As três chegaram cheias de sacolas e jogaram tudo em cima de nós duas. Marcela, mamãe e Isadora se jogaram no chão.

Eu e Camila nos entreolhamos.

— Vocês não vão me fazer usar um vestido. – Eu disse.

Marcela se levantou e sentou no meu colo. Ela colocou o dedo no meu nariz.

— Não comprei um vestido para você. Sei que você é do contra, então comprei... – Ela fuxicou em uma sacola branca. – Isso aqui.

Quando Marcela me jogou uma camisa na cara, eu fiquei incrédula ao vê-la.

Tinha uma motosserra, a luva com garras do Freddy, sangue para caramba e uma máscara de hóquei. Eu queria beijar Marcela.

A joguei no chão e corri lá para cima.

Abri minha porta e já fui tirando minha camisa. A joguei no chão e coloquei aquela lindeza. Tirei a calça e fucei nas minhas tralhas, a procura da minha calça jeans.

— CADÊ VOCÊ, PESTE? – Eu berrei enquanto lançava algumas roupas para os ares.

Marcela entrou correndo no quarto e levou uma meia na cara.

— Katrina, o que você está fazendo?

— Procurando a porcaria da calça jeans.

— Para quê?

Eu me virei incrédula para ela.

— Para esfregar na cara de todo mundo minha camisa.

Ela sorriu.

— Sério mesmo que você gostou?

— É.

— Não vai agradecer?

Contorci-me, desconfortável. Eu não gosto de dizer “obrigada” a ninguém. Ela comprou aquilo por que quis, não foi? Não é?

Suspirei.

— Obrigada. – Murmurei.

Marcela sorriu, parecendo satisfeita.

Ela tirou dentro do meu cesto de lixo minha calça jeans.

— Tchanam. – Ela sorriu.

Arregalei os olhos.

— Malditos duendes, mal posso prever seus movimentos.

Agarrei a calça.

— Katrina.

— Hã?

— Não beba.

*

Nós estávamos na Vila Primavera, e eu estava pronta para encarar aquele povo idiota e catarrento.

Abri aquele portão de metal branco que dava para o inferno. Desci os únicos dois degraus e cruzei o quintal com azulejos brancos. Abri devagar a porta.

— KATRINA! – Me gritaram.

Fui para trás com o susto, mas não foi possível me soltar do abraço-de-urso-quebra-costela de Mandy. Eu sufoquei e ela me levantou.

— Você está tão linda, prima! – Ela disse.

— Alguém... Socor... – Eu tentei.

Ela me botou no chão a tempo de eu ouvir meu lanche dizendo: Katrina, quanto tempo! Estou de volta!

Coloquei a mão no peito e a outra na parede.

— Você está cavala como sempre, Mandy. – Eu resmunguei.

Cambaleei até a sala e vi os ratos.

Victor e tia Flora estavam sentados no sofá de dois lugares. Na poltrona, estava vovó.

No sofá de três lugares, Érica estava dormindo, provavelmente cansada de suas milhões de horas extras no trabalho, para poder alimentar seu irmão. A única pessoa dessa casa que merece meu respeito é ela. Perdeu a mãe há três anos e se vira num trabalho de garçonete.

A baixinha da Mia estava encolhida – como se fosse preciso – ao seu lado. Mia tem dezesseis anos e tem um metro e quarenta e dois centímetros e é o demônio encarnado. Ela luta melhor do que eu e Mandy.

Do lado dela, Felipe, o irmão mais novo de Érica, estava enfiado em um videogame portátil.

Na mesa de bilhar, minhas três tias estranhas estavam dispostas. Tia Margarida parecia ganhar, tia Rosa estava mais do que bêbada e tia Íris estava sentada, obviamente derrotada.

Quando me viram, abriram um sorriso.

— Bem vinda de volta, Kat-Kat. – Eles disseram.

Obviamente tia Flora e Victor continuavam com a mesma cara de bunda.

— E aí. – Eu disse.

Sentei-me ao lado de Felipe, que abriu um sorriso a me ver.

— Oi, Katrina. – Ele sorriu.

— Oi.

Eu afundei no sofá e observei enquanto Marcela cumprimentava um por um, dando beijos na bochecha.

— Puxa saco. – Murmurei.

Marcela deu um tapa na minha perna.

— Não sou puxa saco, sou apenas simpática.

— Dá no mesmo.

Quando mamãe entrou na sala com Camila, todos voltaram a atenção para ela.

— Que coisa fofa! – As minhas tias exclamaram.

Elas foram até mamãe e cada uma pegou Camila um pouquinho.

Mas Camila somente deu de ombros.

— Eu sei. – Ela disse.

Todo mundo olhou para mim.

— Não sei de nada. – Lancei minhas mãos para cima.

*

Conversa vai, conversa vem, Marcela e Mandy começaram a conversar e trocaram risadas. Eu apenas fiquei assistindo Pink Dink Doo com Camila em cima de mim, enquanto Felipe deitou nas minhas pernas. Resumindo: fiquei de babá naquela casa.

Érica e Mia estavam na cozinha, comendo bolo, mamãe ajudava a vovó a limpar a casa e minhas tias ainda jogavam bilhar. Se você não percebeu ainda, eu não tenho tios. Quando as três descobriram que estavam sendo traídas, elas mataram os maridos. Pois é, todos nós temos problemas com homens.

Quando deram seis horas, Mandy se levantou e veio até mim.

— Katrina, vamos apostar quem consegue beber mais?

Eu ri.

— Você sabe que perde.

Ela sorriu.

— Cinquenta reais.

Coloquei Camila no sofá e fui até a mesa no centro da sala. Bati palmas e a esfreguei.

— Que os jogos comecem!

Mandy sorriu, e tia Rosa trouxe uma caixa cheia de uísque, cerveja, vinho e pinga.

— Que Deus esteja com os seus fígados. – Ela piscou e se virou para o pessoal. – Oh, preparem a privada!

Todo mundo nos rodeou e Mandy se sentou na minha frente.

— Preparada?

— Eu nasci preparada.

Ela sorriu e pegou uma garrafa de uísque. Ela tirou a tampa com os dentes e virou na boca mesmo.

Ela virou a cabeça, deixando a bebida cair na garganta. Quando ela acabou, se arrepiou e soltou um grito. Mandy bateu a garrafa com força na mesa e sorriu para mim.

— Sua vez, megera.

Sorri e peguei a pinga.

— Katrina, não faça isso! – Marcela pegou meu braço. – Bebidas para menores de idade são proibidas!

Sorri.

— Você está na casa dos “Dias”. Agora cala a boca. Mandy, vê um Johnnie Walker para ela. – Eu sorri.

Mandy pegou um copo e encheu até a borda com uísque. Ela o empurrou e o copo escorregou na minha mão. Entreguei na mão de Marcela.

— Boa sorte. – Eu disse.

Abri a pinga e a virei na boca.

Aquilo definitivamente não era bom, afinal, eu perdi a prática. Mas tomei mesmo assim. Dez segundos se passaram e eu bati a garrafa na mesa, apoiando a cabeça no vidro.

Olhei para Mandy. Ela já estava bêbada.

— Mais uma! – Ela gritou e bateu na mesa, feliz.

E com isso, eu perdi a aposta. Mandy tomou oito garrafas de cerveja, três pingas e dois uísques. Eu tomei seis cervejas, um uísque e duas pingas.

No fim das contas, eu nem sabia falar meu nome direito. Eram dez horas e Mandy tentou ligar o karaokê. Mas ela estava bêbada demais para achar o controle.

Eu estava sentada no sofá quando senti algo no estômago. Mia percebeu e me levou até o banheiro. Ela pegou meus cabelos e fez um rabo-de-cavalo. Eu vomitei toda aquela bebida.

— E ai, Katrina... Pronta?

Assenti.

— Acho que sim.

Ela sorriu e me jogou no sofá.

Mandy veio na minha direção. Ela me puxou pela mão e ficamos em cima da mesa.

— Agora... – Ela tentou dizer. – Vamos cantar! Vai Katrina, arrasa!

— I see you driving round town with the girl I love and I'm like… - Eu cantei.

Apontei para Mandy.

— FUCK YOU! Oo ooo ooooo— Ela cantou. – I guess the change in my pocket wasn't enough I´m like... – Ela apontou para mim.

— FUCK YOU… AND FUCK HER TOO! — Eu cantei.

Nós duas encostamos nossas costas e apontamos para o pessoal.

— I said "If I was richer, i'd still be with ya". Ha, now ain´t that some shit? — Ela cantava, enquanto eu cantava a voz dos fundos. – (Ain´t that some shit) and althought there's pain on my chest I still wish you the best with a...

— FUCK YOU! oo ooo ooooo – Eu gritei.

— Yeah, I'm sorry I can´t afford a ferrari, but that don't mean i can't get you there. I guess he's an xbox and I'm more Atari but the way you play your game ain´t fair — Nós duas cantamos, enquanto faziamos gutarras de mãos.

— Vou me juntar! – Gritou Marcela, também bêbada, enquanto subia na mesa.

— I pity the fool that falls in love with you (Oh shit she's a golddigger). Oooooooooooh I´ve got some news for you yeah go run and tell your little boyfiend — Nós três cantamos, enquanto eu fazia voz do fundo.

— Vocês três, já chega! – Gritou mamãe, enquanto puxava Mandy para o chão.

Eu tombei para o lado e cai de bunda no chão.

Comecei a rir. Marcela caiu em cima de mim e nós duas damos risada, que nem idiotas.

Tia Íris chegou perto de nós duas e me pegou por baixo do braço.

— Meu Deus... O que a Marcela tomou, Katrina? – Ela perguntou.

Pensei por alguns segundos.

— Coloquei analgésico na cerveja número seis dela. – Eu pensei ter dito.

Na realidade, saiu mais ou menos assim: Coloquei gésico número cerveja seis dela.

Minha tia riu e me jogou no sofá. Eu comecei a contar as linhas que tinha ali.

— Três... Sete... – Eu ri. – Não, Katrina idiota, sete vem depois de cinco.

Alguém se sentou em cima de mim. Olhei para a pessoa. Mandy estava cantando.

— Mandy, vadia... Sai de cima de mim! – Eu a empurrei e ela caiu no chão.

— Kat... Eu não estou bem. – Ela disse.

— E você acha que eu tô? Estou rível.

Mandy riu.

— Rível não existe. E estamos bêbadas para caramba.

Eu ri.

Não demorou muito e nós duas dormimos ali mesmo. Marcela estava caída no tapete, apagada.

*

Quando eu acordei, estava em casa, na minha cama. Eu estava com uma puta dor de cabeça.

— Vocês duas, chega, vamos acordar! – Berrou mamãe, enquanto batia na porta.

Marcela resmungou algo e se virou. Eu lancei minha lanterna nela, mas minha mãe apenas se abaixou.

— Não quero vagabundas aqui dentro de casa! Podem ir para a escola, vamos! É quarta, estamos no meio da semana, vamos!

— MÃE, ESTAMOS DE RESSACA! – Eu berrei enquanto jogava meu travesseiro nela.

— O problema é de vocês se beberam além da conta ontem! Ah, Katrina, depois eu te conto o que você fez... Foi muito engraçado, mas só te conto se você descer!

— Pode mofar esperando, agora sai daqui que eu estou morrendo! – Eu gritei e me embolei nas cobertas.

Apertei os olhos. Aquele soninho delicioso estava vindo. Não iria o perder por causa de aula. Não mesmo.

— Katrina... – Murmurou Marcela.

— Que é?

— Eu odeio quartas-feiras.