Fazia muito tempo dês de a última vez que eu vira o salão dos espelhos tão enfeitado. Azul claro e vermelho se entrelaçavam, as cores brilhantes refletindo as luzes das velas e passando pelas cristais, enchendo o lugar de cores.  Por mais que eu odiasse admitir, estava tudo lindo; e multiplicado pelos espelhos, o ambiente estava mágico. Mesmo assim, eu não me sentia bem. Lindo, mas artificial. Eu me sentia artificial. Era tudo um grande fingimento.

  Ultimamente era tudo assim à minha volta. Meu relacionamento com meus pais ia de mal a pior, eu tinha uma noiva de quem não gostava, mas agia como se a amasse, e a única pessoa que eu realmente me sentia próximo eu enganava todos os dias. Sorrindo para nobres e pessoas que eu nunca tinha visto antes e provavelmente nunca ia ver depois, eu sentia a pequena mão de Alyss aninhada na minha e pra quem visse a cena de fora, era tudo perfeito.

  A única pessoa ali que parecia realmente me ver como eu estava era Wine, não que isso fosse de alguma forma reconfortante. Ela estava do ouro lado do salão, mas mantinha seus olhos presos em mim, e eu fazia de tudo pra ignorar.

  - Yell? – Alyss puxava minha mão insistentemente. – Seus pais vão fazer um pronunciamento. A gente não devia ir pra perto deles?

  - Ah, sim, claro. – Eu fui até onde eles estavam me odiando a cada segundo. Minha mãe me olhou de um jeito estranho, como se pudesse ver além da maquiagem perfeita que Allen havia feito. E quem sabe ela realmente pudesse. Pôs a mão em meu rosto como costumava fazer e me olhou atentamente, como se estivesse me vendo de verdade pela primeira vez em anos.

  - Você está bem? – Eu quase acreditei na preocupação em sua voz. Ela olhava diretamente para onde estava maquiado e eu senti o corte queimando sob o olhar minucioso dela.

  - Estou ótimo. – Disse, desviando o rosto. Se eu tivesse sorte meu pai não ia reparar. Ele sempre fora bem menos atento que minha mãe. Ela suspirou e se afastou, e eu e senti culpado. Mas não demonstrei. Demonstrar emoções era o máximo da fraqueza.

  Após o Rei dizer o monte de baboseira, blá blá blá estamos tão satisfeitos por ter outra guilda no meio de nós (mentira) blá blá blá esperamos que isso aconteça com cada vez mais frequência, etc. Tudo que eu tinha que fazer era fazer pose com Alyss, mas depois de um tempo isso começou a me cansar.

  - Querida, vou tomar um ar, já volto.

  - Eu vou com você!

  - Eu prefiro ir sozinho. Eu já volto. – Ela assentiu, um tanto contrariada e eu pude sentir o olhar de desaprovação de meu pai queimando sobre mim, mas me encaminhei a uma das portas mesmo assim. Um guarda que eu nunca tinha visto estava na frente dela, gigante e puro músculo. Não que isso me intimidasse, ele não encostaria um dedo em mim. Encarei ele esperando que saísse da frente da porta.

  - Já vai tão cedo jovem príncipe? – Ele deu um sorriso que era tudo menos simpático.

  - Só vou tomar um ar. – Eu respondi entredentes. Ele inclinou a cabeça e abriu a porta. Como um passarinho que passou a vida na gaiola e de repente se depara com a porta aberta, hesitei pateticamente antes de sair. Me sentia sufocado. A maquiagem coçava e eu sabia que não podia me ausentar por muito tempo.

  Andei pelo corredor respirando fundo até estar u pouco melhor. Mas claro que as coisas não seriam tão simples assim. Ouvi um barulho atrás de mim e quando me virei, Wine estava lá. Me encarava sem nenhuma expressão. Senti a raiva me arrepiar.

  - O que você quer? – Ela não responde de imediato. Andou até mim, parando a poucos passos de onde eu estava. Sem tirar os olhos dos meus ela finalmente abriu a boca.

  - Porque você age assim? Como se não se importasse com a realeza, mas está desesperado para agradar o rei e a rainha. Como se gostasse de Alyss, mas no fundo não a suporta. Como se me estendesse, mas se sente intimidado perto de mim. Como se realmente gostasse de Allen, mas só quer brincar com ele. – Cada sentença era como um tapa ardido. Como, em nome de tudo que era mais sagrado ela podia saber essas coisas?

  - Por que por mais que eles me desprezem, preciso ser o filho que eles querem que eu seja. – Isso parecia responder às duas primeiras situações, e escolhi não responder às duas últimas. Ela me olhou e um sorriso zombeteiro se espalhou em seus lábios.

  - Não precisa tentar tanto. Você nunca vai ser tão bom quanto L-... – Antes que ela terminasse me adiantei, e antes que eu percebesse minha mão tinha voado até o rosto dela.

  O som do tapa pareceu ecoar pelo corredor vazio, e Wine me olhou com um sorriso de quem já esperava por isso. Retraí o braço sentindo o rosto arder. Eu tinha batido numa dama, pelos céus, se meus pais ficassem sabendo. Mas ela tinha pedido. Tinha me provocado até o limite, e parecia ser isso que queria dês do começo.

  - Nunca mais ouse tentar dizer o nome dela. – Eu disse, mas aquela não parecia ser minha voz. Wine ajeitou os cabelos como se nada tivesse acontecido.

  - Tudo bem. Vamos mudar de assunto então. Que tal falarmos sobre como você deve ficar longe do Allen. – Eu quase ri.

  - Como é? Acha que está em posição de fazer alguma exigência? Você é só a dama da princesa, e por mais que queria ser mais que isso, não passa da lacaia dela. Ponha-se no seu lugar. – Isso pareceu ascender alguma emoção nela. Ela deu dois passos, acabando com a distância que restava entre nós e pôs o indicador sobre meu peito de um jeito que era pra ser ameaçador.

  - Fique longe dele. Eu sei o que você está fazendo, confundindo ele com seus joguinhos para que ele fique na palma da sua mão. Mas ele é mais que isso. Nunca vai se curvar à sua vontade. – Sendo um príncipe, era difícil pra mim ouvir alguém dizer que não, eu não teria o que eu queria. Ainda mais alguém como ela.

  - Você está vendo o que quer ver. Ele é meu guarda e nada mais. Pode ficar paranoica se quiser, mas Allen não vai a lugar algum. E não há nada que você possa fazer para impedir.

  - Veremos. – Ela me lançou um último olhar raivoso antes de se virar e sair. Meu coração batia rapidamente, e eu não sabia como ela ia explicar a marca que eu tinha deixado, se alguém perguntasse. Mas afinal, ela era tão inteligente que ia achar uma maneira.

  Discutir com ela minava minhas forças. Ela sempre parecia saber demais, era como se ela estivesse em todos os lugares ao mesmo tempo. Mesmo sabendo que eu devia por uma máscara de indiferença e voltar à festa, eu me virei, andando para o lado contrário.

  Depois de semanas sem visitá-la eu sentia que agora ela era a única pessoa que podia me entender. Allen não podia ver esse meu lado, eu estava vulnerável demais. Parei em frente à porta trancada, a porta que ficava ao lado da porta do meu quarto. Depois de checar se eu estava realmente sozinho, fiquei ali encarando a porta até que, enfim, puxei a correntinha de prata que eu levava ao redor do pescoço com a chave e destranquei a porta.

  Olhando para os lados uma última vez, deslizei para dentro do quarto. Fechei a porta e passei a chave, só pra garantir. O aroma de rosas invadiu meu nariz e eu me senti tonto. Encostei na porta e senti meu corpo deslizar até o chão.

  - Oi Lucy... – Eu sussurrei dentro da escuridão sentindo que ela me ouvia. Meu corpo estava menos tenso agora e meu interior, frio. Eu sentia uma calma me invadir, como acontecia toda vez que eu entrava ali. – Faz algum tempo não é....? Tenho muita coisa pra te contar...