Meu Acampamento de Verão escrita por Diva Fatal


Capítulo 36
Capítulo 36: Lago de Verão


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, passei dois dias estudando a cultura celta para poder postar algo coerente a esta diversa e bela mitologia.



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Eu e Gabbe viajávamos a dias pela Grã-Bretanha a procura de uma espécie de artefato que era preciso ser encontrado. Segundo Gabbe, era preciso dele para que abríssemos as portas dos céus.

Era inicio da tarde, o sol estava coberto por nuvens cinzas bem tristes. Estávamos ao sul da Inglaterra numa vila chamada Glastonbury. Passaríamos o restante do dia descansando nesta vila. Nela também ocorriam um dos maiores festivais musicais do mundo.

–A primeira igreja cristã em solo britânico esta aqui. –Contou Gabbe vagueando o olhar pelos imensos pastos verdes.

Era uma cidade que se dividia em grandes blocos cinzas vista de longe. Pasto por pasto separados de outros pastos, somente ligados pelas próprias casas ao decorrer das estradas.

Aqui era muito comum chuvas intensas a ponto de alagar construções, além de muita, muita, muita lama. Turistas montavam suas barracas um pouco longe da cidade, bem aos pés da montanha para caso haja chuva, suas barracas não sejam arrastadas pelas inundações.

Eu e Gabbe estávamos abrigadas num dos pontos turísticos da cidade. As ruinas de um mosteiro antigo beneditino.

–Este lugar é um dos locais mais sagrados de todo o mundo. –Gabbe continuou olhando para pilastras e paredes brancas caídas que formavam as ruinas. –O apóstolo José veio aqui com o próprio Jesus com o objetivo de germinar a Grã-Bretanha com o cristianismo.

–E o que isso nos ajudará? –Perguntei-a pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha.

–O objeto que procuramos sumiu no tempo, este foi o local onde o objeto foi guardado por muito tempo, mas atualmente não esta mais aqui. –Gabriela fechou os olhos pensando e calculando alguma coisa em sua mente.

–Se não esta mais aqui, então por que estamos aqui?

–Se ele já esteve aqui, seria mais fácil achar pistas do seu atual paradeiro se começarmos pelo lugar de onde ele foi visto pela última vez. –Ela sorriu docemente para mim.

Sim, aquilo fazia sentido. Nos misturamos a uma multidão de turistas antiquados com maquinas fotográficas que arrodeavam as ruinas. Gabbe estudava o local como se estivesse caçando uma presa.

Grama cobria o restante do teto das ruinas que ainda não haviam cedido completamente. E como eu só tinha visto isso no chalé de Deméter... foi meio que uma surpresa encontrar grama no telhado.

–Os domínios de Arthur se estendiam por todo este local. Quando o artefato foi perdido o rei ficou louco, mandou seus melhores cavaleiros para procurar por ele. –Ela entrelaçou seus dedos nos cabelo e jogou-os para as costas.

–Certo, chega de lição de história. –Falei. –Como iremos achar algo que nem mesmo o rei Arthur conseguiu encontrar?

–O rei Arthur não tinha um anjo ao lado dele. –Gabbe piscou para mim e começou a se distancias da multidão. Eu a segui rumo adentro das ruinas. –Sabe, tudo é uma questão de paciência. Uma busca como essa é arriscada, ainda mais quando se está grávida. –Gabbe parou olhando em volta. Estávamos ao lado de uma parede ruída que havia caído atrás do pedestal.

Um choque me percorreu. A tensão tomou o ar e meu corpo gelou.

–C-como sabe...? –Fitei o chão.

–Sou um anjo, no momento em que te toquei no acampamento já sabia que a sua jornada havia começado.

–Meu filho fará parte disso? –Meus olhos se arregalaram.

–Sim, fará. Tudo envolve este bebê, Phi. –Ela me olhava solidariamente e com uma certa ternura em seus gestos e até mesmo em suas palavras. –Hermes pode fazer esta criança não se desenvolver por um tempo, mas não pode segurar um nascimento para sempre. –Gabbe tocou a minha testa e minha visão nublou até ficar preta.

Mais uma vez eu estava no paraíso divino. Deus havia partido de seu enorme Trono de luz. O lugar ainda brilhava e reluzia em harmonia, mas não como antes. Os anjos estavam cansados de esperar. Começavam a apontar uns aos outros com dúvidas e incertezas.

Eles não tinham mais a quem adorar.

Lucinda corria pelo prado junto a um anjo loiro, ele reluzia mais do que o próprio sol. O anjo parecia querer competir com tudo a sua volta, queria ser o mais reluzente, queria estar a cima do seu próprio Deus. Porém, pude perceber uma certa afeição sobre Lucinda e o tal anjo.

–Diga que me adora. –O anjo implorou mordendo os lábios abraçando Lucinda.

–A adoração é só para Deus. –Retrucou Lucinda.

–Não precisa ser –Sussurrou o anjo loiro. –Imagine como seríamos fortes se pudéssemos declarar nosso amor abertamente diante do Trono, você me adorando, eu adorando você. O Trono é um só. Unidos no amor, poderíamos ser maiores que ele.

–Qual é a diferença entre amor e adoração? –Perguntou Lucinda com aqueles olhos curiosos iguais aos de uma criança.

–Amar é transferir a adoração que você sente por Deus para alguém que está aqui.

–Mas eu não quero ser maior que Deus.

O rosto do anjo se nublou e fechou-se diante das palavras de Lucinda. De pouco em pouco ele se afastou dela sentindo a raiva consumindo-o junto a inveja.

Flutuando a cima do prado pude ver que Lucinda começara a evita-lo sempre que podia. Se afastava dele e temia-o.

O anjo a qual Lucinda temia chamava-se Lúcifer. A estrela do Amanhã.

Passava horas no Prado, chorando baixinho para que ninguém pudesse ouvir seus lamentos e tristezas. Tentava se enterrar nas nuvens amareladas e prateadas. Durante esse período um anjo sempre vinha a ela para acalmar seus pensamentos. Olhos cinzas com um toque violeta brilhante e intenso. Corpo perfeito, literalmente esculpido por anjos. Cabelos loiros como os raios de sol. De alguma forma, Lúcifer ainda era mais belo do que este anjo chamado Daniel. O sexto arcanjo, encarregado de guardas as almas perdidas.

Ela apaixonou-se por ele depois de algum tempo. Este anjo tinha uma noção diferente de amor. Ele podia transforma-lo em algo belo, que não fizesse nenhum dos anjos sofrer como Lúcifer fazia com sua ideia destorcida de amor.

A visão nublou com nuvens cinzas e negras. Por fim meus olhos se abriram e lá estava de volta. Eu e Gabbe em ruinas do que já havia sido a primeira igreja cristã de toda a Grã-Bretanha.

–Lucinda... –Sussurrei sem conseguir entender direito o que havia acontecido.

–Sim, ela é uma amiga preciosa, mas atualmente esta morta. –Gabbe segurou minhas mãos nas dela e fitou-as.

–Ela é o terceiro arcanjo, se ela morreu... por que não voltou a vida em uma encarnação? –Perguntei-a.

–É complicado. –Os olhos da anja se estreitaram até brilharem com o liquido transparente, lágrimas.

Gabriela entendia a dor que Lucinda carregava e agora sentia a sua tristeza. Por algum motivo eu sabia que Gabbe não me mostrara toda a história da Estrela do Anoitecer.

–Vamos. –Gabbe enxugou suas lágrimas com as mãos.

Ela segurou uma parte da parede desmoronada. Com um rápido levantar do seu braço, a parede ergue-se como se fosse feita de papel. Facilmente conduzida e forçada a levantar-se. Ela destroçou a parede ao meio e jogou para longe os pedaços.

Eu estava surpresa pela tamanha força a qual a pequena e frágil Gabbe possuía, bem... frágil não era...

Ela chutou o chão de pedra bruta. Entre lascas que voaram, um alçapão foi revelado, um alçapão de madeira velha, mas bem pesada.

Gabbe o levantou e mostrou a escura escada que seguia para o subterrâneo.

–Esta louca? –Quase gritei. –Os turistas estão por toda a parte!

–Percebeu que até agora nenhum deles interagiu conosco? –Ela sorriu sorrateiramente. –Eles não podem nos ver, ouvir, sentir e nem mesmo distinguirmos nem se estivermos parados a sua frente.

–Como isso é possível? –Perguntei-a.

–Não quero me gabar, mas este é só um fragmento do poder de um dos grandes arcanjos. –Ela sorriu sarcástica e adentrou o alçapão.

–Não acredito que me forçará a entrar ai... –Gemi com nojo do local. –Sabe, estou grávida. Não é aconselhável entrar em buracos para sabe-se lá aonde podem dar.

Gabbe puxou meu braço fazendo-me segui-la.

–Se continuar a lamentar você vai na frente. –Ela riu fechando o alçapão.

O túnel foi tomado pela completa escuridão. Uma chama se acendeu lentamente. Era Gabbe com uma mão erguida ao ar e uma leve chama crepitando na palma. A chama era prateada e bruxuleava bizarramente.

–Deixe-me adivinhar: “Um fragmento do poder de um dos grandes arcanjos”? –Comecei a rir junto a Gabbe.

–Isso ai, você aprende rápido. –Mais gargalhadas em quanto explorávamos o local.

–Onde esse túnel vai dar? –Perguntei.

–No túmulo do rei Arthur. –Gabbe estava mais quieta do que de costume.

Teias de aranha se estendiam pelo local, porém, nenhuma aranha estava lá. Nenhuma vida, apenas terra seca seguida por prateleiras de pedras gélidas carregadas de livros velhos, empoeirados e com um pouco de terra seca nas capas.

Vi um que possuía capa preta com letras maiúsculas em dourado: AVALON. Peguei-o rapidamente e segurei-o contra o ventre.

–José construiu este lugar não só para iniciar o cristianismo aqui, mas também para esconder o fato de que a crença pagã deveria ser exterminada. –Retrucou Gabbe observando lama a baixo dos nossos pés.

–Para um lugar morto, lama fresca seria impossível... –Argumentei.

–Sim, acho que estamos andando a mais de 30 minutos.

Logo a frente podia ouvir o barulho de correnteza, era como uma cascata de água descendo e invadindo o local.

Uma certa luminosidade verde vinha do final do túnel. O local se abria ovalmente. Uma pequena cachoeira caia debilmente por um buraco de rochas grande o suficiente para que um humano passasse agachado. Um grande túmulo de pedra estava exatamente no meio do sala oval, arrodeado pela água que caía da pequena cachoeira. Ao lado do túmulo, um sátiro barbudo estava sentado tocando em uma flauta de carvalho.

O sátiro possuía os maiores córneos que eu já havia visto, eles envergavam dando voltas até apontar diretamente para cima. Ele tinha um brilho intenso de verde grama. Seu corpo era definido e musculoso. Olhos profundos como uma floresta adormecida.

–Pã? –Perguntei fitando o sátiro.

O ser parou de tocar e se levantou. Ele atingia dois metros sem contar com os chifres que já roçavam o teto de barro.

–Não, minha cara. Sou o Cornífero. Deus antes mesmo de Pã pensar em vagar pela terra roubando o meu título como senhor das florestas.

Cornífero era um deus amargurado. Se alguém surgisse querendo roubar meu lugar, com certeza eu ficaria com raiva.

–Anos e anos governando por um prospero país, tudo era meu, tudo pelo qual o sol olhava era meu, tudo a baixo dele era meu, tudo sempre foi meu. –Cornífero ajoelhou-se com as pernas de bode. Parou ao lado do tumulo de pedra e pôs uma mão sobre ele, cheio de ternura e melancolia. –Este rapas germinou minhas palavras por toda Avalon. Era um jovem tão viril e cheio de fibra...

–Sr. Não quero ser grosseira, eu realmente adoraria ficar, mas estamos a procura do Santo Graal. –Gabbe aproximou-se do deus celta. –Sente isso? –Gabbe direcionou sua atenção a minha barrica e entendi o recado.

Cornífero assentiu e sorriu levemente. A caverna pareceu ganhar vida graças ao sorriso do deus.

–Criança da senhora, tu estás congelada. –Ele caminhou lentamente vindo em minha direção e pousou a mão em meu ventre. –Fostes congelada no tempo, seu ventre fora imortalizado e parou de crescer. –Com um lamento ele fechou os olhos e repousou voltando a sentar-se numa cadeira de raízes que brotara do chão coberto pela água.

–Antes de partirmos eu já tinha isso em mente, mas como ela foi congelada... tem de voltar a crescer. –Gabriela pedia ajuda com o olhar. –Há como ajuda-la? –Perguntou.

–Sim, a Senhora do Lago, mãe das mulheres pode lhes ajudar. –Cornífero lentamente fechou os olhos. –Quem é o pai desta criança? –Perguntou ele com certa dificuldade tentando não dormir.

–Hermes, deus grego, mensageiro celeste. –Fitei a água sentindo um ardor me consumir o peito.

–Vão para o lago de verão, lago de verão, lago de verão... –O deus celta fechou os olhos por completo e dormiu. Seu corpo foi perdendo a cor e se petrificando como argila seca. De pouco em pouco a vida o deixou evaporando com uma brisa quente de verão. Seu corpo esfarelou e caiu com galhos secos, terra árida e grama morta.

Sobrando apenas seus dois absurdamente grandes pares de chifres de bode no chão. A cadeira de raízes morreu junto a seu corpo.

Os chifres repousaram no chão molhando-se com o pequeno fluxo de água.

–Viemos aqui somente para fazer o meu feto volte a crescer? –Aquilo tinha me machucado realmente.

–Não, viemos achar o Santo Graal. O cálice que Jesus bebeu em sua última ceia antes do sacrifício. –Ela olhou para baixo. –Seu bebê faz parte do seu futuro, como essa oportunidade surgiu, não pude deixa-la escapar.

–Então você decide que terei um filho aos 16 anos e fala que “não pode deixar a oportunidade escapar”? –Eu estava irritada e com um certo ardor no peito.

–Decisões importantes podem ser feitas de última hora. –Indagou Gabbe como defesa. –Sei que isso foi errado, mas ainda sim precisa desse bebê.

–Então mudaremos a nossa rota para esse tal Lago de Verão?

–Sim.

E assim foi decidido. Nos voltamos para o inicio do túnel e acabamos nas ruínas do mosteiro novamente. Ainda sentia uma certa raiva com relação a isso, mas não conseguia ficar brava com Gabbe, ela era muito doce para merecer qualquer raiva.

Passamos horas buscando esse tal lago. O pôr do sol parecia nos guiar pela cidade. Não se as pessoas lá em baixo nos viam e não tinha tempo para pensar nisso. Em quanto sobrevoávamos, percebi que o livro havia sumido dos meus braços, se dissipou em névoa cinza e seguiu com o vento.

–Siga o pó! –Gritei.

Gabbe não pareceu relutar com a ideia, já não tínhamos mais lugares para ir mesmo. A névoa sobrevoou pela cidade brilhando graças ao sol com as finas partículas gastas dos papeis.

A névoa ficava mais densa e maior quase do tamanho de uma nuvem leve e cinza, era como uma neblina voando pelo céu.

Era uma cortina de neblina, uma bruma gigante que nos envolveu abrindo caminho para que nós passássemos.

De repente tudo mudou, a cidade fora tomada por uma floresta de carvalhos, ninfas sobrevoavam as florestas. Um enorme lago surgiu no meio de um pedaço da cidade. Brumas envolviam o lago, a medida que o sol abaixava por entre as montanhas, o lago reluzia em uma escuridão convidativa. Vagalumes tomaram conta de todo o lugar brilhando em uma luz lilás quase roxa e alguns brilhavam em prata.

Era o paraíso na terra, um pequeno pedaço do céu. Aquele era o Lago de Verão. Aquele era o local ao qual o deus Cornífero nos mandou ir.


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Notas finais do capítulo

Não existem apenas deuses gregos ou o deus cristão. Muita diversidade de divindades existem e por hora iremos conhecer os dois deuses de Avalon.
A música que o Cornífero tocava na flauta era esta: http://www.youtube.com/watch?v=3M393x3by4c



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