Stay Alive escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 42
Segundo Dia - Tarde


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Bonnie Field – Distrito 7

 

Ela não esperava que mais alguém fosse ter a ideia de ir até a Cornucópia procurar pelos suprimentos que haviam restado.

Aquele Sanderson Cutner a tinha atrapalhado. Ela mal tinha terminado de encher a mochila vazia que tinha encontrado, logo quando chegou, com os itens que queria, quando ele apareceu. E ainda por cima, fingiu aquele surto para assustá-la (mesmo que ele fingisse que não a tinha visto, ela tinha certeza de que isso era o que tinha acontecido) e obrigou-a a fugir. Ela não tinha pegado armas, e ele estava brandindo aquela faca idiota. A última coisa que Bonnie queria era ter de enfrentá-lo.

Pelo menos, ele não pareceu tê-la seguido depois que ela escapou, então ela pôde parar de correr pouco depois de entrar na floresta. Não voltaria mais para aquela área, mas achava que estava com comida e bebida o suficiente para durar por quase dois dias. Assim, não seria certo afirmar que a incursão tinha sido um desastre completo.

Mas ele vai ficar com todo o resto das coisas, pensou, frustrada. Se ele ao menos tivesse chegado um pouco depois, ela já teria saído...

Foi pensando sobre isso e criando planos para administrar seus suprimentos enquanto andava. Por estar muito pesada, uma alça de sua mochila sempre estava soltando de seus ombros, obrigando-a a parar para ajeitá-la toda hora. Bonnie, todavia, não se importava com isso – a mochila pesada mostrava que tinha cumprido sua missão, apesar da intromissão de Sanderson.

Além da comida, ela pegara equipamento necessário para montar uma armadilha. Podia fazer algo para capturar um animal – ou, já que agora estava com comida, um humano. Era uma maneira prática de se matar alguém, sem que ela ficasse com muito sangue em mãos...

Um som de tecido rasgando seguido de algo caindo no chão fez Bonnie parar de andar mais uma vez, desejando também ter conseguido um kit de costura.

O peso de sua mochila era demais para o tecido aguentar, e parte de seu fundo rasgou, fazendo com que os itens menores escorregassem para o chão. Bonnie se sentou, recolhendo suas coisas e avaliando o buraco.  Como ia lidar com mais essa? Levando tudo em mãos?

Ela colocou um objeto maior no fundo, esperando que ele tapasse o buraco sem atravessá-lo, e começou a enfiar os menores por cima. Se a mochila não rasgasse ainda mais, aquilo impediria as coisas de caírem.

Na vez de colocar a lanterna, ela deixou que ela escorregasse de suas mãos. Engatinhou atrás dela, para recuperá-la, mas travou quando a lanterna bateu em um sapato.

Bonnie engoliu em seco. O tempo pareceu parar por um segundo, e então ela enfim juntou forças para olhar para cima e encarar o seu destino.

Os cinco Carreiristas estavam de pé na frente dela, sorrindo e balançando suas armas.

*********

Lyre Crosswell – Distrito 8

 

Quando Lyre viu aquele riacho tão pequeno e discreto pela primeira vez, achou que a exposição prolongada ao sol a estava fazendo delirar.

Depois de mais de vinte e quatro horas sem água, seu estado de desidratação era tamanho que ela não sabia mais como continuava a andar. Ao prosseguir o caminho, ela só pensava que não podia parar, não podia sentar, ou nunca mais conseguiria levantar novamente.

Sua mente estava distante – com sua família, no Distrito 8. Lyre se sentia a cada instante mais longe da realidade, só não conseguindo fugir plenamente dela por causa da persistente sede e dor.

Sua situação estava tão feia que, quando ela ouviu um canhão soar, achou que ele estava indicando a sua morte. Talvez estar morta fosse aquilo: ficar vagando pelo lugar onde tinha morrido, para sempre.

Mas se fosse isso, por que a maldita sede não passava?

No final, ela concluiu que o canhão tinha sido de outra pessoa, mas não deixou de pensar que talvez tivesse sido melhor se fosse dela. A morte por desidratação era traiçoeira e demorada, e Lyre sentia medo. Pensar na família era o que a mantinha de pé – de modo que, indiretamente, foram eles que garantiram que ela conseguisse achar aquele riacho tão puro e cristalino, quando as suas esperanças já tinham acabado.

E foi então que ela parou de andar.

Estava quase desmoronando, mas não podia permitir que isso acontecesse agora. O que queria mesmo era correr até lá, e ela só não o fez porque ainda acreditava que aquilo podia ser uma ilusão causada pela insolação – e, no caso, correr seria só um grande desperdício de energia. Tinha de continuar como estava agora. Calma, em ritmo constante.

No entanto, continuar seria ainda mais difícil agora que ela não estava mais em movimento. Lyre tentou e conseguiu avançar alguns metros, mas acabou caindo no chão antes de chegar lá. Sem mais opções, se arrastou até o riacho, que, de perto, era maior do que parecia. Viu seu reflexo na água, e quase não se reconheceu. A garota que tinha conseguido cativar a Capital com sua beleza angelical estava com os cabelos bagunçados e sujos de areia, pela noite que ela tinha dormido no chão, a pele vermelha por causa do Sol e um olhar de desespero e cansaço.

Por sempre ter se preocupado com a aparência, aquilo devia ter deixado Lyre mais surpresa do que ela realmente ficou. E talvez ela fosse ter ficado, se inconscientemente já não estivesse esperando por aquilo, ou se não estivesse com uma preocupação maior naquele momento.

Estendeu as mãos para a água, e sentiu-a acariciando os seus dedos, refrescando suas mãos. Aquilo serviu para puxá-la completamente de volta para a realidade – ela, Lyre Crosswell, estava nos Jogos Vorazes. Estava viva e tinha achado água. Não era imaginação.

Sem perder mais tempo, ela juntou as mãos em concha e aproximou seu rosto, sentindo que sua sede poderia ser suficiente para secar aquele riacho. Bebeu daquela água com uma avidez incontrolável, por um longo tempo. Era como um remédio – conforme entrava, curava-a, devolvia suas energias, fazia boa parte da dor passar.

Lyre estava determinada a, a partir daquele dia, valorizar muito mais aquele elemento. Inclusive, gostaria de poder ficar ali, ao lado do riacho, até o final dos Jogos, mesmo sabendo que era um desejo impossível.

Quando não aguentou mais beber, sentou-se. Seu corpo inteiro estava quente, queimado e suado, e ela jogou água nos cabelos, nos ombros, no rosto. Uma vez refrescada, sentia-se quase como a Lyre de sempre.

Todas as vezes que pretendia pegar mais água, ela se debruçava sobre a superfície, apoiando uma mão na margem e mergulhando a outra. Repetiu o processo várias vezes, sem reparar que, sempre que fazia isso, a terra cedia um pouco com o peso dela.

Os Idealizadores dos Jogos tinham propositalmente feito as margens menos resistentes do que pareciam, e Lyre não percebeu a cilada.

Foi pega de surpresa quando o pedaço onde estava caiu dentro da água, e não teve tempo de fugir. Sem nunca ter aprendido a nadar, ela se viu afundando, e, quanto mais se debatia para voltar para a superfície, parecia ser puxada mais para o fundo.

Mesmo que nunca antes tivesse entrado em algo mais profundo que uma banheira, sabia que aquela pressão que a sugava não era natural. O riacho tinha sido projetado para ninguém jamais sair.

Perceber isso, todavia, não fez com que ela se entregasse – muito pelo contrário, ela concentrou ainda mais as suas forças nos braços e nas pernas, esperando conseguir escapar se fosse forte o suficiente.

Estava ficando sem ar, e a ardência que antes havia em sua garganta agora estava em seus pulmões. Seria muito irônico morrer afogada em sua tentativa de não morrer por desidratação.

Em meio a sua luta desesperada, Lyre perdeu a noção de onde estava. Perto da superfície? Ou chegando ao fundo? A luz do sol reluzindo sobre o riacho não lhe dava pistas.

Sua única certeza era a de que estava morrendo.

Procurou se esforçar mais, mas estava no limite. Ela nunca conseguiria sair de lá assim.

Então, de repente, viu algo se mover, não muito longe dela. Pelo formato, parecia um braço humano, ou talvez um galho deformado. Tudo que sabia era que aquilo não estava lá antes, e podia ser a sua chance.

Lutou para se aproximar, até conseguir agarrar o objeto com uma de suas mãos. Foi quando outro membro afundou na água e a segurou com firmeza que ela teve a confirmação de que aquilo realmente era um par de braços, de alguém que começou a puxá-la para fora do riacho. A tal pessoa não tinha muita força física, mas com a ajuda de Lyre, que não parava de nadar para cima, ela emergiu, após quase dois minutos sem ar.

Água escorreu sem parar de sua boca e de seu nariz enquanto ela respirava fundo. Por ser asmática, sabia inúmeros métodos para aguentar algum tempo sem respirar e voltar de maneira apropriada, e utilizou os melhores naquela hora. A pessoa que a puxara ajudou-a a subir na margem outra vez, e Lyre se arrastou para longe dela na mesma hora, temendo que tornasse a ceder.

Só então se deu ao luxo de deitar de bruços no chão, tossindo e tremendo, e pôde olhar bem para o tributo misterioso: era Matthew Quingley, do Distrito 7, e ele sentou ao lado dela com um ar honestamente preocupado.

Ela não entendeu o que era aquilo. Pelo que se lembrava, eles nunca tinham se falado, então qual seria o motivo daquela gentileza? Nos Jogos Vorazes se matava, não salvava a vida dos outros.

— Por quê? – Perguntou, com a voz sufocada e ainda engasgando. Mais água saiu por sua boca quando foi falar.

Matthew ergueu as sobrancelhas, como se não tivesse entendido muito bem.

— De nada – disse, e seu tom não soava irônico, e sim brincalhão. Confusa e cansada, Lyre respirou fundo e fechou os olhos.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!



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