Beyond Broken Souls escrita por Haunted House, Angel of Silence, Angelika Malfoy


Capítulo 9
Evelyn Volkov


Notas iniciais do capítulo

Por Angel of Silence, com muitas auréolas para vocês.



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Os britânicos eram imbatíveis quando se tratava de chá. Evelyn e o resto do mundo sabiam disso. Mas a guerra havia afetado todos os países da pior maneira possível, em especial os europeus, o palco do espetáculo. E a Inglaterra estava uma posição particularmente desagradável, sendo que, ao lado da França, foi a primeira nação a declarar guerra à Alemanha em 1939. Naturalmente, quando se está tratando de guerra, qualquer coisa que não sirva para matar não é de prioridade.

Desse modo, o corpo estudantil e o corpo docente de Durmstrang dependiam completamente das estufas para tomar chá. Infelizmente, apenas 65% do chá consumido era plantado na escola; os outros 35% - de qualidade superior - vinham direto da Grã-Bretanha.

Era apenas em momentos de guerra, Evelyn refletiu enquanto andava pelas estufas – que se dava o valor merecido à certas coisas. A comida, por exemplo. Evelyn nunca pensou que sentiria tanta falta de sopa decente, até mesmo daquela coisa grossa demais com fígado de boi que às vezes era servida no jantar, que alguns alunos comiam. O Instituto Durmstrang era praticamente autossuficiente, produzindo no próprio terreno quase todos os alimentos que consumia. Isso se tornou um fator de vital importância em tempos de crise, durante/no final da Primeira Guerra Mundial, quando ainda era uma escola para garotas, mas principalmente desde o início da ocupação nazista na Noruega em 1940. Sem as estufas, Durmstrang inevitavelmente teria seus alunos passando fome. Graças a alguns feitiços, elas eram mantidas aquecidas e tornavam a plantação possível mesmo ao norte norueguês.

“Ev?” alguém a chamou. “Evey?”

Evelyn se virou em tempo de ver a porta das estufas se abrindo e Sam espiando para dentro, seu cabelo castanho caindo sobre os olhos verdes. “Ei”, ele disse, sorrindo. “Você não jantou ainda.”

Não era uma pergunta. Desde o incêndio não-acidental na casa deles em São Petersburgo, quando Evelyn tinha 6 anos, que tirou a vida de duas pessoas, incluindo a mãe deles, e parte da sanidade mental de Evey, os irmãos desenvolveram um complexo de superproteção ao outro. Sam, mesmo sendo um ano mais novo, garantia que Evelyn estava sempre comendo direito, dormindo no mínimo seis horas por dia, não fazendo coisas autodestrutivas e traduzindo seus olhares para palavras. Evelyn, por sua vez, sacrificava de bom grado o seu tempo livre para ter certeza de que ninguém mexeria com Sam, investia todo o dinheiro necessário para que ele não precisasse de nada de segunda-mão e, bem, da última vez que alguém insultou seu irmãozinho (porque mesmo a diferença entre os dois sendo pouca e Sam soubesse se cuidar, e mesmo se um dia ele estiver velhinho, em uma cadeira de balanço, com a vista quase inutilizável e usando uma bengala, Evelyn nunca deixaria de pensar nele como seu irmãozinho), Evelyn foi suspensa por praticar rebatar balaços com a cabeça de uma pessoa. Eles estavam juntos o tempo todo, e a relação dos dois era, no mínimo, codependente.

Evelyn sacudiu a cabeça, e fez uma careta.

“Eu sei”, disse Sam. “A comida é deplorável, mas é comida.”

Um suspiro, mas Evelyn o seguiu para fora das estufas. Sabia que, se fosse preciso, Sam repetiria o processo de Alimentação de Evelyn do ano anterior quando Evelyn não comeu nada por 11 dias, e ele literalmente pulou em cima dela, enfiou os joelhos em seus ombros e forçou comida garganta abaixo. Com Evelyn enfraquecida pela “dieta” e sendo sempre pega de surpresa – enquanto dormia, por exemplo -, Sam geralmente saía na melhor, embora ela às vezes conseguisse derrubá-lo e ameaçar quebrar seu braço. Os dois eram muito teimosos, mas Sam era mais, especialmente quando acreditava estar tomando a medida necessária para manter a saúde de Evelyn. Por duas semanas, aquele foi o único jeito de Ev botar alguma coisa para dentro.

Às vezes, ela se forçava a vomitar, só pra provoca-lo.

Os dois andaram pelos corredores familiares, próximos o suficiente para que seus braços se roçassem. Iriam para Hogwarts ao amanhecer, e ambos sabiam que não tinha data certa para voltar. Queriam memorizar cada detalhe do castelo, e Evelyn não teria dito nada nem se pudesse.

O salão de jantar de Durmstrang era amplo, de teto baixo. Perto da parede oposta à porta, tinha uma mesa longa onde o corpo docente comia. Os estudantes se sentavam em mesas redondas espalhadas pelo salão, e as travessas enfeitiçadas para flutuar eram um fluxo constante por entre as mesas. Haviam sido enfeitiçadas, também, para que ninguém fizesse nenhuma gracinha. Para manter o lugar aquecido mesmo no mais frio dos invernos, água fervente escorria por entre as pedras da parede, todas redondas e de tamanhos aproximados, de um tom cinza-grafite. Elas davam a aparência de terem sido casualmente empilhadas ali, e esquecidas.

Sam tomou Evelyn pelo braço, e os dois foram se esquivando de panelas e travessas voadoras com a facilidade que apenas a prática poderia proporcionar. (Era hilário ver os alunos novos tropeçando e se encolhendo, e sempre havia alguém que levava um banho de feijão. Claramente ofendidas, as panelas orgulhosas saíam perseguindo o pequeno vândalo pela escola, e ele/ela invariavelmente saía com alguns hematomas, às vezes um ou dois ossos quebrados e concussões aconteceram duas vezes.)

Depois de por muito pouco não ter levado uma jarra de suco direto na cara, Sam conseguiu arrastar Evelyn até a mesa onde dois irmãos gêmeos, alemães de olhos azuis e cabelos loiros, discutiam.

“Você não sabe nada, querida irmã”, dizia Albert Veidt.

“Não seja tolo, meu amado irmão”, Ava Veidt replicava. “Quais são as chances?”

“Quais são as chances de quê?”, Sam quis saber, sentando-se. Tanto ele quando Evelyn, que também se sentava, queriam saber qual era o motivo da briga. Bert tinha um talento para arranjar tópicos esquisitos e ter discussões esquisitas. Talvez fosse por isso que ele e Evelyn se deram bem logo que se conheceram, no primeiro ano.

Ava suspirou. “O amável irmão com o qual fui abençoada, ele diz que no meio do caminho para Hogwarts, nosso navio será atacado pelos nazistas.”

Evelyn abriu um sorriso. O pai de Ava e Bert apenas se afiliou ao Partido Nazista por falta de opção, e mandou seus dois filhos para Durmstrang justamente querendo que eles tivessem contato com outras ideologias e tivessem opinião própria. Funcionou, e ambas as crianças se tornaram socialistas, além de defensores dos direitos dos negros, e feministas. Sim, Bert era um garoto, e sim, feminista. Não, ele não era homossexual (na verdade, Evelyn tinha a suspeita de que ele era o fornecedor de revistas e fotos pornográficas aos alunos mais velhos, mas isso era apenas suposição não-comprovada após uma sequência de fatores e eventos). Evelyn, defensora ferrenha de negros, homossexuais, judeus, feminista e comunista assumida, se tornara amiga dos dois por isso também. Nos momentos em que seu mutismo seletivo não atacava, tinha conversas filosóficas com Ava e as duas, discussões iradas contra os nazistas e os fascistas, principalmente. Sam não era tão radical como ela, e preferia ficar longe dos conflitos. Apoiava quando era preciso, sim, mas não costumava ir à passeatas e gritar sobre as injustiças. Era um pacifista acima de tudo.

“Eu, ah, acho que você não precisa se preocupar”, ele disse. “A viagem deve ser bem... segura.”

“’Segura’!” Bertie explodiu. “Veremos o que você irá dizer sobre segurança quando estivermos todos em CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO!”

Evelyn arqueou uma sobrancelha. Sam revirou os olhos e Ava enterrou o rosto nas mãos. Eles deveriam já estar acostumados, principalmente depois de Bert decidiu testar os feitiços de proteção nas panelas e cuspiu na panela de feijão. O cuspe voou direto de volta para o olho dele. Bert e Ava recomeçaram a discussão, e Evelyn gesticulou para o caldeirão de sopa. Este veio prontamente até ela e desceu até que estivesse na altura ideal para que ela se servisse. Evelyn fez uma careta. A sopa era basicamente um caldo ralo e esverdeado com cinco pedaços de carne dura flutuando no meio.

Olhando a situação miserável de sua irmã, Sam lhe deu um sorriso simpático. “É, eu sei.”

De repente, alguém se largou no assento vago entre Evelyn e Ava – ainda discutindo. Era Dmitri, com seu cabelo negro e olhos castanho-claros, que murmurou um “oi” e sorriu para ela, antes de seus olhos caírem sobre o prato de Sam e puxá-lo para si. Ele caiu matando sobre as batatas murchas.

“Oi”, disse Sam, claramente não se incomodando com o furto. “Onde esteve?”

“Reunião do Grêmio”, Dmitri respondeu de boca cheia. Ava já havia há muito desistido de tentar corrigi-lo. Dmitri era um rebelde sem causa. “Vou te dizer uma coisa: nós, capitalistas, gostamos muito de discursar.”

Evelyn suspirou. Alguns alunos – muitos deles, na verdade – perderam tudo, ou quase tudo, e não tinham onde ficar. Durmstrang, então, virou o lar desses mais desafortunados (note, mais desafortunados, porque não existe ninguém afortunado quando o assunto é guerra, ainda mais uma dessas proporções). Toda essa convivência em tempo integral, de alunos de variadas nacionalidades, em um tempo onde ideologia, raça, crença, basicamente qualquer coisa pode ser usada contra qualquer um, estava fadada a gerar conflitos. E ditos conflitos tomavam forma com os grupos estudantis que os alunos tinham a permissão de fazer. Dmitri o Grêmio Capitalista, e Ava e Bert eram do Grupo Estudantil Socialista. Dmitri apoiava o Grêmio Capitalista, Ava e Bert, o Grupo Estudantil Socialista, e Evelyn e Sam eram parte do Partido Estudantil Anárquico-Comunista dos Escandinavos. Incialmente, ele iria se chamar Partido Estudantil Anárquico-Comunista de Durmstrang, mas quando eles viram que a sigla ao invés de ser PEACD, poderia ser PEACE se eles fizessem uma referência aos países escandinavos no meio. Afinal, a maioria dos estudantes daquela escola vinha de países escandinavos.

“Então”, disse Dmitri, entre garfadas de batatas e arroz, olhando para Evelyn. “Quando amanhecer, estaremos em um barco. Indo conhecer seus amiguinhos londrinhos.”

Evelyn assentiu.

“Sybil Crawley e Tom...” Dmitri franziu o cenho, tentando se lembrar. “Riddle. Tom Riddle.”


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Notas finais do capítulo

PEACE, GC e GES. Lindas siglas.



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