Molly se sentiu feliz pela primeira vez por ser pequena. No meio da rua de areia e barro a única coisa que se via era poeira e uma confusão de pelos, garras e sangue. Sua estatura baixa acabara ajudando-a a não ser fatiada e não chamar atenção dos coiotes enquanto movia-se rapidamente procurando por Scott.

-Scott! – gritava em meio aos rosnados.

Rolou a tempo de não ser esmagada por um coiote e um lobo da matilha de Scott que se engalfinhavam, sua respiração estava rápida e irregular com a adrenalina acionada em seu corpo. Correu para longe dos dois e deu uma volta completa até avistar Scott sobre um telhado de uma das casas.

Ele estava em sua forma de lobo, os pelos da cor marrom estavam sujos de sangue e desgrenhados, os dentes arreganhados para um coiote que ele havia acabado do jogar no chão, dois metros abaixo de onde ele estava.

A menina sorriu ao ver que ele estava bem, exceto por alguns arranhões além da cicatriz no rosto. Estava prestes a chamá-lo novamente quando sentiu algo a olhando, virou-se por reflexo e deu de cara com um coiote a centímetros de si, os dentes ensanguentados expostos perigosamente perto.

Ela apenas ouvia seus batimentos enquanto tentava manter a calma e afastar-se lentamente dele, como Scott a fizera treinar diversas vezes desde que aprendeu a andar.

-Não fuja! – ele rosnava quando ela corria para se encolher em algum canto. – Isso só fará com que ele tenha uma maior vantagem de te agarrar pelas costas.

Ele a abraçava por trás e rapidamente todo o medo que sentia desaparecia quando ele começava a fazer cócegas nela.

Mas isso era apenas quando era ele e ela, agora havia uma real ameaça que não iria lhe fazer cócegas se fugisse. O coiote estava prestes a lançar-se sobre ela, quando algo irrompeu pelo ar e o carregou de volta para o chão com um estrondo.

Molly olhava com os olhos arregalados para o lobo cor de areia que acabara de lhe salvar. Seus olhos âmbar encaravam a menina com curiosidade e seus pelos ficaram respingados de sangue do coiote. Ela proferiu um “Obrigada” sem produzir algum som, apenas movendo os lábios.

Ele fez um leve movimento com a cabeça e correu para fora da cidade pouco antes de alguém pegá-la no colo.

-O que deu em você para vir aqui para fora?! – perguntou Scott preocupado, já em sua forma humana.

-Eu queria ter certeza de que ficaria bem. – envolveu seus pequeninos braços no pescoço dele.

-Você poderia ter se machucado. – insistiu. –Prometa-me que não vai mais fazer isso.

Ela deitou a cabeça no ombro dele e ficou brincando com uma mecha de seu cabelo. A pequena invasão parecia ter terminado e o bando de Scott tirava os corpos das ruas. Molly vislumbrou o que parecia a forma de lobo de Emily fazendo uma expressão de nojo para o cadáver do coiote que o misterioso lobo cor de areia havia matado, antes que pudesse atacá-la. Não fazia ideia de onde as pessoas estavam, provavelmente escondidas em suas casas.

-É assim que os pais fazem? – mirou seus grandes olhos cor de chocolate nos dele. – Fazem os filhos prometerem que não vão mais fazer algo? Mesmo sabendo que amanhã ou depois eles podem acabar quebrando essas promessas facilmente?

Sentiu o corpo dele enrijecer e ficar levemente surpreso.

-Talvez eles só queiram ter um pretexto para se auto assegurarem de que seus filhos estarão protegidos de algo. Não quer dizer que realmente estejam.

A menina olhou para onde estavam indo e voltou a falar.

-Podemos ficar num lugar diferente do celeiro? – pediu.

-Está bem.

Sentou-se no alto de uma das maiores dunas que havia ao redor, ao longe o sol se escondia atrás do que pareciam dunas infinitas de areia, dando espaço para as estrelas e uma grande lua cheia no céu.

-É lindo. – disse se maravilhando com o céu sobre suas cabeças, se encantava facilmente pelas coisas como qualquer criança.

Scott estava estirado ao lado dela, também observando o céu, mas parecia inerte em algum pensamento distante. As primeiras frentes frias características do deserto a noite balançavam os cabelos encaracolados de Molly, como se fossem labaredas dançantes que se apagavam com o pôr do sol.

Olhou de relance para Scott, parecia sentir quando algo o incomodava.

- O que está acontecendo? – engatinhou até deitar-se ao lado dele e puxando seu rosto para que olhasse para ela.

Ele soltou um leve suspiro.

-Tenho a sensação de que vou te perder.

Molly franziu o cenho com a afirmação.

-Me perder, como assim? Você jamais deixaria que alguém...

-Não estou falando disso. – interrompeu-a antes que dissesse “me matasse”. – Não posso mantê-la para sempre aqui no meio desse nada. Uma hora vai acabar se rebelando.

Scott olhava pensativo para nenhum ponto específico, como se tentasse evitar as reações de Molly.

-Mas... eu sou apenas uma criança, mesmo que isso aconteça ainda iria demorar um tempo antes de eu...

Ele balançou a cabeça como se ela fosse muito teimosa e estivesse indignado com isso.

-Você não entende. Você nunca foi apenas uma criança. E isso atrai a atenção das pessoas, o modo como se comporta e fala, é diferente de qualquer criança de cinco anos.

Um ruído escapou da garganta de Molly.

-Está dizendo que eu vou te abandonar?

Ele mirou seus olhos em seu tom amarelado de lupinos nela. Sua expressão era uma mistura de tristeza, culpa e seriedade. Ele poderia ter tido milhares de outras coisas para reconfortá-la, mas ele proferiu apenas um monossílabo.

-Sim.

O som dos carros passando na avenida chegava a ser perturbador aos meus ouvidos naquele momento.

-Quer contar o resto depois? Está há um bom tempo em silêncio. – a voz do homem me fez acordar de meu transe.

Balancei a cabeça.

-É só que... o que aconteceu depois, foi rápido demais. Estou tentando colocar os fatos em uma ordem plausível.

Ele abriu os braços ao lado do corpo como se fosse mostrar algo bem grande.

-Temos a noite toda.