Mitogênese escrita por Braga Primeiro


Capítulo 3
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Como este capítulo é demasiadamente pequeno, senti a necessidade de postá-lo junto do próximo!



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            Quando eu era apenas um deus, não precisava me preocupar com comida ou água. Às vezes eu comia algo, é verdade, mas apenas por educação ou para conhecer o gosto de uma novidade; não tinha real necessidade. Quando nasci humano, todas as necessidades da espécie vieram no pacote e nunca arrisquei deixar Zheng passar fome ou sede mesmo que tenhamos resistência a qualquer escassez, pois eu não sei o que pode acontecer comigo ou com o corpo.

            Racionando a comida e o dinheiro que levei de casa, consegui correr  por duas semanas sem parar até o norte da Índia, mas agora tudo acabou e passo fome. Ontem vi um homem que parecia um mendigo pedindo esmolas nesta vila em que estou, e decidi fazer o mesmo, apesar de minha aparência trair minha carência. Deu errado, ninguém me deu um tostão e nem mesmo um pedaço de pão. Agora estou deitado logo fora da vila, ao lado da via principal.

            - Sinceramente, eu nunca tinha visto um mendigo antes! Criatura mais repulsiva... E desonrosa, principalmente! Acho que eu preferia morrer a ter de depender de um dinheiro pelo qual não trabalhei. – Zhong continuava a reclamar.

            - Tsc. Eu não acho que ele mendigue por escolha. Provavelmente não dão terras para ele trabalhar e ele não sabe nenhum artesanato. O destino não é gentil com todos. E de qualquer jeito, você já está morto. – eu tenho de lembrá-lo disso constantemente agora que ele não estava mais preso àquela fazenda.

            - Não importa! A morte continua sendo mais honrosa!

            - Olhe, o pedinte está vindo nesta direção, melhor parar de falar mal dele.

            - Ele não pode me ver mesmo! – o homem está a apenas alguns passos de nós agora – Eu posso muito bem chamá-lo de miserável, aproveitador, preguiçoso e mau-caráter que ele não vai nem me ouvir nem se importar!

            Para minha surpresa, mas não ainda para a de Zhong porque estava de costas para o homem, o “mendigo” parou na minha frente. Depois disse:

            - Eu realmente não me importo que me chamem de miserável, de aproveitador, de preguiçoso e de mau-caráter, mas não posso deixar de discordar na parte que diz que não escuto.

            Sorri. Era uma surpresa divertida e a cara de Zhong foi divertida.

            - Se-se-se-se-senhor! Me, me desculpe! Eu não pretendia –

            - Eu te desculpo, senhor deus. – e sorriu também.

            - Ó, parece que você tanto sabe chinês quanto consegue ver o mundo sutil... Sou Zheng, prazer. – disse enquanto me levantava.

            - Namastê. Não sei o quanto mais velho pareço agora, mas nem sempre fui um asceta. Em meu passado aprendi muito idiomas...

            - Asceta? – eu e meu ancestral perguntamos.

            - Sim, senhor deus e jovem estranho, eu renunciei aos prazeres de qualquer riqueza e da comida farta para procurar alguma espiritualidade. Devo dizer que hoje estou particularmente feliz por ter escolhido este caminho. – e riu.

            - É por isso que você pede esmolas? – Zhong conseguiu perguntar.

            - Ó, não, não! Não toco mais em dinheiro. – ele desamarrou uma cuia que pendia no cinto do que quer que estivesse vestindo – Eu uso isto aqui para beber água e pegar a comida que as pessoas me oferecem.

            - E por que alguém ofereceria o suado trabalho para você? – fico um pouco constrangido com a indelicadeza de meu ancestral.

            - Eles sabem que eu me esforço a minha maneira, e conhecem a nobreza dos caminhos ascéticos, por isso alguns compartilham um pouco do que têm comigo. Sem falar que é bem pouquinho mesmo – fez um gesto com os dedos para mostrar o quão pequeno – como bem pouquinho e só a cada cinco dias.

            - Uau! Eu só consigo passar três dias sem comer nada antes de a fome me pegar...

            - Eu que deveria dizer “uau”, jovem estranho, pois passo cinco dias na companhia da fome, e não sem ela. Sendo tão jovem com uma habilidade tão estranha... Acho que acertei quando o chamei de “jovem estranho”.

            - Eu que deveria chamar o senhor de estranho, pois as poucas pessoas que conseguem ver os deuses quando estão no mundo sutil geralmente os confundem com monstros ou fantasmas. Não o senhor.

            - Deve ter sido um palpite de sorte. – sugeriu Zhong.

            - Não sei quanto ao destino, mas sei que a sorte não interveio em minhas palavras, senhor deus. Já conheci vários deuses e demônios durante minhas meditações, por isso reconheço quando os vejo aqui no mundo físico também.

            - Mas então o senhor não sabe o que são essas criaturas de verdade?

            - Não sei mais do que qualquer outro indiano, e para ser sincero, não quero saber – riu alto – isso acabaria com o encanto.

            - Não sei se o entendo...

            - Sentir é melhor do que entender, e tenho certeza de que você sentiu. Agora devo voltar para o isolamento. Acho que falei mais hoje do que em todos os dias do ano passado.

            - Só uma coisa, senhor!

            - Pois não?

            - Eu estou procurando o deus mais antigo que é possível se encontrar... O senhor sabe quem poderia ser esse e onde eu o encontraria?

            - Uhm... Ganesha é o deus mais velho que já conheci. As tradições não dizem que ele veio primeiro, mas vendo ele pessoalmente me senti mais novo do que um bebê de dez vidas atrás. Boa sorte em sua procura, jovem estranho!

            - Até algum dia, senhor estranho!


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