Visitar minha mãe é sempre uma aventura e tanto.

Dessa vez eu não precisei matar outro minotauro. Felizmente nada de ruim aconteceu a minha família nos últimos anos. Eles estão muito bem seguros e minha irmã Donna tem até uma raquete atrás da porta, caso necessário. Mas nunca foi preciso usar, senão arremessar bolinhas ao longe.

Mas porque eu falei da minha mãe? Muito bem. Minha mãe sabe quando algo está errado. Ela tem o dom de olhar em meus olhos e dizer o que preciso ouvir. Não é fácil lidar com a verdade, principalmente quando ela vem em um soco no estômago. A senhora Sally Jackson não me bateu, não fisicamente. Mas falou coisas que me deixou muito atordoado.

Segundo minha mãe, eu estou apaixonado e com medo das consequências no futuro.

Há há.

Não adianta dizer não para uma mãe convicta como a minha. Ela simplesmente não aceita o não. Diz que eu irei aprender do jeito mais difícil. Mamãe me garantiu que não era algum tipo de praga, porque o que eu menos preciso no momento é uma praga. Ela pediu para eu abrir os olhos e ver as possibilidades que a vida está me oferecendo.

Certo mãe, vou olhar minhas possibilidades.

O lado direito está uma bela futura advogada, descendente de Vênus e com um cabelo castanho de arrasar. Ah! Sabe, o cabelo dela é bem liso e nem um grampo para no lugar. Não sei porque pensei nisso, tantas qualidades eu poderia dizer sobre Lavínea. Como a facilidade de decorar leis, o jeito que discursa e sua gentileza com os demais. Mas eu lembrei do cabelo, pois é. Sinto muito em desapontar vocês, eu gosto de ver o cabelo dela caindo sobre seu rosto quando está respondendo uma prova e eu babando e perdendo meu tempo.

Beleza, eu estou começando a entender minha mãe.

Do lado esquerdo está um oráculo. Uma das mulheres mais corajosas que já conheci. Rachel e as manchas de tinta em seus dedos. Ela não usa unhas cumpridas, a ponta de seus dedos geralmente estão manchados de vermelho, amarelo ou azul. Eu não sei se é apropriado ficar falando sobre as unhas das pessoas. Claro que Rachel é bonita e inteligente. Também criativa e empolgante. Mas ela é um oráculo. E se bem me lembro, esse trabalho impede que ela tenha um namorado. Foi por isso que da última vez que nos vimos, eu acabei estragando o clima.

Muito obrigado mamãe. Agora que abrir os olhos e enxerguei minhas possibilidades, estou deprimido.

Lavínea está saindo com um cara chamado Robert e Rachel é um oráculo longe do meu alcance. As mães tem um jeito cruel de dar lição em seus filhos. Não gostei. Estou magoado e só vou melhorar se comer um pouco de sorvete.

Quando abri a geladeira, lembrei que não fiz compras desde que cheguei em casa. Como estava muito tarde, decidi tomar um banho e ir dormir. Tentar pelo menos. Sonhei com o passado.

Meu passado heróico que ninguém mais se importa, a não ser as crianças do acampamento meio-sangue. Não pense que eu não desejei retornar. Sim eu desejei, mas meu objetivo é diferente. Eu preciso provar a mim mesmo que consigo. Não irei esfregar meu diploma na cara dos outros. Talvez eu tire algumas cópias e mande pelo correio para meus ex-professores. Mas eu quero ser algo além de O filho famoso de Poseidon/Netuno.

Mas eu não vou conseguir ir muito longe pensando nisso. Preciso enviar uma mensagem para minha mãe e pedir para ela retirar isso da minha cabeça. Afinal, foi ela quem semeou essa plantinha maligna.

— Percy, são três horas da manhã. Aconteceu alguma coisa? — Minha mãe estava com os cabelos bagunçados e ajeitou-se rapidamente na cama.

— Ah! Foi mal. Fuso horário.

— Olá Percy, quanto tempo. — Paul também acordou e não demorou muito para Donna pular em cima da cama.

— Oi pessoal. Eu queria... eu queria. — De repente eu não sabia exatamente o que eu queria.

— Querido, você parece... confuso. — Mamãe entendeu que a conversa era particular. Isso foi um alívio para mim. Não queria bancar o irmão mais velho chato, mandando Donna ir dormir e pedindo para Paul me deixar a sós com ela. Mamãe quem fez tudo isso por mim. Resumindo, ainda sou legal. — Tudo bem. Agora estamos sozinhos, me diga o que está acontecendo!

Mamãe é a única pessoa que eu não preciso dizer que tem algo errado, sem que ela me faça sentir culpado por isso. Ela sabe e quer ajudar.

— Você estragou tudo. — Não foi um bom começo, confesso. Mas era verdade.

— Eu estraguei? Como?

— Mandou eu abrir os olhos e enxergar as possibilidades.

— Sim, e?

— Bem, eu fiz e agora não consigo dormir.

Ela riu. Mamãe riu de mim. Fiquei chateado.

— Querido. — ela não parava de rir. Agora fiquei magoado e sem graça. — O que foi que você enxergou?

Tive que explicar tudo novamente para ela. Mamãe achou um pouco grosseiro da minha parte comentar que Lavínea tem uma falha na sobrancelha e como o cabelo de Rachel ficava bonito preso com um lenço sujo de tintas coloridas.

— Mas nenhuma das duas está nesse momento dentro das minhas possibilidades. E eu disse que a Annabeth se casou não é? Quero dizer... ela não era um tipo de segundo plano. Mas uma vez você me disse que nosso amor era puro e real... eu não sei mais o que pensar.

— Filho. — Ela mudou de tom. Aquele em que a gente sabe que precisa ficar calado e prestar atenção. — As pessoas acreditam que o amor deveria durar para sempre. E estão certos. Mas isso não quer dizer que as pessoas devem ficar juntas para sempre. O amor pode existir ainda, guardado em seu coração.

— Falando assim é tudo bem bonito, mas na real, o amor é um saco. Foi mal, mas é.

— Sim, é sim. — eu queria que ela estivesse ao meu lado, e ela sabia disso. — Eu acho que sou vítima do amor, assim como você.

— Mãe? Você amou meu pai?

— Percy!

— Desculpe, mas eu preciso saber.

Foi um longo minuto de silêncio, pensei que ela iria terminar a mensagem com uma almofadada, no entanto ela sorriu e respondeu.

— Eu o amo. Amo o homem que me deu um filho. Esse amor nunca acabará. E com Paul, eu sei que a pessoa certa, alguém para envelhecer junto. É um amor maduro.

— Fico feliz por você mãe.

— Não desanime, você é um herói, um filho maravilhoso.

Depois dessa conversa, eu gostaria de dizer que dormi o resto da noite e acordei super bem na manhã seguinte para o trabalho. Acontece que se eu dissesse isso, estaria mentindo.

Não dormi, passei o dia bebendo café e tentando não me atirar pela janela ou fazer aviões de papel com os documentos. Mais tarde, nem mesmo o leão rugindo como se o mundo estivesse acabando, me fez prestar atenção em uma única palavra que o professor dizia.

Então era isso?

Minha vida vira de cabeça para baixo e eu me ferro?

Alguém me diz por favor que tudo é uma grande, e sempre graça, piada? Onde estão as câmeras?

Não?

— Sim.

Sim?

— Sim, meu querido.

Tudo bem, eu estou ficando louco. Tem alguém respondendo meus pensamentos.

— Não querido. Não está ficando louco.

— Afrodite?

Perfeito. Era só o que me faltava. Sem mais explicações apareceram alguns caras carregando câmeras, microfone e uma mulher com uma maleta de maquiagem.

A deusa Afrodite em pessoa falava para a câmera: — As pessoas acabam me culpando quando suas vidas amorosas estão ruim.

— Eu não te culpei. — ela me ignorou e continuou falando calmamente para a câmera.

— Veja só, o famoso Percy Jackson. Alguns anos atrás eu disse que iria tornar sua vida amorosa um pouco emocionante e veja só no que deu.

— Sério, vocês estão transmitindo isso para algum lugar?

Eu vi então o selo da TV Hefesto. Só podia ser brincadeira.

— Percy, estamos acompanhando sua decadência como herói e agora sofrendo assim por amor. Sinto-me culpada.

— Que decadência? Eu não sou decadente. Sou?

Ela sorriu e mandou cortar.

— Essa luz está péssima, pode melhorar? — todos se agitaram e começaram a dar um jeito. Afrodite terminou de analisar o conteúdo da filmagem e virou-se, sorrindo para mim. Ela era tão bonita que eu me sentia desconfortável. — Ora, ora, ora. Nos encontramos novamente.

— Deixa eu adivinhar. Você apresenta um programa de fofocas na TV Hefesto?

— Não me insulte rapaz. Eu não faço fofocas. — ela caminhou em volta de mim, como se estivesse me analisando. — Nada mal. Você me lembra Poseidon em seus dias de glória. Claro que já faz muitos anos e você parece um pouco mais, como devo dizer, inexperiente.

É, ouvir da deusa do amor que você é inexperiente faz você se sentir um daqueles vermes brancos que todo mundo tem nojo. Mas ainda estou curioso com tudo isso.

— O que exatamente está acontecendo aqui?

— Você não assiste a TV Hefesto? Não acompanha meu programa?

— Desculpe, eu estive ocupado nos últimos dez anos.

— Querido, você é o protagonista do programa A vida secreta de um meio-sangue.

— Eu sou o que? Alguém me explica o que está acontecendo aqui?

Mas ninguém sequer disse alguma coisa, apenas filmavam.

— Desde que chegou no Acampamento Júpiter nós fizemos uma parceria com a TV Vulcano, e semanalmente exibimos um episódio de sua vida. Mas nós últimos meses a audiência vem caindo. No entanto, após a chegada da ruivinha, as coisas parecem mais agitadas.

— Vocês estão me filmando em todos os lugares?

— Bem, sim.

— Até na minha casa?

— Não se preocupe sua casa aparece apenas para o pay per view.

— Pay per view?

— E é por isso que eu não queria contar a verdade. Mas Hefesto disse que já era hora.

— Isso é invasão de privacidade. Posso processar todos vocês.

— Sou uma deusa.

— Então vai ser um processo bem divino. — eu saí mandando que não me seguissem. O que não adiantou nada. Antes, quando eu não sabia de nada, eles escondiam as câmeras, mas agora elas aparecem por todos os lados. Mas consegui uma brecha, quando visitei Terminus. Ele destruiu todas as câmeras e Afrodite/Vênus ou sei lá quem ela era no momento, disse que Hefesto não valeria aquela humilhação. Pelo que entendi, havia algum tipo de punição por trás daquela história de programa. Felizmente A vida secreta de um meio-sangue foi retirado do ar e meu chefe, Jano, está dando entrada em um processo de danos morais, ao que me parece posso ganhar uma grana com tudo isso.

Mas dinheiro nenhum fará com que milhares de pessoas se esqueçam de que eu estou apaixonado por uma mulher. Não sei como isso poderia piorar. Mas Afrodite/Vênus é boa no que faz, e mostra como as coisas podem piorar.