Depois de ficar uns bons 10 minutos chorando e remoendo o que eu disse e ouvi de minha mãe e dos meus irmãos, o pacificador decidiu que tinha me dado tempo suficiente e me mandou sair da sala. Me levantei, enxuguei meu rosto, levantei a cabeça e o segui. Ele começou a seguir pela mesma direção por onde tinha me trazido: a frente do edifício da justiça. No caminho, encontrei com Katniss. Tentei segurar sua mão mas ela fingiu estar endireitando o cabelo para tirar sua mão de meu alcance. Decidi que quando chegássemos ao nosso destino, eu conversaria com ela.

Chegamos à entrada do edifício e vi um carro preto com uma marca prateada na parte de trás. Era bonito, mas muito maciço. Se eu fosse ter um carro, ele seria um pouco mais aberto, mas carros são só para gente da capital. Aparentemente sem nenhum comando, a porta do carro se abriu, olhei para o lado e percebi que havia um pequeno aparelho na mão do pacificador que nos trouxe aqui. Devia ser o controle do carro, que importa? Descemos as escadas, eu e Katniss. Estava prestes a entrar no carro mas me contive e acenei para que ela fosse primeiro, esperando um sinal da Katniss que conheço mas tudo o que recebi foi um olhar frio e um erguer de sobrancelhas.

Decidi ignorar isso e entrei logo depois dela. Meu primeiro pensamento ao sentar no banco foi "Nossa, que banco gostoso. O que será que usaram no estofado?" e então percebi que Katniss estava olhando para mim, a espera de que eu falasse alguma coisa. Respirei fundo e falei

– Katniss, eu sei que você está com raiva de mim agora. Mas... Você não entende

– Não, Gale, eu não entendo. E é melhor você me explicar. - Ela fica muito fofa com essa expressão de raiva. Os olhos meio apertados, a boca numa linha fina e as sobrancelhas arqueadas.

– É complicado, Catnip... E você não ia dar muito crédito à minha explicação. Eu só... Não consegui ficar parado enquanto via a pessoa mais significante na minha vida ir embora. Você sabe que eu tenho um apreço enorme por você Katniss, e também, nós dois temos sido companheiros desde aquele acidente - entendam, a morte de nossos pais é um assunto delicado então tratamos dela por "o acidente" - Se passamos anos sendo companheiros e encarando as dificuldades juntos, porque agora seria diferente? Porque eu deveria ficar aqui no distrito enquanto você estaria na arena com algum garoto que não iria te proteger, na possibilidade de morrer longe de mim?

As palavras escapavam da minha boca mais rápido do que chegavam na minha cabeça. Mas ainda não era o momento certo para dizer a ela a dimensão do que eu sinto. Enquanto falava, o carro partiu e já estávamos quase na estação de trem do distrito. A expressão no rosto havia se suavizado um pouco, mas era claro que ela não se dava por satisfeita. Compreensível.

– Gale... Isso tudo é muito fofo da sua parte mas... Você sabe muito bem que só volta um. Você não acha que eu conseguiria viver sabendo que você teve que morrer para isso, né? - Me virei, peguei suas mãos e encostei minha testa na dela

– Katniss, confia em mim. Nós dois vamos voltar. Eu vou dar um jeito nisso. Olha... Contanto que eu esteja doteu lado, eu vou ficar bem e vou fazer o possível e o impossível para você ficar bem também. - Um sorriso! Finalmente! O sorriso no rosto dela realçou a beleza natural que ela tem e fez um sentimento de alívio se instalar em mim.

– Tudo bem, Gale. Eu falei com Prim e mandei ela conversar com Rory. Você ensinou o garoto a fazer armadilhas, não ensinou?

Eu estava feliz demais para falar qualquer coisa então balancei a cabeça, o que foi meio estranho já que estávamos com as testas coladas. Então ela fez algo que eu não esperava: me deu um beijo rápido. Não foi nada além de um leve roçar de lábios mas foi o bastante para me fazer querer mais. Ainda não sei se foi sem querer ou se foi por querer mas logo que ela percebeu o que tinha feito, se afastou e se virou, lenta demais para esconder o fato de que estava vermelha. Decidi provoca-la um pouco:

– Você tá vermelha, Catnip? - Ela pressionou a testa contra o vidro do carro e disse

– Olha, chegamos. Acho que agora nós descemos do carro.

Não consegui resistir à breve risada que insistiu em escapar pelos meus lábios. Mas ela tinha razão, nós estávamos na estação de trem do distrito 12. O motorista abriu a porta e nós descemos. Haviam pouquíssimas pessoas na estação, já que os habitantes do D12 não costumam pegar muito trem para lugar nenhum. Caminhamos pela plataforma e vimos que Effie estava nos esperando, acho que ela veio com um carro particular. Nós três subimos no trem enquanto Effie nos dizia que nós íamos conhecer nosso tutor.