A Coleira Vermelha Do Destino escrita por Nathalie Chan


Capítulo 1
Leãozinho




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/406536/chapter/1

Inverno em Miami. Atla andava de um lado para o outro no hall do shopping, atraindo olhares curiosos para a sua figura exótica: olhos bem puxados mas bem verdes, cabelos lilases à altura dos ombros, dois pontinhos de cor rubi tatuados acima dos olhos, ausência de sobrancelhas, vestimentas tradicionais tibetanas. O garoto pensava no quanto seria fácil deslocar-se habilmente e comprar algo útil para si caso soubesse falar algo em inglês que não fosse "Sim", "Não", "Eu não falo inglês" ou "Quanto custa?". Afinal, como conseguiria ler um manual de instruções americano se não conseguia entender nem mesmo tudo o que estava escrito nas placas indicativas dos setores?

Porém, algo inusitado chamou a atenção dele na loja de brinquedos ao lado da loja de artes marciais onde seu pai estava entretido há mais de uma hora: um gracioso e divertido leão de pelúcia que usava uma coleira vermelha. Seus olhos arregalaram-se diante do leãozinho, e por um instante Atla compreendeu como se sentiam as crianças estrangeiras birrentas ao lado de seus pais, que acenavam para as prateleiras como que exigindo de seus genitores que realizassem todos os seus caprichos. Aliás, ele próprio não temeria em puxar levemente a túnica de seu temível pai para observar melhor seu objeto de desejo. Antes que pudesse fazer uma minuciosa análise para descobrir porque o bichinho de pelúcia lhe pareceu tão atrativo, uma mão tomou para si o objeto de admiração de Atla, que então se deparou com um par de olhos bem azuis o observando curiosamente de dentro da loja. Baixou o olhar instantaneamente e sentiu o rosto queimar, envergonhado por seus pensamentos "fúteis" e por ter sido observado em um momento de 'fraqueza moral", como diria seu pai.

Constrangido, girou sobre os calcanhares e andou na direção contrária à loja sem se preocupar em se distanciar de onde estava Hakurei, andando nesse rumo por alguns minutos antes de retornar à frente da loja de artes marciais. Desembrulhou uma bala de chá-verde e a colocou na boca, andando distraído à procura de uma lixeira para jogar o papel da bala. Um outro jovem que vinha na direção dele tropeçou ao vê-lo e os derrubou no chão, caindo sobre ele. Acostumado com quedas, Atla não daria atenção ao fato se o garoto em cima dele não o tivesse encarado com um olhar surpreso e tardasse a se mover. Tratou logo de empurrá-lo com as palmas das mãos como que pedindo a ele que se levantasse, e o rapaz rapidamente ajoelhou-se no chão ã sua frente. Atla sentou-se antes que o outro garoto pudesse ajudá-lo, e viu o leãozinho de pelúcia de coleira vermelha dentro da sacola dele. Reconheceu de pronto o dono do olhar curioso vindo de dentro da loja de brinquedos e engasgou com a bala, para desespero do estabanado garoto que lhe passou a lhe bater levemente nas costas. A tosse finalmente parou, e o garoto o abraçou por alguns instantes, como que aliviado.

O rapaz então se afastou e falou alguma coisa, e Atla sacudiu a cabeça em negativa para sinalizar que não entendia nada do que ele dizia. Então o rapaz colocou a mão sobre o ombro dele e tirou o leãozinho da sacola, colocando-o no colo de Atla. Por um instante, ele se perguntou se o garoto queria que ele observasse o bicho de pelúcia, uma vez que a mão dele o havia retirado de sua vista momentos antes. Disposto a se livrar logo do rapaz estranho, ele pegou o leãozinho entre as mãos e franziu o cenho estranhando a coleira vermelha, encarando o outro rapaz ao ouvi-lo falar mais alguma coisa enquanto lhe sorria gentilmente.

Atla abriu a boca para perguntar do que ele ria, mas se lembrou que o jovem não o entenderia. Ligeiramente irritado, apertou os lábios quase que fazendo um bico, fazendo com que o outro garoto risse ainda mais. O Sol reluziu pelo teto de vidro, iluminando o garoto risonho, e só então Atla percebeu que os cabelos dele tinham um tom loiro-escuro-dourado bem parecido com o pêlo do leãozinho em suas mãos. Observando bem, percebeu que os lábios dele eram bem mais grossos do que os lábios dos membros de sua etnia, e que a pele dourada do garoto contrastava com os olhos intensamente azuis que agora o fitavam com interesse. Baixou os olhos mirando uma última vez o leãozinho e o estendeu em suas mãos ao rapaz, dizendo-lhe"Bem parecido com você não fosse a coleira". O rapaz alargou o sorriso e se inclinou um pouco para aproximar o rosto do de Atla, estalando-lhe um beijo na bochecha. Atla sentiu o rosto queimar e levou as mãos no local beijado, assustado, como se aquele gesto tivesse sido uma afronta à sua castidade. O leãozinho foi tomado de suas mãos, mas foi pousado novamente em seu colo.

- O que está fazendo sentado no chão com esse garoto, Atla? Não percebeu que estão atrapalhando o caminho? Imagine se o papai tivesse visto um estrangeiro beijar o seu rosto! Caso ele fosse uma garota, aposto que os obrigariam a se casar imediatamente!

- Yuzuriha! – Atla ergueu o rosto para encarar a irmã e retrucou ofendido, sem querer admitir que a brincadeira dela tinha um fundo de verdade. – Diga a ele que já vi esse leãozinho o suficiente, que ele já pode ir embora! – A garota sorriu de canto e começou a conversar com o estrangeiro, quando este mirou Atla com ansiedade e retirou uma caneta do bolso. Começou a escrever algo no cartão de presente que estava dentro da sacola de compra.

- Ele quer que você aceite o leãozinho como presente. Disse que está escrevendo o endereço de email dele no cartão para que vocês possam entrar em contato.

- O quê? Eu nem sei ler no idioma dele!

- Você não tem vontade de aprender? É uma boa oportunidade para praticar. Diga ao papai que gostaria de estudar inglês para as competições internacionais e ele logo irá matriculá-lo em um curso. – A conversa dos irmãos foi interrompida pela voz do garoto que havia terminado de escrever no cartão, estendendo-o alegremente à garota. Atla notou que o timbre da voz do garoto era simultaneamente grave e suave, agradável de ser ouvido.

- Aqui diz: "Estou feliz por ter conhecido minha alma gêmea! Sei que iremos nos encontrar novamente. Prometo que quando isso acontecer, saberei conversar com você apropriadamente!"

- Yuzu, não tem graça.

- É sério. Juro pela minha honra que ele escreveu isso.

- Seu inglês é péssimo.

- Eu morei na Inglaterra um ano com o tio Shion, idiota.

- Insano. Está zombando comigo? – Atla franziu o cenho e encarou o garoto à sua frente, estalando um peteleco no meio da testa dele e perguntando-se por que raios ele havia cismado consigo. Apertou forte o leãozinho enquanto ele coçava a testa no local agora avermelhado, e levantou-se bruscamente. O garoto também se levantou, encarando-no com um olhar digno de piedade. Algo inexplicável naquele garoto irritava Atla, pois ele não tinha como negar que aquelas palavras inocentes e melosas o haviam afetado tanto quanto a aparência máscula e exótica do estrangeiro.

Regulus! – Uma simples palavra foi o suficiente para fazer com que o garoto risonho ficasse sério e pegasse subitamente a mão de Atla, beijando-a carinhosamente antes de sair apressado atrás de um homem parecido consigo. Por sua vez, Atla não sabia se deveria se sentir aliviado ou atordoado pela saída repentina do rapaz, pressionando o leãoziinho no peito com o braço e tocando a mão beijada inconscientemente com a palma da outra mão para preservar a sensação do calor dos lábios do outro em sua pele.

- Não posso ficar com ele, Yuzu. Papai vai perguntar sobre o leãozinho e vai brigar comigo.

- Você leva o papai a sério demais, Atla. Direi a ele que o leãozinho é um presente meu para você, isso se você realmente quiser ficar com ele. – Yuzuriha estendeu o dedo mindinho ao irmão, e ele apertou o dedo mindinho dela com o seu em uma resposta afirmativa. Atla guardou o leãozinho e o cartão dentro da sacola, suspirando longamente quando observou o garoto exótico desaparecer em meio à multidão.

- Que garoto tolo, não percebeu que também sou um garoto? Como é que alguém poderia saber ao certo que encontrou sua alma gêmea? – Atla perguntou irrefletidamente, arrependendo-se da pergunta ao notar o olhar surpreso da irmã sobre si. Em seu íntimo, sabia a resposta mesmo sem compreendê-la.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!