Lyre Crosswell

            Nas habilidosas mãos de Lyre Crosswell, um buraco do tamanho de um punho de aparência irremediável numa saia de criança não passava de um pequeno contratempo. Mas mesmo assim, ela não podia deixar de se perguntar por que raios ele existia.

            - Como foi que você rasgou isso, Ember? – Indagou, com um suspiro, fechando o buraco com agulha e linha.

            A irmã de cinco anos de Lyre, sentada na ponta da mesa de costura onde ela trabalhava, encarou de forma incriminadora o irmão dois anos mais velho, Seth, que estava brincando com um trenzinho de madeira no chão perto de onde elas estavam.

            - O Seth rasgou.

            - Não fui eu nada. Não seja mentirosa. – Retrucou o garoto.

            - Eu não sou mentirosa. Você que é mentiroso!

            - Você!

            - Você!

            - Você!

            - Parem, por favor. – Disse Lyre, sem perder a paciência.

            Ember mostrou a língua para Seth, mas nenhuma das duas crianças deu continuidade ao assunto.

            Lyre terminou de costurar o buraco e observou bem a saia, conferindo se tinha ficado realmente bom. Então, entregou a peça à Ember.

            - Pronto, aqui está. Vá vestir-se, a colheita começará em breve.

            A menina sorriu, pegando a peça e saindo correndo do aposento, e a irmã mais velha saiu logo depois, indo rumo ao seu quarto. Apesar de já estar vestida para a colheita, com seu vestido negro simples que era mais curto e apertado do que ela costumava usar, com a saia terminando acima de seu joelho e a gola em V – já que era tradição dos Crosswell vestirem-se todos de preto no dia da Colheita representando o luto que sentiam por Theron, o irmão que morrera nos Jogos – e já estar calçando suas sapatilhas cinzentas, faltava pentear os cabelos, o que era um dos maiores prazeres de Lyre.

            No quarto, ela se sentou diante à penteadeira e pegou a escova de cabelo que estava sobre ela. Seus cabelos eram, em sua maior parte, lisos, mas pequenas ondulações começavam perto das pontas, e apesar de terem um corte simples, eram bem bonitos, e de uma cor loira tão clara quanto o sol daquela manhã.

            Embora, é claro, fosse bem difícil reparar no sol em um dia de colheita.

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Logan Morgan

            Sophie era linda, e Logan Morgan estava absolutamente apaixonado por ela. Essa era a verdade, nua e crua. E ficava ainda mais difícil esconder isso quando os dois amigos estavam num momento tão tranquilo, deitados na grama no jardim da casa de Sophie e olhando as nuvens.

            - Aquela parece um coelho. – Comentou ela, apontando para uma. Logan apertou os olhos para enxergar melhor.

            - Parece mais um mamute.

            Sophie riu.

            - Está maluco?

            Logan riu também por um instante, e então os dois voltaram ao agradável silêncio em que estavam antes, cujas interrupções se deviam a nada mais que um ocasional piar de um passarinho.

            Ela estava tão perto dele que ele sentia uma vontade louca de segurar a mão dela, mas não sabia se o gesto seria bem recebido. Estar apaixonado era uma porcaria. Por que não podia se contentar com a amizade, como quando eles eram crianças? Porque, aos dezesseis anos, Sophie tinha de ser tão mais linda do que nos anos anteriores? Ou teria sido ela sempre bonita, e Logan só estivesse reparando recentemente?

            - Sophie... – Chamou, baixinho.

            - O que foi?

            Ele não sabia. Não podia abrir o jogo agora. Não era assim que as coisas funcionavam. Então, disse a única outra resposta aceitável:

            - Tenho de voltar para casa agora. Senão, meu pai me mata.

            - Ah. – Ela se sentou, e ele a imitou. – Tudo bem. Nos vemos na colheita, então?

            - Sim. Até mais tarde.

            Não era uma mentira. O pai de Logan certamente o mataria se ele chegasse tarde em casa naquele dia – na verdade, ele parecia querer matar o filho o tempo inteiro, e sempre procurava uma desculpa para bater nele ou humilhá-lo –, mas mesmo assim o garoto se sentia como se tivesse mentido enquanto ia embora.

            Não era justo que fosse tão difícil. Simplesmente não era.

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            Antes de ser a representante do Distrito 8, Jadora era uma atriz. Quando ela deixou a carreira para trabalhar para os Jogos Vorazes, foi um golpe para todos os fãs dela, que passaram a considerar os tributos do Oito os mais sortudos de todos. Mas naquele ano, como em todos os outros, nenhuma das crianças do distrito se sentia com vontade de ser escolhida para ter a companhia de Jadora pelos próximos dias. Só que ninguém havia contado isso para ela, que agia como se fosse a melhor parte de tudo isso.

            - Me surpreende que ninguém queira se voluntariar, de verdade. – Ia tagarelando. – Vocês todos são muito desanimados. Não conseguem ver que esta é uma oportunidade única? – Jadora sacudiu a cabeça com reprovação – Bom, vamos ver se algo diferente chama a atenção de vocês. Este ano, vou sortear primeiro o garoto, depois a garota.

            Muito satisfeita com a própria ideia, ela foi até a bola com o nome dos garotos. Algumas pessoas refletiram por um momento sobre como podia uma mulher que achava mudar a ordem dos sorteios a coisa mais divertida do mundo podia ser tão admirada.

            - Vejamos... – Ela selecionou um papelzinho, para em seguida lê-lo em voz alta: - Logan Morgan!

            Na seção de garotos de dezesseis anos, Logan só conseguiu pensar em uma coisa ao ouvir seu nome: Fugir. Virou-se para a saída, pronto para correr, mas os pacificadores lá perto pareciam que lhe diziam “Nem pense nisso”. Se ele tentasse fugir, seria pior.

            Logan foi para o palco, sem se atrever a olhar para trás.

            - E agora, a menina! – Jadora cantarolou, e seguiu para a próxima etapa do sorteio. Demorou-se para escolher um dos papeizinhos, e pareceu levar uma eternidade até chamar o outro nome: - Lyre Crosswell!

            Por sua vez, Lyre sequer cogitou fugir. Ficou espantada demais para isso. Agora ela sabia perfeitamente o que Theron havia sentido quando fora chamado, e não era uma sensação legal. Pelo menos, ela tinha o dom de parecer calma mesmo em momentos como aquele, para ir ao palco de cabeça erguida. Ela foi e parou ao lado de Logan, que tinha a idade dela e que ela jurava já ter visto vez ou outra na escola, embora eles nunca tivessem se falado.

            Jadora, então, foi se sentar, e a prefeita se levantou e foi até o centro do palco ler o Tratado da Traição.

            O clima estava tão pesado que ninguém ouviu.