– Terra chamando Alice!

– Oi?!... Desculpa, Ju, eu tava em outro lugar.

– Hum... Em outro lugar. Estava acompanhada? – Questionou a loira brincalhona passando delineador nos olhos. Alice se concentrou na sua própria maquiagem evitando a pergunta da amiga.

O que Júlia diria se ela lhe contasse que ela estava em outro lugar e acompanhada fazendo coisas das quais ela tinha até vergonha de pensar? Mas seus devaneios corriam por sua cabeça com uma velocidade assustadora e quando se dava por si, já era tarde demais. Alice acabava perdida nas lembranças de um quanto, de um cara e de toda a loucura que vivenciou dias atrás. Deus, se ela pudesse cavar um buraco e enterrar-se dentro dele, ela o faria. Quem sabe assim ela pudesse escapar dos olhares curiosos de Raul, Camila, Danilo e Júlia que a perseguiam quase todo o tempo.

Os quatro não sabiam de muita coisa, mas se seu estado ao deixar o apartamento de ‘Mila’ indicasse alguma coisa, eles deveriam estar repletos de suposições sobre o que tinha acontecido, melhor, o que quase aconteceu entre ela e Guilherme.

“Gui...” Alice suspirou sentindo as bochechas esquentarem ao notar que Ju, vez ou outra, lhe lançava um olhar indagador. Será que ela era tão transparente assim? E ele, será que também estava sofrendo as mesmas consequências?

– Você não vai falar, né?

– Falar o quê? – Alice tentou não demonstrar saber sobre o que ela falava, mas falhou miseravelmente. Nervosa, ela esfregou as têmporas com as pontas dos dedos.

– Sei lá... Você tá muito estranha, Alice. Além do normal!

– Legal saber que você me considera uma esquisita.

– Não é isso, você sabe. Eu ainda to tentando entender, mas tenho lá minhas pistas para o motivo dessa sua inquietação...

– Hahaha! Até parece que eu to assim... – Alice deu um risinho nervoso.

– Tá, eu desisto! – Ela levantou as mãos em derrota – Você fala se quiser e quando quiser, mas pensei que fôssemos amigas. Sério, não é que eu seja intrometida, mas eu gosto de você e quero te ajudar.

Alice mordeu o lábio inferior tentando ser firme em guardar seu segredo, mas Ju era uma boa amiga e ela queria falar com alguém. Hebe que sempre lhe ouvia estava viajando, Marcos estava fora de questão. Por nada no mundo ela contaria ao seu ‘maninho’ que ela e Gui quase transaram... Ela nunca se perdoaria por fazer o irmão cometer um homicídio e muito menos conseguiria viver sabendo que Guilherme tinha ido dessa para uma melhor. Resumindo, era se abrir com Júlia ou continuar remoendo sozinha a experiência mais incrivelmente assustadora e deliciosa da sua vida.

– Promete que não fala para ninguém?

– Prometo! Palavra de escoteira... Vai, me fala!

– Bem, aposto que você deve ter uma ideia do que aconteceu... – Alice pigarreou tentando encontrar as palavras – É bobagem, eu nem sei por que eu to preocupada com isso... – ela suspirou soltando o ar devagar, mas antes que continuasse, Amanda entrou no camarim interrompendo a conversa.

– Hey vocês, não vão para a reunião? – Perguntou a morena pegando a sua bolsa e se encaminhando para a saída.

– Ah... A reunião! Tinha me esquecido! – Disse Júlia batendo com a mão na testa – Vocês podem ir, eu chego daqui a pouquinho!

Alice se resignou que o momento de desabafo com a amiga tinha passado, e sem mais o que fazer, também recolheu sua bolsa e saiu para acompanhar Amanda. As duas andavam lado a lado quando Alice notou um anel novo no dedo anelar da mão direita da morena.

– Que anel é esse? É lindo! – Disse encantada com a joia. Era uma espécie de aliança em ouro branco com uma pedra azul em destaque.

– É, não é? Ainda mais lindo é o significado... – Amanda girou o anel no dedo com o olhar sonhador.

– Significado? Foi presente de alguém especial?

– Perguntou Alice com a voz um pouco rouca. “Quem deu esse anel a ela?” Se perguntou mentalmente.

– Muito, afinal, trata-se do meu namorado.

– Namorado? – Ela engoliu em seco.

– Uhum...

– Parabéns!

“Droga, Alice! Parabeniza-la por tá envolvida com o Gui?!”.

Mas ela não disse que era ele, disse?

– Seu namorado, eu conheço ele?

– Claro! É o... Gui! – Amanda viu o rapaz vindo em direção as duas e correu para abraça-lo. Abraço esse que ele não recusou e que, segundo Alice, foi demorado demais.

Ela continuou parada por alguns segundos enquanto via a amiga fazer mil perguntas a ele que por sua vez não tirava os olhos dela. Sem estômago para ver aquela cena, ela saiu em disparada para a sala de reunião.

– Que pressa é essa, Alice? – Questionou Helena que acabava de chegar à sala de reuniões no mesmo momento que ela.

– Oi... É que pensei que tava atrasada, mas pelo visto, ainda falta um pessoal chegar, né?

Ela sorriu um pouco desconfortável vagando o olhar pela sala. Raul, Camila, Lúcio, Danilo, Davi e os outros colegas de elenco já estavam presentes. Ela procurou um lugar vago para sentar-se encontrando um ao lado de Lúcio e outro no fundo da sala. Ela ignorou o aceno de Lúcio para que sentar-se junto dele e seguiu para o outro lugar.

– Será que é alguma noticia ruim sobre o seriado?

– Ela ouviu alguém perguntar a sua frente.

– Talvez... Os capítulos novos não foram entregues, né? Isso só pode significar que haverá mudanças.

Apesar de curiosa, ela não deu muito importância à conversa. Era verdade que nos últimos dias os produtores de ‘Madness’ estavam mais tensos que o habitual e que o atraso na entrega dos novos capítulos chamou a atenção de todos, mas ela não acreditava que a reunião fosse por algum motivo ruim. Balançando a cabeça devagar, ela tentou se concentrar nas mensagens do seu celular, mas não conseguiu tirar da cabeça a imagem de Guilherme olhando para ela.

De onde estava, Alice tinha uma visão geral do local e de todas as pessoas que estavam nele. E graças a sua visão privilegiada, viu o exato momento em que Guilherme chegou à sala, ainda acompanhado de Amanda. Logo depois, Paola também entrou... Paola?

“Peraí...” Deixando um pouco seus sentimentos de lado, pela primeira vez ela se perguntou o que é que ele tava fazendo ali... E Paola também! Ela raramente ia aos estúdios, e a não ser que ela tenha sentido saudades dos atores, o que era muito improvável, algo muito, muito importante estava para acontecer.

– Boa tarde a todos... – Luis, o diretor do seriado, disse. Ao seu lado estava Paola que sorria para todos.

Depois disso, Alice precisou se segurar onde estava, caso contrário, teria caído devido às novidades. Algo muito importante realmente aconteceu e ela não sabia se ficava feliz, irada ou apenas tentava segurar o queixo tamanha a perplexidade que a noticia que escutou lhe causou.

Pelo o que havia entendido, Gui estava de volta, simples assim. Ele voltaria ao posto de protagonista junto com ela, Lúcio e Amanda. Tudo muito bonito, tudo muito bom, como se nunca tivesse saído do seriado ou seu personagem tivesse sido morto na história... Pensando bem, ele nunca deveria ter saído, mas a volta dele, para ela, significava mais do que apenas a retomada de uma parceria profissional. Ela conseguiria ser profissional depois do que aconteceu?

“Hahaha! Nossa, Alice, você quis tanto isso e agora... Olha lá o destino brincando com você!”

A garota quis gritar para a consciência calar a boca. Ela deveria estar feliz, né? Ou pelo menos não parecer um animal acuado pego numa armadilha que era como ela se sentia.

– Guilherme quer falar algo para nós?

– Por que não? – Falou ele com um sorrisinho que ela amava... Odiava, ela odiava aquele sorriso debochado dele! Ela odiava ter que ser hipnotizada por aquele sorriso ao ponto de quase babar!

“Que feio, dona Alice!”

– Bem, primeiro queria dizer que é um honra voltar a trabalhar com pessoas tão maravilhosas que se tornaram tão importantes para mim... – Ele sorriu para o grupo formado por Danilo, Camila, Raul, Amanda, Davi e Júlia – Vocês são grandes amigos e eu não poderia estar mais feliz. Por inúmeros motivos, tenho que dizer que voltar ao seriado vai ser muito... Interessante para mim! – “Por que ele teve que dizer isso olhando na minha direção?”.

O resto dos acontecimentos passou em câmera lenta para Alice que não via a hora de dar o fora dali e seguir para bem longe de Guilherme. O mundo não podia ser tão injusto, podia? E desde quando ela se tornou tão mesquinha para se importar mais com sua dignidade do que com a felicidade de Guilherme em retornar a ‘Madness’?

Assim que Paola, os produtores e o diretor deixaram a sala, ela correu para a saída aliviada por Guilherme ter sido abordado por praticamente todo elenco. Era o que ela precisava para escapar para o camarim. Bem, foi o que ela pensou que conseguiria...

– Fugindo de mim, Alice? – A voz zombeteira de Gui logo atrás dela a fez estacar no meio do camarim. Como ele conseguiu se livrar de todo mundo?

– Eu... Bem, eu to com pressa.

– Vai a algum lugar?

– Não... Quer dizer, vou!– Atrapalhou-se em dizer.

“Droga, porque ele tá tão calmo e eu quase me descabelando?”

– Quer uma carona?

“Quero uma passagem só de ida pro fim do mundo, dá para ser?”

– Não precisa... – Recusou sem conseguir olhar para ele.

– Eu faço questão... – Disse num tom baixo, provocante.

“Uau, ele sabe mexer comigo!” Disse para si mesma sentindo um arrepio passar por sua espinha.

– Eu já disse que não precisa! – Falou ríspida, temerosa das próprias emoções.

– E eu já disse que faço questão! – Enfatizou ele sem elevar o tom de voz. Quando foi que ele chegou tão perto? Perguntou-se ela quando notou que ele estava a poucos centímetros de tocar nela. De repente, se mexer não era mais uma opção.

– O que é que você quer, hein? – Perguntou olhando pela primeira vez nos olhos dele... “Péssima ideia Alice, péssima ideia!”

Flash back ON

– Hey, vocês não se mataram aí dentro não, né?

– Vai pro inferno, Raul! – Vociferou Gui num tom de dar medo.

Mortificada, Alice enterrou o rosto no vão formado pela cabeça e o ombro dele, seu coração acelerado dando a impressão de que saltaria do seu peito. Guilherme respirou fundo tentando se controlar enquanto a sentia empurrá-lo com as mãos, sem êxito.

– Me solta! – Sussurrou sem muita certeza, ainda indecisa sobre continuar ou sair correndo de perto dele.

– Não, espera... – Ele tentou agarrar as mãos dela para que parassem de afastá-lo – Escuta, Alice, a gente precisa...

– A gente não precisa nada! – Lágrimas de vergonha começaram a se formar em seus olhos – Me solta por favor!

Ele soltou suas mãos e ela deslizou por seu corpo até seus pés tocaram o chão, mas sem muita firmeza Ela se afastou ate ficar presa a parede, a cabeça baixa sem coragem de olhar para ele. Guilherme permaneceu a sua frente, muito perto, mas não fez menção de tocá-la novamente. Como é que eles podiam ter passado de um momento de completa paixão para a hostilidade tão rápido?

– Desculpa... – Falou ele perturbado pelas lágrimas dela. –

Um pouco tarde para isso, não acha? – Acusou-o sem remorso sendo que ela em nenhum momento tentou impedi-lo.

– Desculpa... Por favor, eu não quis magoar você.

– Como se você já não tivesse feito isso, né? – Falou irônica tomada de uma raiva imensa dele, de Raul que os havia interrompido, e dela principalmente por ter cedido tão fácil.

– Não me lembro de você ter me pedido para parar! – Disse ele também com raiva.

– Precisava?

– Me diga você! Quando eu beijo uma garota e ela corresponde, é natural acontecer esse tipo de coisa! – Gui gesticulou com as mãos apontando para o estado dos dois – O que você queria?

Guilherme passou a mão nervosamente pelos cabelos e começou a anda pelo quarto semelhante a um animal enjaulado. A tensão que pairava deixou o ambiente pesado e impossível para Alice permanecer ali. Ela queria abraçá-lo, pedir desculpas pela sua estupidez, mas estava receosa demais do que poderia acontecer se o fizesse. E Raul, Júlia, Danilo e Camila do outro lado da porta eram um lembrete do quão sem chão um simples beijo dele foi capaz de deixá-la. Ela não gostava de perder o controle assim, ainda que nem soubesse como era perder o controle até beijá-lo.

Alisando o vestido e rezando para que sua aparência não denunciasse o que acabou de acontecer naquele quarto, Alice caminhou desajeitadamente até a porta, mas não antes de Guilherme a segurar pelo braço e lhe dar um aviso.

– Nós dois ainda não terminamos essa conversa.

– Não tem mais o que falar...

– Tem sim! Não é possível que só eu tenha sentido tudo o que eu senti. Não negue! – Falou quando ela abriu a boca para protestar – Você não pode fingir que nada aconteceu. Muito menos vai poder fugir de mim, não para sempre.

Flash back OFF

– Eu avisei que você não ia fugir de mim.

– Quem disse que eu to fugindo?

Mas foi exatamente o que ela fez nos últimos dias. Evitou ao máximo possível encontrá-lo onde quer que fosse ou mesmo falar sobre ele e o fato de Guilherme não a procurara lhe proporcionou certa paz. Um estado que não duraria muito tempo, já que agora, lá estava ele na sua frente lhe deixando sem saída.

– Você... Sua linguagem corporal. O fato de olhar a cada cinco segundos para a porta desesperada para correr para bem longe. Não precisa ser muito esperto para perceber isso.

– E você tem que ser desgraçadamente esperto, não é? – Ela não negou o que ele disse.

– Quem pode me condenar? – Ele deu de ombros, muito, muito satisfeito por deixá-la sem opções – Então, como vai ser? Vai sair calmamente na minha companhia ou vou ter que te carregar nos ombros?

– Você não se atreveria! – Mas a determinação refletida nos olhos dele dizia que ela não devia pagar para ver.

– A gente pode fazer do jeito fácil ou do difícil: A escolha é sua!

– Tudo bem... – Rendeu-se, sem forças. Ele sempre a venceria em qualquer que fosse a situação, lutar era perda de tempo.

Alice saiu com ele logo atrás de si a deixando consciente de que não a deixaria só nem tão cedo.