Parte 1: Os Olhos do Demônio Verde

Quando abri os olhos, estava escuro, mas uma mínima luz quente servia para eu poder pelo menos olhar ao meu redor. Notei então que estava em meio a escombros de uma civilização destruída, apenas as torres do castelo daquela civilização permaneciam se ostentando contra o céu avermelhado. Imediatamente procurei o sol e logo cobri os olhos com a minha mão.

- Eclipse..?

- Vejo que acordou. – Uma voz masculina veio a minha frente dei um sobressalto, ficando de pé o mais rápido que podia.

Observei a figura, imediatamente soltando um suspiro aliviado de ver o rosto tão conhecido do Zero, apesar de que... Ele estava sem máscara? Minha surpresa não foi tantar ver sua identidade, mas sim de ver os olhos verdes que brilhavam tanto quanto o fogo que queimava na fogueira a frente dele. Observei sua armadura, impressionada. Nunca o vi com aquele tipo de vestimenta e... Devo admitir que era intimidador pensar naquela quantidade de placas no peito e nas pernas, dando a impressão que a qualquer momento se tornariam espinhos e poderiam perfurar qualquer um que ousasse se aproximar.

- Zero, como vocês derrotaram aquela criatura?! – Perguntei, apesar de estranhar aquela aparência e os olhos, aquela pergunta reinava acima de tudo na minha mente.

Zero soergueu a sobrancelha e ajeitou a postura. Notei agora que ele estava sentado em cima de um dos escombros, que devia ter sido um dia uma parede de uma casa. Ele apoiou o braço esquerdo na perna e colocou a mão direita na outra, deixando seu corpo levemente inclinado e seu olhar sério parecia querer olhar a minha alma por trás dos meus olhos. Engoli seco.

- Eu faço as perguntas aqui, baixinha. – Os olhos verdes do Zero brilharam de modo intimidador. – Quem é você?

Ele estava brincando comigo, só podia! Dei um risinho. Como assim quem eu era? Naquele breve momento que me encolhi para rir, notei uma mecha do meu cabelo passando para frente do meu rosto e percebi que estava com o cabelo solto. Estranhei, me perguntando se fora meu parceiro que fizera aquilo. Voltei o rosto para Zero, vendo-o mais sério do que nunca tinha visto antes.

- Como assim quem sou eu? – Sorri nervosa, sentindo um bolo no meu estomago se formar a cada instante. - Nós passamos por tanta coisa juntos! Esqueceu de quando enfrentamos a sombra do Gaicoz?

O olhar de dúvida do rapaz fez com que aquele bolo no meu estomago se apertasse e meu sorriso sumi-se. A sensação de que algo estava muito errado não parava de crescer. Notei a mão do Zero se movendo para a Grandark na suas costas e seus olhos estavam me ameaçando e contando o que iria acontecer comigo em breve.

- E-ei... - Tentei murmurar, mas fui interrompida.

- Responda a minha pergunta. - A voz chiou quase sem ele abrir os lábios para falar, sentindo minha vida definitivamente em risco.

- Ho-Holy... Sou Holy Serenity.

- Muito bem... “Senhorita Holy”... - O tom petulante que ele usou para falar meu nome me deixou atordoada, estranhando aqueles trejeitos. - Como você conhece o nome Zero?

Senti perder o chão. O que raios significava aquela pergunta? O bolo do meu estomago começou a subir para a garganta. Aquilo estava realmente acontecendo? Ele, quem eu tanto tentei ajudar a se manifestar, estava me perguntando como eu o conhecia? Parecia impossivel. Não, tinha que ser impossivel!

- Do que você está falando? Grandark andou botando minhocas na sua cabeça de volta? - Apertei minha mão, era óbvio que era aquilo, só podia ser uma brincadeira de mal-gosto daquela espada maldita. - Se ele andou falando besteira, pelas Deusas, eu vou destrui--...

Quando eu ia terminar minha frase, vi um objeto voando a toda contra meu rosto, passando logo do lado da minha bochecha direita, mas perto o suficiente para eu sentir um liquido quente escorrer e alcançar meu queixo, pingando na roupa branca. Ao olhar para baixo, para meu horror, a gota vermelha estava se expandindo e manchando aquele pequeno pedaço de tecido.

Zero... Tinha me atacado?

- Escute aqui garota, eu não estou de brincadeira. - Ele abaixou a mão direita que havia disparado o quer que fosse que me atingiu. – Diga como você conhece o Zero, ou você morre.

Vi minha visão embaçar e então olhei para a figura a minha frente. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo. Não entendia nada do que estava acontecendo ao meu redor e tudo aquilo estava fazendo meu nervosismo crescer. Senti minhas pernas fraquejarem, enquanto vozes dentro da minha cabeça gritavam para fugir ou mentir mas... Eu não posso deixa-lo sozinho...

- Eu... – Engoli seco numa tentativa de amenizar aquele aperto na garganta e poder falar. – Lutamos juntos contra diversos inimigos, fazíamos parte da Grand Chase, se lembra? Você se lembra, não é? Quer dizer... Derrotamos as sombras do Gaicoz, passamos pelas ruínas de prata e... Ainda fomos para o circo juntos, isso foi hoje mais cedo! Você não pode ter esquecido...

Não, não dava mais para falar. A cada segundo eu percebia que aquele não era o Zero e isso junto com o pensamento de que fui atacada pelo meu parceiro que tanto queria ajudar... Não dava mais para suportar. Sentei no chão e cobri o rosto com as mãos, o desespero enfim se manifestou na forma física conforme eu sentia que não era um sonho quando a gota salgada gerou uma ardência ao passar pelo corte na minha bochecha.

- ...Levante-se. – Olhei para a figura a minha frente, que suspirou logo em seguida. – Mandei você se levantar, baixinha, se você ficar choramingando pode chamar a atenção “deles” e eu estou há um bom tempo tentando despista-los.

Engoli meu choro e acenei com a cabeça, voltando a ficar de pé, apesar de sentir mais nenhum animo. Olhei-o, percebendo que ele havia soltado Grandark para jogar um pedaço de madeira no fogo, este que não perdeu tempo para envolver o pedaço de madeira com suas chamas. Apesar de hesitante, limpei meus olhos e decidi perguntar:

- Quem é você?

O riso de escárnio que saiu da boca do “Zero” a minha frente parecia realmente semelhante a alguém que eu conhecia... No entanto, quando ele levantou os olhos para mim e enfim percebi que sua pupila era amarela e fina, eu nem precisava mais saber da boca dele quem ele era.

- Você já me conhece, não é mesmo? Até mesmo disse meu nome, Grandark, sua idiota. - Grandark pegou um pedaço de madeira ali perto e foi então que notei alguns pequenos troncos logo ao lado de onde ele estava sentado. - Não entendi nada do que você estava falando, mas... Nessas terras são raras as pessoas tão ingenuas como você.

Ele mexeu no fogo com o pedaço de madeira, ajeitando para que as cinzas não o apagassem e lançou-o as chamas logo em seguida. Eu estava simplesmente boquiaberta, o choque de descobrir que Grandark estava no corpo do Zero simplesmente me fez esquecer quase todo o desespero que senti ao ser atacada por ele.

Honestamente, eu acho... Eu acho que o Grandark queria me matar já faz um bom tempo. Mas, ele não faria coisas tão ruins assim... Não é?

- Ei, baixinha. - Imediatamente o olhei ao ser chamada, me perguntando o que ele queria. - Você provavelmente deve ter batido com a cabeça quando te encontrei aqui perto, então talvez todas as suas memórias devem estar misturadas... Então, vou ser só um pouco “bonzinho” com você.

Grandark respirou fundo e voltou a postura apoiada de antes, me encarando nos olhos, já não mais com aquele tom ameaçador de antes, apesar de que ainda me fazia se sentir inconfortável...

- Alguns anos atrás uma ameaça a Ernas surgiu com o nome de Cazeaje, a Comandante Lothos teve a genial ideia de criar um grupo chamado Grand Chase, que iria combater esse mal. Os primeiros membros foram três garotas chamadas Elesis, Lire e Arme, e ela ingenuamente rumaram para enfrentar Cazeaje, no meio do caminho arrastaram um druida chamado Ryan. - Ele respirou fundo, com um sorriso nos lábios e me perguntei se ele estava achando graça na história. - Entretanto, quando chegaram no castelo de Cazeaje, com o grupo ainda maior, elas simplesmente foram...

Grandark deu uma pausa, olhando para o fogo e então me olhou, com aquele sorriso petulante nos lábios, os olhos brilhando maldosos. Engoli seco. Não, não podia ser... Eu não queria saber o final da história ao mesmo tempo que eu sabia que deveria saber.

- Dizimadas.

O barulho do fogo crepitando quebrou meu choque. Aquilo não podia ser verdade. Eu me lembro bem: Cazeaje fora derrotada e ainda rumaram para Xênia. Aquela história era falsa! Recuei um passo, enquanto olhava nos olhos daquele demônio verde.

- Nã-não é verdade! - Bradei finalmente. - Se fosse assim... E Astaroth? E sobre Xênia? Não está certo!

- Hoho, vejo que sua memória está começando a voltar. - Grandark riu, suspirando longamente. - Os deuses de Xênia enlouqueceram e lutaram entre si para provar quem era o mais forte, isso consequentemente levou ao fim do continente que caiu dos céus e se perdeu no oceano. Astaroth se tornou o novo Deus... Bem, teria se tornado se esse eclipse não tivesse acontecido.

- O que... O que aconteceu no Eclipse? - Outra pergunta que não se calava em minha mente era que no começo da narração dele, ele havia dito “alguns anos atrás”. - É impossivel um eclipse durar tanto tempo! Ele normalmente dura só alguns minutos!

- Quem disse que isso é um eclipse normal?

Congelei novamente, enquanto olhava boquiaberta para aquela feição repentinamente séria. Grandark suspirou e retomou a narrativa, voltando a olhar o fogo.

- O-o que?!

Ele riu como se fosse uma piada enquanto eu olhava ao redor, abismada e sem saber direito o que pensar. Então... Aquelas torres... Eram o castelo? Suspirei, sentindo uma tonelada de peso e minha cabeça girando de confusão com toda aquela história. Será que era verdade?

- Pode apostar nisso, “querida”. - O tom petulante dele me irritou novamente e eu teria brigado se não estivesse tão atordoada. - Enquanto os céus nos castigavam centenas de sacerdotes do Maligno surgiram, clamando que a chegada do mestre deles havia chegado. Até mesmo Astaroth se ergueu para lutar contra o Maligno, no entanto... Hehe, é uma história engraçada. O quase-deus ainda não era um quando decidiu enfrentar o mal supremo, então ele pagou um preço caro pela sua estupidez.

Estava boquiaberta enquanto olhava para Grandark, que retribuia com um olhar cheio de prazer com aquela história horrenda cheia de mortes. Aquilo tudo não estava certo... No meu mundo pelo menos nada disso aconteceu.

Espere... Desde quando eu estou pensando sobre a divisão de meu mundo para esse? Engoli seco.

- Até mesmo Cazeaje, os anões e os elfos se juntaram para tentar enfrentar o mal supremo, mas ele era tão poderoso que oprimiu todas as forças que tentaram ir contra ele. - Ele suspirou, olhando para cima. - Talvez Duel tivesse sido útil naquela batalha... Eu estava lá e vi todos eles caindo, nem mesmo Zero estava aguentando então tomei-lhe o corpo e fugi. Aquele idiota estava querendo lutar até morrer para tentar vingar as mortes naquela batalha.

Engraçado como senti um peso ser aliviado do meu coração ao ouvir que Zero sobreviveu a esse festival de horrores, mesmo que tivesse sido pelas mãos do Grandark. Talvez isso provasse que ele não era tão mal quanto ele demonstrava... Certo?

- Mas... E o Ronan?

- Uhm? Ronan Erudon? - Grandark deu de ombros, olhando o fogo. - Cazeaje tinha tomado o corpo dele, então provavelmente morreu na batalha também.

- E-espere... Ele... O que?! - Estava boquiaberta novamente.

Será que eu deveria realmente acreditar em tudo o que ele me dizia? Bem... Ele disse que me resgatou dos escombros, certo? E apenas tentou me matar depois que eu acordei. Conhecendo o Grandark como eu conhecia, ele teria tentado me matar antes mesmo de eu ter aberto os olhos.

Por enquanto, é a pessoa mais confiavel que eu tenho.

- E... E o Lass? - Eu sabia que o rapaz tinha sido possuído pela Cazeaje.

Grandark me olhou surpreso novamente, inclinando o corpo um pouco para frente enquanto me olhava nos olhos, parecendo mais confuso do que nunca, e foi então que aquelas palavras saíram da boca dele:

- Quem é Lass?