_ Mestre Hypnos....-levantei meus olhos ao ouvir aquela voz feminina atrás de mim, interrompendo meu chá. Observei a jovem Pandora, que me fazia uma reverência, seus cabelos longos tocando ao chão. - Peço perdão pela minha intromissão, mas venho informá-lo que localizei o receptáculo de nosso senhor..... - A jovem levou seu olhar triste a mim, esperando sua próxima ordem. Não deixei de me compadecer com sua expressão. Ela havia sofrido demais, assim como todos aqueles que estão destinados a figurar naquela guerra sem sentido. Suspirei, levantando-me e mantendo minha costumeira expressão fria.

_ Bom trabalho, Pandora....creio que agora está na minha hora de atuar.... - dou um leve sorriso, colocando meus óculos. - Onde posso encontrá-lo?

_ Chama-se Alone, um jovem pintor que trabalha na catedral da cidade.....poderá encontrá-lo alá neste horário, meu senhor....- a jovem mantém a cabeça baixa, evitando me olhar nos olhos.

_Certo....quando chegar a hora, espero que esteja preparada.... - passo por ela, respondendo-a de maneira séria. - Só precisamos fazê-lo morder a isca....

Saio dali, encarnando meu personagem, enquanto chamava uma carruagem para me levar até a catedral onde o jovem receptáculo de meu senhor trabalhava. Observei a paisagem pela janela, pensativo. Eu sabia que tudo aquilo logo mais seria destruído quando do renascer de Hades, entretanto, não tinha outra escolha a não ser cumprir com meu papel, afinal....quem era eu, comparado com o poder de Hades? Suspirei, pesaroso, recostando minha cabeça no banco da carruagem, calculando cada palavra que eu deveria dizer, cada gesto, e cada expressão. Um passo em falso, e tudo iria por água abaixo.....

Não sei por quanto tempo permaneci desta maneira, até que ouvi a voz do cocheiro ao meu lado quando este abriu a porta da carruagem:

_Senhor Padre....está tudo bem? - olhava-me o homem de cabelos brancos.

_ Sim, não se preocupe.....foi apenas um mal estar passageiro decorrente de meus jejuns.... - sorrio de maneira simpática ao homem, descendo da carruagem, e entregando algumas moedas àquele homem. - Aqui está seu pagamento....tenha um bom dia, senhor...

Aguardei o homem desaparecer pelas ruas da cidade, voltando-me à esplendorosa construção à minha frente....realmente...os humanos são pessoas excepcionais....sempre me surpreendendo a cada passo. Respirei fundo, adentrando a catedral, encontrando-me com o padre que a coordenava:

_ A Paz do Senhor esteja contigo... - cumprimento o outro padre, fazendo o sinal típico daquela religião, sorrindo-lhe levemente – Talvez não esteja lembrado de mim...sou o padre responsável pela catedral da floresta...ouvi rumores de um jovem pintor que trabalha aqui, e interessei-me em conhecer seus trabalhos....

_ O padre da catedral da floresta? - o padre mais velho olhou para mim com estranha admiração. Achei bastante divertida a maneira com que ele arqueava a sobrancelha e fazia expressões curiosas - Fazem alguns anos desde que ouvi algo sobre o senhor...mas não imaginei que fosse tão jovem assim.... - Riu-se o homem, mantendo seu olhar sobre mim. Eu contive um sorriso, uma vez que era vários milênios mais velho que aquele humano, mas minha aparência mantinha-se jovem. - É interessante como nos enganamos pelos rumores e aparências, não? - Suspirou, levando os olhos para as paredes daquele lugar, assim como eu o fiz, observando cada detalhe perfeito daquelas pinturas. - Como pode ver, tudo isto é obra do garoto....ele tem um dom magnífico....A propósito....será uma honra apresentá-lo ao senhor....hoje ele encontra-se aqui...

O homem fez-me um sinal para segui-lo, adentrando os corredores daquela catedral. Eu mantinha-me calmo, observando o local, e mantendo o meu personagem, o que para mim não era difícil, já que estava mais que acostumado com aquele tipo de coisa. Ao fim do corredor, pude distinguir a silhueta de um jovem rapaz loiro pintando uma das mais belas pinturas que eu havia visto. Confesso que fiquei ligeiramente impressionado com tamanho talento do garoto.....realmente, era alguém digno de ser hospedeiro da alma de meu senhor.

Observei o padre conversar com o garoto, que voltou um olhar impressionado a mim, talvez, um pouco curioso também. Sorri gentilmente ao garoto, apresentando-me. Havia chegado o momento de iniciar minha farsa.....iniciei comentando sobre a pintura que ele estava fazendo, perguntando-lhe a respeito dos olhos do anjo....incompletos....sem cor.... Ouvi-o de maneira paciente, induzindo-o a ir ao local onde Pandora o estaria esperando, para que recebesse a alma de Hades.

Confesso que sentia pena daquele garoto, já que se tornaria apenas mais uma marionete em meio a toda aquela guerra...Observei-o questionar-me mais um pouco sobre a catedral da floresta e, principalmente, a respeito da famosa pintura que lá havia. Sorri para ele, tratando-o como a criança que deveras era:

_ Bom....não tenho palavras para descrevê-la, meu caro.....mas confesso que você ficaria totalmente impressionado ao ver tamanha obra.... - suspiro. Em tese, eu não estava mentindo, uma vez que, realmente, a pintura o chocaria por demais.... - mas aredito que não seja o momento certo para vê-la ainda, Alone.....

Sinto o jovem pegar em minhas mãos, apertando-as entre as suas, olhando-me ansiosamente:

_Mas, Padre.....quando poderei ser digno de ver tal pintura? - o jovem continuava a me olhar, esperando a resposta.

Olhei para ele, mantendo minha serenidade, retirando minhas mãos das dele com delicadeza, afastando-me até a porta:

_Acredite, jovem Alone....você saberá quando for o momento.... - ajeito os óculos em meu rosto, dando um leve suspiro – Sem falar que....seria uma pena que este anjo que estás pintando fique com os olhos inacabados, não? Deveria ir ao lugar que te indiquei.....

Não dei tempo ao jovem para que me respondesse, deixando aquela catedral tão breve quanto eu podia.

Ao chegar na catedral, deparo-me com Thanatos, sentado à mesa, com o tabuleiro de xadrez já montado, olhando-me da maneira convencida que sempre fazia:

_ A sua bênção, Padre..... - ri-se, mexendo em uma peça de xadrez – Como foi passar por um dia sendo humano, caro irmão?

Sentei-me à sua frente, ignorando seus gracejos, observando o tabuleiro, sem demonstrar expressão alguma:

_ Foi fácil.... - deixei um leve sorriso escapar-me do rosto – o hospedeiro de Hades é uma criança um tanto fácil de se enganar....

_ Ótimo....então não teremos tantas preocupações quanto imaginei.....Athena não terá chance alguma desta vez. - Thanatos sorri, levantando meu queixo com as pontas de seus dedos, forçando-me a olhar para ele – Mas por que será que tenho a leve impressão de que você não está contente com isso, irmão? Não vá me dizer que está gostando destes humanos nojentos.....

Retirei a mão de Thanatos de meu queixo, olhando-o de maneira séria. Thanatos me conhecia muito bem...mesmo que eu não quisesse transparecer o que sentia, ele captava cada movimento em falso que eu tinha.... Suspirei, mantendo minha calma, para respondê-lo:

_Estou apenas preocupado, irmão....estes...”humanos nojentos” como você chama, são imprevisíveis....Já presenciamos isso nas guerras anteriores. - Levanto-me da mesa, olhando pela janela. - Como estrategistas desta guerra, não podemos nos apegar a crenças tolas....muito menos nos permitir falhar.... - volto a olhar meu irmão, mantendo minha postura séria. Thanatos apenas arqueava a sobrancelha, com um leve sorriso zombeteiro....aquele sorriso irritante que eu odiava, e ele sabia muito bem. Apenas o ignorei, dizendo: - Preciso descansar....o dia foi cansativo.... - Sai dali, indo até meus aposentos, enquanto calculava os próximos passos a serem dados naquele momento.