No começo, achei que era algo do tipo "Me encontre no refeitório" ou "Bom dia" com uma carinha feliz do lado, que seria algo do feitio de Mía. Mas após perceber que não era apenas um bilhete e sim quase uma carta, passei a me preocupar.

Receoso eu abri o grande bilhete que continha uma pagina inteira e o li:

"Bom dia Nico. Essa noite eu fui ver o Senhor Moço. Ele disse que sentiu saudades. E adivinha quem estava lá, na padaria do Senhor Moço, tomando um café no meio da noite? O homem. Foi muita coincidência. Quando me viu, o homem sorriu e dessa vez eu não fugi. Ele pediu pra conversar e eu aceitei. Ele me contou que... bem, tudo. Minha família sofreu um acidente de carro já faz três semanas. Disseram que na hora em que eu vi meus pais mortos o susto foi tão grande que eu cai e acabei descendo uma ladeira onde bati minha cabeça com força, o que me fez perder a memoria. Eu fugi, com medo de todos. O homem na verdade é o meu tio que sobreviveu ao acidente. Agora ele tem minha guarda. Mas como eu não lembrava de nada e tinha fugido, nunca soube disso. Na verdade, não me lembro muito bem ainda. Apenas poucas lembranças me vieram a mente enquanto ele falava. Lembrei de mamãe e do papai. Da escola em que frequentei. Mas não lembro muito bem quem eram meus amigos. Não me lembro do meu tio e recordo poucas coisas sobre mim mesma. E Nico, meu nome não é Mía. Me chamo Heloisa. Mas você pode me chamar de Mía, pra sempre. Eu gosto do meu nome Mía. Mas eu tenho uma noticia ruim. Não posso ficar com você. Eu preciso voltar a escola, retomar minha vida. Nem mesmo fui no enterro do papai e da mamãe. Meu tio quer me internar em uma clinica psiquiátrica em uma tentativa de recuperar minha memoria. Até me apresentou a terapeuta, seu nome é Ana Catharina, ela é uma pessoa muito boa. Disse que quer me ajudar. Eu não queria ir mas eu preciso fazer isso. Não vamos nos ver por um tempo. Me desculpe. Obrigada pela ajuda. Prometo não revelar o segredo do acampamento meio-sangue a ninguém. Isso não é um adeus, apenas um breve tchau. Oh, meu tio me deu um passarinho de estimação. Eu o chamei de Nico. Nunca vou te esquecer, ok? Sabe, eu acho que amo mesmo voce. Qualquer dia venha me visitar combinado?

Com carinho, Mía."

Após dez minutos parado lendo e relendo aquela carta eu ainda não podia acreditar. Certamente pensei que fosse uma brincadeira e que ela voltaria. Procurei-a novamente no meu quarto. Perguntei a todos do refeitório se a tinham visto. Ninguém respondeu. Fui ao chalé de Percy. Fui até Quiron. Nenhum deles tinha uma resposta

Eu corri até o beco onde a vi pela primeira vez. Suja, bela, sozinha. "Mía" - gritei. Não responderam. Atravessei a rua até a padaria do Senhor Moço.

–Licença - Empurrei a porta com a voz falhando - Licença - repeti.

–Olá meu jovem – Um homem branco e loiro com uma expressão alegre me cumprimentou – Gostaria de pães fresquinhos?

–Na verdade – Abaixei a cabeça meio sem graça - Vim a procura de alguém.

Ele me olhou e parecia ligeiramente confuso.

–Com quem gostaria de falar?

–Você a conhece. A chama de Mía.

–Oh, Mía! – Ele sorriu e seu sotaque acentuou-se - Conhece a garota? Sozinha estava quando a encontrei. Forneci pães a ela quando precisou. Boa garota, boa garota.

Sorri sem jeito.

–Sabe onde ela está?

Sua expressão se tornou-se menos feliz e mais dolorida.

–Não queria que fosse, mas precisava ir. A garota precisava de ajuda medica. Seu tio a levou para outra cidade e iniciaram tratamento em uma clinica psiquiátrica ontem mesmo. Eu os acompanhei. Estão longe, muito longe agora.

"muito longe" pensei "muito longe"

–Você é Nico? - Ele indagou curioso

–Sim – Disse, ainda pensando em quão longe ela poderia estar.

–Oh, si si - Ele coçou seu pequeno bigode a procura de algo. - Ela pediu para que lhe entregasse isso caso o encontrasse. - Ele me entregou uma pequena caixa. Dentro havia um colar e um desenho. O colar tinha meio coração. O desenho era eu e ela, juntando os colares que formavam um coração inteiro. "Coloque e não tire. Prometo não tirar o meu". Pus o colar e escondi ele nas vestes. Não queria que ninguém me visse com aquilo mas prometi a mim mesmo que não tiraria até ve-la de novo. Guardei o desenho no meu bolso, junto do bilhete que ela havia me entregado. Me despedi do Senhor Moço, ainda sem saber seu nome verdadeiro, e segui até o acampamento meio-sangue.

Doía. Estava doendo. Eu não a veria mais? Por que aquilo estava acontecendo? Ela foi a primeira e única garota que eu amei de verdade. Eu não queria perde-la. Eu não podia perde-la. Estava no portão do acampamento quando as lagrimas começaram a cair de verdade. Me apoiei na madeira. Sentia que ia cair. Sentia que já havia caído, desde que li aquele bilhete. "Mía não vá" disse sussurrando. Segurei o colar e me deixei cair. "você já foi, não é?" pensei.

–Volta – As lagrimas escorriam e eu apertava o colar – Por favor.

Ouvi passos vindos em minha direção.

–Nico? - Era Percy e Annabeth - O que foi? O que aconteceu?

Levantei meu rosto sem me preocupar em esconder meu sofrimento.

–Ela foi embora – Eu disse, engasgando – E acho que não vai voltar.

Os dois se entreolharam. Sem dizer nada se agacharam ao meu lado e Annabeth disse:

–Venha, vamos ao refeitório tomar um café, tente se acalmar. Ela vai voltar.

Assenti e me levantei, seguimos para o refeitório.

Isso já faz dois anos. Não a vi desde então.