Nothing Left To Say escrita por warriordemigod


Capítulo 5
Cap. 5 - Trouble Town


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente eu tô SUPER feliz tô recebendo os resultados das provas que eu fiz semana passada e tipo eu só tô tirando notas altas (coisa que nunca aconteceu). Então a música do cap é Trouble Town do Jake Bugg (mais conhecido como o meu futuro marido) Se quiserem escutar e verem a tradução, façam isso.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/409211/chapter/5

08:51 AM

— Finalmente! — exclamou Thalia com um sorriso feliz no rosto. Ela ergueu os braços para cima numa comemoração estranha que fez seu namorado rir e abraçá-la de surpresa.

Percy também ria da felicidade pequena no meio daquele inferno todo. Demorara pouco mais de duas horas para tirar todos os carros do meio da estrada, seus braços doíam terrivelmente e o Sol começava a queimar sua cabeça. Brigara com Nico algumas vezes por que ele não queria mudar um ou outro carro de lugar, alegando que dava para passar tranquilamente dentre eles, mas tudo era acalmado por Thalia e suas frases de filosofas que Percy sempre admirara.

Não encontraram muitos walkers. Um ou outro escondido nos carros, alguns vindos do pasto que cercava a estrada, mas nada demais. (Percy presumia que a maioria havia abandonado para procurarem por abrigo, e suspeitava que os que ficaram perto demais dali eram os zumbis que vinham dos pastos.)

O momento mais assustador para Percy talvez tenha sido quando Nico estava sofrendo para empurrar um Chevrolet e uma criança-zumbi se levantou dele. Em vida, não deveria passar dos quatro anos de idade — a chupeta pendia molemente em sua boca de forma inexplicável, ela também segurava uma mamadeira — causando choque em Thalia e, principalmente, Annabeth.

Nico permanecia perturbado pelos ataques dos walkers Quíron e Dionisio e não quis terminar seu serviço, trazendo a tarefa à Percy. Não, ele não gostava muito de matar walkers. Alguns, como aquela garotinha, jamais teriam a chance de ver o quão maravilhoso o mundo era antes do apocalipse. Jamais teriam a chance de viver.

Seu olhar encontrou o de Annabeth; ela sorriu e abaixou os olhos. Percy não esperava muito além daquilo. Sabia que algo havia mudado durante as horas que haviam passado naquela estrada. O olhar dela não era mais o mesmo, o jeito que ela lhe estudava se transformara. Algo tinha feito essas mudanças acontecerem.

Annabeth teria começado a lembrar-se de seu acidente? De como tinha sido durante praticamente metade do último ano? Os lábios de Percy brincaram com um sorriso ao pensar nisso. Se fosse verdade, ela se recordaria de todos os momentos que haviam passado juntos, de todas as brincadeiras, de tudo..

Por que Percy sabia. Tinha certeza, para falar a verdade. Annabeth gostava dele. Desde o primeiro dia em que se viram. Por isso ela insistia tanto em ser sua amiga. Por isso ela sempre estava lá quando precisava. Percy nunca chegara a descobrir o que Annabeth sentia de verdade por ele por causa do maldito acidente que a impossibilitou por cinco meses, mas sua expectativa falava mais alto. Annabeth o amava.

— Acho que é melhor irmos, então — disse Nico após largar Thalia. — Precisamos chegar a Nashville hoje.

Thalia concordou. Os dois se encaminharam para o Cadillac, já na saída da estrada, deixando Percy e Annabeth sozinhos. Ela começou a se perguntar se era acidental, e parou por aí. Tudo o que Thalia fazia havia um motivo por trás.

Ignorou a possibilidade de bater na amiga depois para observar a timidez que Percy ganhara ao estar ao seu lado. Sorriu com isso, pois ele sempre fora o mais alegre e solto de todos. Às vezes até demais — chegando a irritar Annabeth de vez em quando. 

— Fez um bom trabalho, nos ajudando — disse Percy, tão rápido que acabou atropelando as palavras. Aparentemente, o sentimento de poder não poderia conter seu nervosismo ao ficar perto de Annabeth.

— Ajudei demais — respondeu Annabeth com sarcasmo, girando a adaga que ganhara de presente entre os dedos. — Não fiz nada além de olhar vocês trabalhando.

— Você tá doente, não pode ficar se esforçando muito.

Annabeth parou de rodar a adaga e cravou seus olhos em Percy. Se ainda restava alguma dúvida de que alguma coisa mudara em Annabeth, depois daquela troca de olhares rápida, agora não existia mais.

O garoto sentiu o calor dos olhos de Annabeth queimar em sua pele, sentiu o ritmo do coração dele fugir completamente do compasso; ele ouviu os pés dela se arrastarem alguns centímetros, ele sentiu o ar entre eles deixar de existir ligeiramente; sentiu seus olhos se fecharem automaticamente e sua cabeça se inclinar para se aproximar dos lábios de Annabeth...

Bruscamente, sua visão foi tirada dela. Annabeth o empurrou com delicadeza para longe, mordendo o lábio inferior e entrando no Cadillac no banco de trás ao lado de Thalia.

Percy suspirou altamente, sentando-se por um segundo no capô do carro. Que idiota fora. Ele não podia apressar as coisas, não podia. Annabeth ainda estava presa na realidade antiga, onde eles eram apenas amigos. Tinha saído a dois dias do hospital, não tivera nem tempo para as respostas das inúmeras perguntas que passavam por sua cabeça. Entrara no Cadillac por que não tinha mais lugar nenhum para ir.

Tinha que se contentar com isso por um tempo. Annabeth ainda não recuperara a memória. O Percy da mente dela não era o garoto de agora, a que sempre estivera ali por ela. 

11:09 AM

Alguma coisa estava acontecendo.

Eles não se falavam em horas. Percy deveria ter feito algo muito ruim para que Annabeth parasse de conversar com ele. Eles nem pareciam um casal mais — agora estavam mais para um casal na meia idade.

Era uma coisa a mais para Thalia se preocupar.

Percy sentava-se a sua frente, alheio a tudo que acontecia do lado de dentro e fora do carro. Balançava a cabeça no ritmo da música, os olhos fechados e cantando-a silenciosamente. Aparentava em paz se não tivesse o semblante conturbado, como se a música não pudesse curar o torpor que passava por sua mente.

Annabeth estava com a cabeça recostada no vidro da janela de trás do Cadillac, não ouvindo os comentários de Nico sobre a Segunda Guerra Mundial e como tudo seria resolvido mais rapidamente se os alemães não tivessem ajuda de alienígenas. Olhava distante, as árvores passarem sem pressa pela janela, às vezes lançando olhares discretos à Percy.

Thalia suspirou, acenando afirmativamente para Nico sem realmente ouvir. Não era pra aquilo acontecer. Os dois deveriam estar no banco de trás juntos, ela deveria estar com o namorado ao seu lado, não a enferma Annabeth.

Saíra adiantada da estrada para que Percy fosse corajoso o bastante e expressar o que sentia por Annabeth, para que Annabeth também ousasse admitir em voz alta como agia ao redor de Percy. Não para que os dois fizessem, sei lá, alguma coisa estúpida que os colocassem brigados até o fim do apocalipse zumbi.

Não, eles não podiam ficar brigadas. Havia tanto acontecendo, Percy simplesmente não poderia não salvar Annabeth só por que ela tinha renegado seu amor. Aquilo era insano. Justo quando precisavam ficar unidos, quando qualquer vínculo com qualquer pessoa existente no planeta Terra era terrivelmente necessário. Maluquice.

Depois de um tempo Nico chutou a canela de Percy com força, fazendo o garoto abrir os olhos assustado somente para encará-lo raivosamente. Ele massageou a perna. Nico notou que Percy queria xingá-lo e apenas sorriu maldosamente — uma das qualidades que jamais perderia: irritar pessoas ao extremo.

— O que foi? — perguntou Percy em voz alta após parar de dar seus chiliques.

Ele apontou com a cabeça para Annabeth enquanto desviava de um carro perdido na estrada. Tirara o pé do acelerador agora que Percy prestava atenção nele; certamente seria atirado para fora do Cadillac se ele soubesse que o havia testado ao máximo.

— O que houve? — devolveu a pergunta num sussurro.

— Nada — respondeu o outro em voz alta, atraindo a atenção de Annabeth. Bufou, pois Percy usava seu tom sexy que ultimamente era muito útil para que lhe entregassem munições e alimentos.

Nico revirou os olhos. Percy jamais tinha aprendido a demonstrar seus sentimentos. Vivia se escondendo debaixo de uma máscara de sarcasmo e ironia. E era por isso que eram amigos desde o fundamental.

Percy voltara ao seu estado vegetativo.

— Ei, Nico — chamou Annabeth timidamente, chegando o quão perto o cinto de segurança deixava do motorista. — O rádio tá chiando.

Ele fitou Annabeth por uns instantes até conseguir ouvir o rádio por cima da música alta de Percy. Desligou o som com raiva e chutou Percy outra vez para que ele tentasse ligar o comunicador.

— Não precisa me bater, porra! — gritou Percy irritado enquanto tirava o rádio-comunicador do porta-luvas e o ligando. — Percy falando, câmbio.

— E aí gente, é a Clarisse.

A voz da garota de alguma forma acalmou Nico. Eles eram tão amigos quanto Percy e ele, se metiam numa briga quase toda semana antes do mundo se transformar naquele inferno, e ele sempre a apoiava em tudo. 

— Clarisse! — exclamou Nico animado, tirando a mão do volante por um segundo para bater um high-five imaginário com a garota. — Como tá os garotos?

— Eu estou ótima, só pra deixar isso claro — respondeu ela com sarcasmo. Nico riu brevemente. — E os outros também estão bem. Ultrapassamos a divisa e estamos no Tennessee, onde diabos vocês se meteram?

— Tivemos uns problemas noite passada — disse Percy. Seu olhar encontrou o de Nico e eles assentiram ao mesmo tempo.

Nico queria mencionar Anabeth nas conversas que tinha com os amigos. Não gostava de admitir, mas Annabeth agora fazia parte de sua família — não mencionando que eles davam boas risadas falando mal de Percy juntos. E ele cuidava de sua família, protegia.

Porém Percy dissera que não. Antes mesmo de invadir o hospital em busca dela, antes mesmo até de saber se Annabeth acordaria ou não. Ele não sabia por que, e nem discutiria com o amigo. Percy e sua aura de poder já lhe deixavam em seu lugar, não precisava ficar brigando com ele por coisas sérias outra vez.

— Walkers? Tivemos que correr quilômetros para nos afastarmos de alguns também.

— É... — Percy balançou a cabeça. — Walkers. Foi isso.

Um silêncio tenso se instaurou. Percy era um bom mentiroso quando se tratava de gente desconhecida, mas para alguns, que basicamente eram Nico, Annabeth e Leo ele simplesmente não conseguia. Sua voz falhava horrivelmente e ele começava a abanar a cabeça como se tivesse um inseto em seus cabelos.

— Beleza então — Clarisse disse. Nico ameaçou chutar Percy de novo por sua mentira, que Clarisse obviamente percebera, porém o garoto o parou com a mão solta. —Onde vocês estão?

— Knifley Road — respondeu Thalia, a cabeça morena escondida atrás do mapa. — Perto da divisa entre Kentucky e o Tennessee.

— Ótimo — murmurou Clarisse, não mais tão à vontade. Nico virou-se para Percy por alguns segundos apenas para lançar-lhe um olhar mortal. Ele não acreditava que perdera o bom humor da amiga somente por que Percy não queria contar a ele que estavam com Annabeth. — Vejo vocês no Leo, então. Boa sorte. Câmbio e desligo.

O rádio-comunicador voltou a soltar chiados.

— Jackson, muito bom! — exclamou Nico imediatamente. Não chutou Percy, pois estava demasiado estressado para tentar algo. — Me explica, por favor, por que não está contando pra ninguém que ela tá com a gente?

Nico não queria deixar Annabeth desconfortável com seus gritos e brigas com Percy, mas agora estava fazendo algo que nunca pensara em fazer na vida: defendê-la do próprio amor de sua vida.

— Ela passou por muito, sabia?! Não tanto quanto a gente, mas pra ela isso dói muito mais! Foi ela que acordou há dois dias, lembra?! Foi você que a salvou, por que queria que o mundo dela recomeçasse ao seu lado! E agora como você vai fazer isso se nem para a porra de seus amigos você conta que está com ela?!

Nico não tinha ideia de como tinha conseguido permanecer com a atenção na estrada e ainda gritar com Percy. O garoto não havia movido um músculo, respirava ofegante e não tinha se virado para encará-lo.

Ele arriscou um olhar no retrovisor a Annabeth. Os olhos brilhavam de lágrimas, porém elas não caíam por suas bochechas. Sua expressão era intensa, ou pelo menos tentando se passar por uma. Ela murmurou um “obrigado” na direção de Nico.

Nico crispou os lábios, piscando à garota. Se Percy notou a comunicação muda de Annabeth ele, ignorou. Não falara nada, nem um murmúrio, nadinha. Só mantinha a cabeça baixa, como se aceitasse a derrota, como se Nico fosse melhor para Annabeth do que ele própria. Aquela não era o Percy que tinha aprendido há respeitar tanto anos antes.

— E-eu não queria contar — sussurrou Percy lentamente. — Me desculpe. Mas não acho que poderia.

— Por quê? — indagou Annabeth, enfiada no banco de couro, muito provavelmente esperando que ele se fundisse a ela para que pudesse desaparecer dali. Thalia observava a discussão atentamente, o mapa que carregava para cima a baixo amassado entre a palma de sua mão.

— Eu iria contar! — Percy disse desesperadamente. — Quando Grover ligou da primeira vez, achei que tivesse ouvido sua voz, mas não. Ele não sabe. E bem, só eu falei com Leo da primeira vez. E ontem, no seu, sei lá, surto, achei que não seria sensato.

— Mas qual é o seu...? — começou a questionar Nico furioso, porém Percy o interrompeu:

— Eu não queria dizer pra ninguém por que eu não sei o que pode acontecer com ela! — Percy por fim havia levantando o rosto, uma lágrima solitária escorrendo por sua bochecha. Nico passou a língua pelos lábios, deixando seu olhar cair na estrada. Doía demais ver Percy daquela forma. — E-eu não sei se Annabeth pode cair dura daqui a dois minutos, eu não sei quanto tempo ela pode dormir sem ser realmente um coma, eu não sei se ela vai acordar! Não posso deixar ninguém ter essa dor todos os dias além de mim.

Thalia suspirou pesadamente. Ela acariciava o ombro de Annabeth de maneira terna. Esta, pelo jeito, tinha se rendido às lágrimas pela milésima vez desde que saíra do hospital. Percy deu um olhar à motorista do tipo “está satisfeito?” e virou-se para a janela do Cadillac enxugando as bochechas rosadas.

Talvez Nico tenha se arrependido mais tarde, porém, naquele momento, sentia-se livre de mais um de seus problemas. Pronto. Fizera o que deveria ser feito. Conseguira fazer Percy admitir o que sentia a Annabeth, em alto e bom som, sem precisar de que o primeiro tentasse beijasse a outra. Esboçou um sorriso, feliz com o próprio feito.

Seu sorriso sumiu ao mesmo tempo em que o pé pisava no pedal do freio por instinto e os olhos tentavam assimilar o que estava vendo.

Knifley, KY

12:10 PM

Uma cidade.

A porra de uma cidade.

Tudo bem, não era exatamente uma cidade. Estava mais para um vilarejo de uma única rua no meio do nada. Mesmo assim, Percy olhou com raiva para Thalia. A morena tentou explicar por que estavam paradas numa cidadezinha do interior do Kentucky, mas da sua boca não saía nenhum som. Quieta, ela voltou a estudar o mapa, procurando algum erro de localização.

— Paramos? — indagou Nico amedrontado, as mãos firmando no volante como se ele fosse salvar sua vida. — Ou devíamos acelerar e rezar para que nenhum errante nos ouça?

Percy poderia estar furioso com ele por tê-la feito expor-se para Annabeth daquela maneira, mas tudo sumia rápido até demais em um apocalipse zumbi. Viver era mais importante que conversar idiotas sobre sentimentos. Ele e Nico eram as líderes ali, precisavam cuidar das outras duas, precisavam chegar à fazenda de Leo vivos. Era o que importava.

— Não parece haver ninguém — disse Annabeth, baixando o vidro da janela do seu lado, colocando a cabeça para fora e observando com atenção a rua ladrilhada. — Nem vivo nem morto. Deveríamos ver se há alguns mantimentos. Isso pode ser útil, certo?

Nico e Percy se entreolharam, impressionados com as notas da garota. Percy tinha que admitir que Annabeth pegara rapidamente a regra de viver sem drama. Thalia, contudo, sequer ouviu o que Annabeth havia acabado de falar.

— Temos que passar por aqui se nós quisermos chegar à fazenda ainda hoje — falou concentrada, atraindo suspiros de Nico. — Ou, poderemos dar a volta na serra e chegar lá amanhã de manhã, se não dormirmos na estrada.

— Vamos por aqui mesmo — concordaram Percy e Nico ao mesmo tempo.

— Mas paramos para apanhar mantimentos? — Annabeth retomou a pergunta, mais séria e determinada.

— O que você acha? — Nico indagou a Percy.. — Devemos ir?

Percy considerou. Annabeth tinha levantado ali uma boa ideia, como sempre. A galera tinha passado boa parte dos últimos dois meses juntando e armazenando alimentos e bebidas para os momentos de crise, e eles já haviam chegado. Ter mais um pouco de enlatados que durariam anos e macarrão instantâneo não era nada mal.

Entretanto, ao entrar em cada uma das dez ou onze casas que ali existiam, havia um risco enorme de haver walkers. Ou pior, humanos loucos atrás de comida e pessoas para que fizessem de escravos. Percy não poderia colocar seu bando numa missão quase suicida como aquela.

Sinceramente, não sabia o que fazer.

— Me diz você, por favor — pediu Percy.

— Eu poderia sugerir uma votação, mas somos quatro — disse Annabeth determinada, lembrando à Percy certa líder de classe de conhecera uma vez. — Então, peço que deixem que eu faça a decisão dessa vez. Todas de acordo?

Não houve muita discussão. Os outros três assentiram à ideia de Annabeth, que abriu um sorriso enorme diante da aprovação. Percy sorriu com ela, sem saber exatamente por que.

— Ótimo. Eu decido que deveríamos revistar algumas casas, não todas, até por que demoraria muito tempo e o sol está começando a se aquecer. Deveríamos ir todos juntos, também. Vigiar umas as outras. É assim que tem que acontecer. — Ela abriu a porta do Cadillac, jamais decidida do que Percy a vira na vida. — Prontos? Então vamos lá.

Percy desceu do carro depois de Annabeth, o facão girando em sua mão e duas de suas pistolas encaixadas fielmente no case em suas costelas. Annabeth deu-lhe um sorriso ao colocar seu revólver em sua perna, indicando Annabeth com a cabeça.

— O quê que tem? — indagou Percy franzindo a testa.

— Daqui a pouco ela vai merecer umas aulas de tiro — Nico disse dando uma risada rouca. — Particulares. Suas.

— Cala a boca! — exclamou o outro, porém ria. Era por isso que considerava Nico seu amigo, principalmente agora. Sua amizade era mais briga do que conversas tocantes. Por que eles não precisavam de conversas tocantes para se desculpar uma com o outro.

Percy tentava entender por que Nico a forçara dizer àquelas coisas minutos antes. Ele estava com medo de perder Annabeth durante a viagem. A garota não estava completamente bem, não queria encher os outros de esperanças para quando chegasse ao Leo, recebesse caretas tristes lhe olhando com pena.

Ela não precisava daquilo. Sim, um lado de seu corpo tinha plena certeza de que Annabeth estava bem. De que nenhuma dor lhe afligira nas últimas horas, de que eles poderiam correr por aí em campos de trigos logo, logo. Contudo, seu lado maligno, o lado que aflorava quando seus pensamentos eram somente os piores, dizia que Annabeth poderia cair a qualquer momento em seus braços sem nenhum pulso ou respiração.

Seu coração ardia de tanta dor quando começava a pensar dessa forma. Se sua conexão com Annabeth ainda existia, tinha certeza de que ela também sentia. Afinal, se estavam conseguindo compartilhar as mesmas alegrias, as dores também seriam algo fácil.

— Vamos! — sussurrou Annabeth à porta da primeira casa.

Mais de perto, o vilarejo parecia um lixo aos olhos de Percy. Quer dizer, aquele não era o lugar mais apropriado para fugir de um bando de errantes famintos. Ao observar a arquitetura do lugar, imaginou que as pessoas que ali viviam nem deveriam saber o que estava acontecendo no mundo lá fora.

Mesmo assim, engoliu em seco e, liderando a expedição, chutou a porta da casa, gerando um barulho enorme considerando o silêncio no qual estavam mergulhadas. Entrou primeiro, o fedor de mofo invadindo suas narinas imediatamente. As janelas estavam fechadas com cortinas escuras, o que dificultou a vista dentro da casa.

Avançou lentamente, pedindo em códigos que as garotas ficassem do lado de fora. Ele tateou as paredes até a janela principal do cômodo, os olhos se acostumando com a escuridão; a mão que carregava o facão pronta para o ataque.

Abriu a cortina num segundo.

— Puta merda! — exclamou sem se conter.

Percy não tinha certeza do que lhe chamava mais a atenção: as paredes sujas de sangue ou os corpos de sete pessoas sentadas à mesa de jantar, parecendo pacíficas se cada uma não estivesse uma marca de bala alojava no meio da testa e o cara que sentava à ponta da mesa com metade do cérebro estourado.

— Nico, deixe as garotas aí fora — ele avisou ao ouvir passos vindos em sua direção.

Ele se aproximou mais alguns passos de uma parede branca. Estudando mais atentamente, percebeu que as manchas de sangue nessa parede formavam uma frase, que demorou a decifrar.

— Deus nos perdoe — ele leu aterrorizado.

Sim, aquelas pessoas tinham televisão. E ao contrário do que ele pensara, tinham visto no que o mundo se transformara.

— Caralho! — exclamou Nico audivelmente ao entrar na sala de jantar onde Percy estava. Ele abaixou seu facão e se aproximou de um dos corpos, o de uma garotinha que não aparentava ter mais de dez anos. — Isso é...

— O que as pessoas fazem em momentos de desespero — Percy completou sério, se encaminhando à cozinha. O fedor ali começava a irritar seu nariz. — Vamos pegar o que pudermos e sair daqui, rápido.

Nico concordou e avisou para que Thalia e Annabeth ficassem à porta e não entrassem. Percy queria impedir que as duas vissem a tragédia ali, mas encontrou o rosto assombrado de Annabeth na janela do cômodo que havia aberto. Antes que pudesse dizer alguma coisa, Annabeth saiu dali e logo Percy ouviu o som de vômito.

Ele não podia julgá-la. O horror no rosto daquelas pessoas fora a pior coisa que já tinha visto. A garota jamais encontrara alguém que havia cometido suicídio e matado membros de sua família para fugir do apocalipse. Ver a que ponto tinha chegado o planeta lhe assustava um pouco.

Percy abriu os armários da cozinha e encontrou uma grande porção de enlatados de todos os tipos. Sardinha, batata, milho, extrato de tomate... Ele abriu um sorriso ao ver cinco caixas de Coca-Cola escondidas estrategicamente atrás das lingüiças enlatadas. Gritou para que Nico lhe trouxesse a caixa que haviam trazido para levar tudo para o carro.

— Coca-Cola! — exclamou Nico animado, não pensando duas vezes em tirar uma latinha da embalagem, abri-la e tomá-la com gosto. — Eu não tomo Coca desde que esse inferno começou. 

— Eu sei disso, eu também — retrucou Percy, pegando a latinha das mãos do outro e tomando um gole. — Anda, me ajuda aqui.

Eles colocaram toda a comida enlatada, incluindo as latinhas de Coca, na caixa térmica quase lotada de macarrão instantâneo. Percy pegou numa das alças da caixa e chamou a atenção de Nico, que parecia ter se apaixonado pela Coca-Cola, e juntos carregaram os alimentos para fora a varanda da casa, onde encontraram Thalia dando tampinha nas costas de uma Annabeth Chase com o rosto verde.

— Como vocês aguentaram o fedor? — ela perguntou assim que viu as duas saindo da casa com os suprimentos. Annabeth parecia seriamente doente para Percy. — Credo, dá pra sentir daqui.

— E é por isso que você não sobreviveria aqui sozinha — Nico falou com sarcasmo, soltando a caixa térmica e deixando que Percy a carregasse. — Depois de um tempo se acostuma.

— Quero me acostumar logo — Percy ouviu Annabeth murmurar enquanto saía para despejar o conteúdo da caixa no porta-malas do Cadillac.

Ao voltar, encontrou Thalia fechando a primeira casa e Nico e Annabeth andando para a próxima. Percy não estava gostando daquilo. Fora bom ter encontrado aquele tanto de comida, mas os corpos das sete pessoas sentadas na sala de jantar com tiros na cabeça lhe davam um péssimo sentimento.

Mesmo com o mau pressentimento na cabeça, Percy seguiu os outros para a próxima casa, também parecendo completamente destruída pelo lado de fora. Ele ajeitou o facão na mão direita e espiou pela cortina meio aberta da janela ao lado da porta.

Afastou-se no mesmo instante, petrificada. A mesma cena, dessa vez com quatro pessoas sentadas num sofá, a TV chiando, esperando um sinal que nunca viria. Os menores deveriam ter seis ou sete anos, sentados no colo dos pais parecendo estarem dormindo. A cabeça da mãe se recostava no sofá com metade de seu cérebro para fora. O pai pendia para o braço do sofá, as gotas de sangue inexplicavelmente ainda pingando. E na parede, a mesma mensagem da primeira casa: “Deus nos perdoe”.

— Percy...? — Ela ouviu Annabeth chamar de longe, o toque quente dela em seu braço lhe assustando.

— Esperem aqui — falou determinado quando conseguiu tirar a imagem aterrorizante de sua cabeça.

Sem dar maiores explicações, correu até a janela da próxima casa. Cinco pessoas mortas com um único tiro na cabeça sentadas na sala de jantar como na primeira casa. A mensagem na parede. Continuou a andar. Teve que arrombar a outra para ver dois garotinhos, uma mulher e um gato deitados mortos numa cama de casal. Acima deles, também estava escrito um pedido de perdão a Deus.

Caminhou apressada até o fim do vilarejo, conferindo cada casa dos dois lados da rua silenciosa, sentindo que estava sendo observada pelas garotas e escutando as reclamações de Nico sobre como o que estava fazendo era perda de tempo.

Percy não deu ouvidos às chatices de Nico. Cada casebre no povoado não estava lotado de gente viva ou zumbis ou enlatados. Em todas as casas, suas famílias tinham tirado sua vida. Em qualquer cômodo de entrara, Percy via as marcas de sangue espirrado nas paredes e a letra confusa, provavelmente do chefe da família, escrita em sangue a mensagem que vira na primeira casa.

— Eles fizeram um pacto... — ele disse ofegante assim que chegou perto dos outros — todas as casas... todos estão mortos... na parede está escrito... “Deus nos perdoe”...

Nico o fitou descrente, e Percy sabia que ele queria provar por si o que tinha acabado de falar. Entretanto, ele a segurou pelo braço quando Nico fez menção de se virar.

— Não... — falou ainda sem fôlego. — Temos que ir embora. Pelo cheiro forte e o sangue pingando na cabeça do cara dessa casa aí — ele apontou para a janela da casa onde estavam — eles acabaram de fazer isso. Tipo, um ou dois dias no máximo.

Ele olhou significantemente para Nico.

— Não é a mordida que nos transforma — ele murmurou a frase do último noticiário nacional de duas semanas antes. — É a morte.

— O quê? — fez Annabeth confusa.

Percy ouviu um barulho vindo de dentro da casa, um baque surdo, que lhe lembrava horrivelmente de um corpo pequeno caindo no chão. Ele se arriscou um olhar à janela e encarou diretamente o zumbi. Ele tinha olhos cinza-claros, o oco de seu tiro na testa dando nojo à Percu, e devolvia seu olhar de forma faminta.

O errante começou a se arrastar até a janela, mas Percy foi mais rápido e sacou a arma de sua cintura, disparando uma única vez, que foi suficiente para o errante cair de costas. Infelizmente, o tiro acordou a mulher e as duas crianças walkers. Percy gritou com nico, que não precisou de nenhuma ordem para empurrar Thalia e Annabeth para fora dali.

Percy mirou mais três vezes para acertar o resto da família. Ele já podia ouvir os gemidos dos outros walkers das outras casas, se rastejando em direção à carne fresca. Por sorte, antes que um ou outro zumbi conseguisse cair pela janela ou abrir a porta de suas casas, o Cadillac vermelho parou ao seu lado. Entrou rapidamente no banco de trás ao lado de Annabeth, ofegando enquanto Thalia colocava o pé no acelerador para que eles saíssem daquele vilarejo o mais rápido possível.

— Pelo menos temos mais duas semanas de alimentos — disse Annabeth, um tanto arrependida. Ela virou-se para Percy, a mesma expressão confusa de minutos antes. — Me explica esse negócio de morte, por favor.

Percy suspirou e seu olhar se encontrou com Nico. O garoto assentiu silenciosamente, pensando o mesmo que ele. Quanto mais Annabeth soubesse, melhor seria para eles, ou melhor, ela própria. Poderia se defender sozinha — não que Percy quisesse deixá-la sozinha, seria apenas em casos extremos.

— A gente não sabe direito — ele começou, escolhendo as palavras. — Só sabemos o que nos foi passado pelas poucas semanas que a televisão durou. Essa coisa de zumbi é um vírus, eles achavam, e se transmitia pelo ar. Mas só atinge as coisas mortas. Como por exemplo, se eu fosse mordido no braço agora mesmo, o que vocês teriam que fazer seria amputá-lo e estancar o sangue. Eu não viraria um walker.

— Por outro lado — continuou Nico, entrando na conversa —, se não pudéssemos salvar Percy a tempo, se ele morresse, em pouco tempo ela viraria zumbi. "Nasceria" de novo. E nós estaríamos fudidos por que estaríamos trancados num Cadillac com um errante.

Ele riu da própria piada, mas Percy concordou com ele seriamente. Annabeth assentiu; a compreensão perpassando por seu rosto.

— Então a gente só não pode morrer? — perguntou por fim.

— É, por aí — respondeu Thalia, já que Nico estava ocupado tomando sua latinha contrabandeada de Coca-Cola.

— O quê? — Ele questionou ao perceber que todos lhe encaravam. — Temos Coca-Cola! Quente, mas ainda é Coca-Cola. Vocês não sentem falta de Coca, não?

— Sentimos, mas lembre-se Nico, ela é apenas um refrigerante, não amor — disse Percy, sério.

Nico lhe mostrou o dedo do meio. Percy lhe devolveu o gesto, mas o amigo já não prestava atenção, ocupado em colocar uma fita no rádio e dividir seu refrigerante com Thalia. Em vez de continuar a briga com Nico, seus olhos caíram em Annabeth, e notou que os grandes orbes dela lhe fitavam primeiro.

Annabeth desviou o olhar, dando toda sua atenção a um buraco no estofamento do carro. Percy lutou contra si por alguns minutos até se decidir e pegar a mão de Annabeth que brincava ao seu lado. Sem dizer nada, ficaram de mãos dadas por um bom tempo, Percy sentindo suas bochechas corarem fortemente.

Era um avanço, não era? Annabeth a deixara segurar sua mão. Não podia beijá-la agora, ou podia? Por um segundo, o verde encontrou o cinza novamente, e Percy se perguntou como era respirar. Engoliu em seco quando Annabeth finalmente desfez o contato visual.

Não. Talvez aquele não fosse o momento certo para beijar Annabeth.

Mas ele chegaria.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

ANNABETH PORQUE DIABOS VOCÊ NÃO BEIJA LOGO O PERCY?? O MENINO TA CAIDINHO POR VOCÊ. Então até eu tô achando muito cu doce da parte da Annabeth, mas não se preocupem Percabeth vai chegar logo, logo. SEM COMENTARIOS/REVIEWS SEM CAPITULO NOVO.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nothing Left To Say" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.