos lábios. Ele ficou um pouco vermelho, mas deu um sorrisinho.

  - É... Sobre ontem... – Ele baixou os olhos. Não era uma reação totalmente negativa, mas eu precisava ter certeza. Toquei sua face de leve fazendo-o olhar pra mim.

  - Se você não gostou-...

  - Não! Não é isso. Eu só fiquei meio surpreso... – Eu dei meu sorriso mais malicioso por que eu sabia muito bem o quanto ele havia gostado. Faltava bem pouco para ele estar na palma da minha mão. E não vou mentir, eu estava adorando isso. O único problema era que na maioria das vezes, uma vez que eu conseguia tomar o controle, eu perdia o interesse.

  No entanto antes que eu pudesse soltar uma frase de efeito ou algo assim, notei que alguém se aproximava. Tirei minha mão do rosto de Allen imediatamente e recuei um pouco. Não muito, apenas o suficiente para não levantar suspeitas. O alguém era Wine, que devia ter acabado de chegar.

  O vestido dela era bem mais simples, um vermelho brilhante que parecia mudar de cor conforme ela andava. Ela se aproximou de nós e fez uma mesura.

  - É bom vê-lo novamente, alteza. – E deu aquele sorriso estranho como se tivesse acabado de contar uma piada que só ela entendia. Ela estendeu a mão na direção de Allen, e só então eu percebi como ele estava. A cor tinha fugido de seu rosto e ele parecia enjoado. – Allen. É bom ver você também.

  Eles se conheciam...? De onde, desde quando? Ele tomou a mão dela um pouco trêmulo e levou aos lábios, sem encostar, no entanto. Ela deu mais um sorriso misterioso e continuou seu caminho pelo corredor. Os olhos azuis pareciam queimar, era como se ela pudesse ver minha alma. Eu odiava isso. Olhei novamente para Allen preocupado.

  - Ei, você está bem? O que houve? – Ele apenas se limitou a balançar a cabeça, ainda pálido como a morte. – De onde você conhece ela? Ela é a dama da princesa.

  - Dama da... – Allen parecia um pouco melhor depois de se encostar na parede e respirar fundo algumas vezes. Me aproximei dele, subitamente dominado pelo desejo de fazê-lo se sentir melhor. Pus minhas mãos em seu rosto mais uma vez, e ele levantou os olhos negros em minha direção. Deu um sorriso fraco e abriu a boca para dizer alguma coisa, mas antes que qualquer coisa pudesse sair de sua boca eu ouvi outra voz, uma voz que fez meu sangue gelar.

  - Yell! Aí está você! – Ah não. Ah, não. Tirei minhas mão de Allen mais uma vez, sentindo a raiva borbulhar dentro de mim. Ela tinha que aparecer agora? Justo agora?

  Alyss veio correndo pelo corredor e jogou os braços ao redor do meu pescoço. Notei Allen se retrair e se encolher contra a parede quando ela tascou um beijo na minha bochecha. Ela olhou para Allen e tudo que eu conseguia fazer era rezar para Deus que ela não ligasse para ele. Mas Deus não estava ouvindo. Ela olhou pra ele.

  – Ah, desculpe, você estava conversando com seu amigo... Oh, onde estão seus modos, Yell, não vai me apresentar pra ele? – Não. Não vou. Engoli minha raiva e olhei para ele, que mantinha o olhar fixo em Alyss e não era admiração, posso dizer.

  - Allen esta é a princesa Alyss... – Ela me olhou esperando o completo que eu sabia, não ia poder ignorar. Se eu não dissesse ela mesma diria. - ...Minha noiva.