Houve Uma Vez Uma Primavera escrita por Aline Carneiro


Capítulo 11
Capítulo 10 - Duas reuniões


Notas iniciais do capítulo

A descrição da aparência de Lord Voldemort, que aparece nesse capítulo, não corresponde à dos livros porque ele ainda não havia feito todos os Horcruxes: em "Harry Potter e o Enigma do Príncipe" fica claro que cada Horcrux torna sua aparência menos humana. Presume-se que à essa época ele ainda não havia feito seus três últimos Horcruxes, portanto, tem a aparência intermediária entre a que apresentou na sua última visita a Hogwarts e àquela que teria ao ressurgir no ritual presencado por Harry no quarto livro.



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James aproximou-se dos amigos que iam conversando sobre a inspeção e disse:
– Preciso falar com vocês! – ele não conseguia esconder sua alegria.
Remus, Peter e Lilly pararam perplexos. Sirius parou também, com uma expressão de expectativa.
– Eu sei que vocês devem ter achado que eu tinha ficado maluco... mas na verdade eu tinha motivos para me comportar daquele jeito. Sirius sabe de tudo.
– De tudo o quê? – perguntou Remus – Você estava escondendo coisas de nós?
– Eu não tive escolha... se me deixarem pagar uma cerveja amanteigada para vocês no Três Vassouras eu explico tudo.
Lilly o olhava desconfiada e ele disse:
–  E esse convite é para você também.
O grupo seguiu, mais silencioso que os demais, rumo ao Três Vassouras. De alguma forma, parecia que todos sabiam que o assunto era sério.

***

Enquanto isso, Severus seguia sozinho para Hogsmeade. Ele sentira que Avery,  Mucilber e os Lestrange o evitavam, provavelmente porque sabiam que ele tinha "obrigação" de delatar Lupin. Não se sentia nada culpado e muito menos amedrontado. Não gostara mesmo da forma que o velho Malfoy o abordara. Não era obrigado a seguir ordens dele só porque ele era um velho Comensal da Morte. E sabia que mesmo que seguisse o Lorde das Trevas, nunca se subordinaria a pessoas como Abraxas Malfoy e Bellatrix Black, que pareciam achar ter direito a um tratamento superior sem nenhum motivo particular para isso além do seu sangue puro.
Repentinamente, foi puxado por alguém e deu de cara com Regulus Black, que era pelo menos meio palmo mais baixo que ele mas parecia ter crescido vários centímetros movido apenas pela raiva.
– Você... seu maldito mentiroso!
– Ah, é você Regulus?
– Como eu vou explicar para Bella e o Lord das Trevas que VOCÊ não fez a sua obrigação e deixou passar a oportunidade de tirar as criaturas da escola?
– Você não vai precisar explicar nada – disse Severus, quase impaciente – eu mesmo vou explicar.
Regulus perdeu a cor:
– Como assim?
– Eu vou na reunião na casa dos Lestrange.
– E você acha que pode entrar numa reunião do grupo assim?
– Sua prima disse que eu podia.
– Isso se você fizesse o combinado.
– Escute aqui, seu pequeno idiota, pau mandado da Bella: eu não combinei nada com nenhum de vocês. Desde sempre deixei bem claro que não queria delatar ninguém, e aliás, não podia. Vocês seguiram com o plano achando que eu ia ceder no final, mas eu não respondo a nenhum de vocês. E se um dia eu fizer parte do grupo continuarei não respondendo a ninguém além do Lord das Trevas.
Ele saiu deixando um perplexo Regulus para trás. Não chegaria na reunião como prisioneiro de um garoto de 15 anos que se achava um importante bruxo das trevas, e se seus colegas também não queriam ser vistos com ele, o problema era deles. Ele sabia o que queria naquele momento, que era estar frente a frente com o bruxo de quem sempre ouvira falar com imenso temor, mas que nunca conhecera. Naquele instante Severus Snape não se importaria de ser morto por Lord Voldemort, contanto que pudesse conhecê-lo. Sabia que aquele encontro mudaria sua vida para sempre.
A casa dos Lestrange era quase nos limites do povoado de Hogsmeade. Não era uma casinha com ares provincianos como a maioria das outras, mas um lúgubre casarão de janelas e portas de madeira escura e telhado alto e ar antiquado, imponente. Já havia estado ali com seus colegas em outras ocasiões, os irmãos Lestrange sempre davam festinhas para os colegas interessados nas artes das trevas durante as visitas  a Hogsmeade. Ele aproximou-se da porta e bateu a aldrava, sabendo que esta não era uma ocasião como as demais.
– Qual a senha? – uma voz feminina sussurrou do outro lado.
– Basilisco – ele respondeu, achando aquilo tudo um exagero ridículo.
Bellatrix Black o puxou para dentro e apontou a varinha bem para o seu rosto. Ele não mudou sua expressão.
– Me diga por que eu não te mato aqui, agora, garoto?
– Porque o Lord das Trevas não ordenou minha morte, ordenou? – ele disse encarando a jovem com uma expressão absolutamente neutra.
Ela o largou aborrecida e disse, na mesma voz baixa:
– Você devia ter cumprido o combinado...
– Eu não combinei nada, Bellatrix.
– Quero ver você manter essa pose diante do mestre. – ela disse desafiadora – e quero ver se ele vai gostar da sua atitude, garoto.
Ele não disse nada. Bellatrix apontou a direção para ele, que seguiu para o salão da mansão dos Lestrange. Havia uma imensa mesa e algumas cadeiras soltas encostadas à uma parede, aparentemente destinadas aos aspirantes a Comensais da Morte, onde estavam sentados os irmãos Lestrange,  Avery, Mucilber, um garoto do sétimo ano que ele sabia se chamar Rosier e Igor Karkaroff, um rapaz que se formara no ano anterior. Na mesa grande já estavam  sentados alguns bruxos adultos, entre eles Abraxas Malfoy e seu filho, que o fulminaram com um olhar. Entendendo automaticamente qual era seu lugar, ele sentou numa das cadeiras longe da mesa, dizendo aos colegas:
– Que bom que me convidaram...
– Snape... é que Bella – começou um dos gêmeos Lestrange, ao que Snape interrompeu com um gesto brusco.
– Eu entendi. – ele disse.
Um silêncio incomodo e amedrontado seguiu-se por mais de meia hora. Nesse meio tempo chegou uma mulher loura muito bonita que sentou-se ao lado de Lucius Malfoy na mesa dos Comensais, depois mais alguns outros bruxos adultos, alguns encapuzados. Regulus sentou-se numa cadeira de aspirante bem longe dele, deixando claro que não apreciara seu gesto. Algum tempo depois, uma excitada Bellatrix entrou no salão, dizendo, eufórica:
– O mestre esta chegando, o mestre está chegando!
Ela sentou-se num lugar ao lado da mulher loura, que Snape reconheceu como a irmã de Bellatrix, Narcissa, que havia sido monitora da Sonserina até se formar, no ano anterior. Minutos depois, a porta principal do salão abriu-se com um estrondo, e uma cobra enorme deslizou para dentro da sala. Ela pareceu farejar ameaçadoramente cada um dos presentes; parando um bom tempo diante dele, que logicamente sentiu medo mas procurou não demonstrar. Após uma ronda pela sala, a cobra parou diante da porta, agora aberta e começou a sibilar estranhamente, enrolada sobre o próprio corpo. Um outro sibilo respondeu, num estranho diálogo e, logo depois, um homem muito alto e encapuzado entrou na sala, andando firmemente na direção da cabeceira da mesa.
Os Comensais da Morte e os aspirantes levantaram-se. Snape pôde ver o rosto do bruxo que entrara e sentiu-se intimamente impressionado. O rosto dele era longo*, branco, as feições eram cruéis e os olhos vermelhos e penetrantes. Não se podia precisar a idade dele, podia ter entre 35 e 50 anos, mas seu olhar e seus gestos  eram vigorosos e impressionantes e quase teatrais. Quando ele entrou, ninguém mais tirou os olhos de sua figura marcante, que logo fez um gesto para que todos se sentassem.
– Então... – ele disse e sua voz era grave e suave, mas ao mesmo tempo imperiosa e cruel. – Novamente nos encontramos, meus Comensais da Morte. Nossa história de triunfos começa a ser escrita... Temos muitas caras novas por aqui. Espero que meus seguidores tenham trazido pessoas que realmente acreditam naquilo que eu acredito. Esta semana mais um opositor foi eliminado. Em breve não teremos mais que nos preocupar com os amantes de trouxas que dominam o ministério.
– Mestre – Walden McNair pai disse – eu mesmo me certifiquei que ninguém será capaz de encontrar vestígio dos últimos opositores... e nada pode ser provado.
– Você será recompensado, Walden... e também seu filho – ele disse, referindo-se a um jovem sentado à esquerda do velho carrasco do ministério – todo aquele que ajudar a tirar do caminho nossos opositores terá sua recompensa. – o bruxo sorriu malignamente. Mas há assuntos mais mundanos a resolver. Bella, você me disse que teria um avanço em alguma questão importante, mas não disse qual.
Bellatrix pareceu apavorada, olhando do mestre para Snape, aparentemente perdida. O velho Abraxas Malfoy tomou a iniciativa:
– Mestre... Bella havia me dito que o jovem Rodolfo Lestrange confidenciara a ela que um colega de turma dele contara que havia escapado de um Lobisomem colocado por Dumbledore dentro de Hogwarts, episódio que foi protegido por um pacto de silêncio. Na qualidade de conselheiro de Hogwarts eu poderia denunciar isso e conseguir forçar Dumbledore a revogar a suspensão do registro obrigatório de semi-humanos... mas o jovem – ele olhou duramente para Snape – se recusou a cooperar e tem a coragem de comparecer a essa reunião como aspirante sem ter feito o que pedimos a ele... respeitosamente, mestre, peço que poupe Bella de uma punição e... discipline esse rapaz...
Voldemort cortou a fala do velho Malfoy com um gesto, olhando diretamente na direção de Severus. Sem comentar o plano de Bellatrix e Abraxas, dirigiu-se diretamente a ele:
– Por que não fez o que meus comensais pediram, meu jovem?
Severus encarou o bruxo. Por algum motivo, o temor que sentira evaporou-se. Sabia que podia explicar-se para ele, sabia que seria entendido:
– Foram várias razões. Primeiro, porque não sou subordinado a nenhum deles. Se a ordem viesse diretamente do senhor, e se eu já fosse um Comensal da Morte, eu a cumpriria imediatamente, mas não era o caso. Segundo, ao revelar o ataque, eu com certeza ficaria em maus lençóis na escola, pois estava num lugar onde não deveria estar quando o ataque quase aconteceu; finalmente, eu creio que criaturas como os lobisomens e os meio-gigantes são nossos aliados naturais. Não me parece inteligente forçá-los a revelar sua condição, mesmo que o meio-gigante que ajuda Dumbledore e o lobisomem que quase me atacou sejam excessões à regra e sejam aliados... deles.
Voldemort deu um sorriso mau, satisfeito. Ainda encarando o rapaz, respondeu:
– Fez bem em não agir como subordinado a eles... gosto de sua coragem. Quanto às demais razões, me parecem justas... – Severus começou a sentir-se aliviado, mas Voldemort prosseguiu – mas parece que há uma razão oculta. Algo que você não quer revelar...
Subitamente, Severus percebeu finalmente que havia uma presença em sua mente, que na verdade já estava ali há algum tempo, revirando-a como uma gaveta. Em segundos reviu os momentos em que discutia com Regulus, depois com Bellatrix na lareira, em seguida foi levado à lembrança da discussão com James Potter e finalmente o acordo que fizera com ele. Em seguida se viu dentro do corredor sob o salgueiro lutador, na direção da casa dos gritos, e se viu no fundo do corredor, com o lobisomem já vindo em sua direção e o feitiço lançado por Potter que jogou o Lobisomem para trás e fechou com estrondo a porta do corredor. Tudo isso em segundos, ele sacudia a cabeça, mas as lembranças se sucediam: a recente discussão com Lilly, a raiva que sentira depois...
Viu a raiva, a raiva que sentia de seu pai, reviu toda sua infância, entre as bebedeiras do pai e as lágrimas de sua mãe; os feitiços de mutilação e dor que criara pensando em usar no seu pai, o júbilo ao descobrir um vidro de poção venenosa no armário do banheiro de sua casa durante as férias de Natal do ano anterior... a decepção ao ver que sua mãe não pretendia usar o veneno no seu pai, mas em si mesma. Viu-se jogando uma pedra de bezoar na garganta da mãe, implorando para que ela não morresse. Viu o pai arrasado saindo de casa depois da tentativa de suicidio da mãe, devorado em culpa, agarrado a uma garrafa de bebida, viu-se recebendo a notícia da morte do seu pai, que se jogara no rio próximo à sua casa enquanto a mãe jazia desacordada entre a vida e a morte no Hospital St Mungos; viu a sombra que sua mãe se tornara ao se recuperar da tentativa de suicídio e voltar para casa e viu até a coruja que trouxera a derradeira notícia sobre sua mãe, poucos meses antes... ele precisava parar aquilo, precisava...
– PARE! – ele gritou, e as lembranças cessaram. Estava novamente na frente de Voldemort, que o encarava com um sorriso malicioso nos lábios.
– Há trevas na sua mente, Severus Snape... qual a sua idade?
– Dez... dezessete... o que... o que foi isso?
– O que eu fiz com sua mente? O que faço com qualquer um que acredto que pode me seguir, Severus. Eu vasculhei suas lembranças... e encontrei tudo que preciso. Eu gosto do rancor que eu vi. E eu tenho que dizer que achei admirável o feitiço de corte e mutilação... sectumsempra? É esse o nome?
– É... eu o criei.
– Eu vi. Eu gostaria de vê-lo reproduzido aqui... nesta sala. Alguém se voluntaria para sentir um pouco de dor?
– Não é preciso – disse Severus, subindo a manga da camisa olhando para o bruxo. Sem dizer nenhuma palavra, fez a invocação não verbal e uma verga vermelha apareceu em seu braço, pingando sangue. Fora assim que ele desenvolvera o feitiço, testando-o em si mesmo. Sabia onde cortar sem dano sério. Voldemort pareceu fascinado.
– Eu posso variar a intensidade. – Disse Snape, encarando-o, como que esperando por aprovação – até mesmo decepar um dedo, ou um braço.
– Ou uma cabeça? – riu Voldemort. – Já vi o suficiente – ele fez um gesto e curou o corte no braço do rapaz. – Agora, quanto ao seu papel no episódio... eu confesso que gostaria de ver Dumbledore pisando em ovos. Mas se isso ameaçava sua permanência em Hogwarts, e não era necessariamente uma prova de lealdade a mim... e que bom que você desistiu daquela garota nascida trouxa e odeia os amantes de trouxas: está tudo aí, tudo pronto para ser usado: ódio, rancor, inteligência, talento, disciplina... bem, você está aceito.
Até este momento, a assistência acompanhava quieta e atônita. Alguns sentiam inveja, porque poucos haviam recebido aquele olhar de admiração do seu mestre. Severus o impressionara porque entre outras coisas, sua trajetória de fúria contida lembravam-lhe a sua própria trajetória. Bellatrix era uma das mais indignadas quando ergueu-se e disse:
– Mas ele vai ser aceito como um... como um igual a nós? Ele é só um garoto!
– Bella – disse Voldemort de forma quase gentil – eu sei que você queria essa reunião para tornar um Comensal da Morte o seu primo, ele sim, um garoto ainda despreparado e verde, tudo porque ele faz tudo que você pede.
Bellatrix pareceu extremamente sem graça. Regulus interviu:
– Mas mestre, eu seria fiel! Fiel como um cão!
– Seria? – disse o outro com certa ironia – Não sei se devo confiar em alguém tão jovem, tão... imaturo, mas você será recompensado por sua fidelidade, embora eu prefira colocar minha marca em jovens maiores de idade. Você, você e você – Voldemort apontou os irmãos Lestrange e Avery – e você também. – ele terminou chamando Karkaroff que se ergueu de um salto.– Eu vejo em vocês grande potencial. E se estão aqui, estão prontos para se juntarem aos meus Comensais da Morte.
Regulus não conseguia disfarçar sua decepção por não ter sido chamado de forma honrosa, mas quase que por caridade, parecia mais uma criança fazendo beicinho do que um aspirante a seguidor das trevas. Da mesma forma, Bellatrix e Abraxas Malfoy tinham uma expressão contrariada. Nenhum dos dois imaginava que a reunião fosse por aquele caminho. Voldemort teve uma pequena conversa com cada um dos jovens aspirantes, mas nenhuma pareceu perturbadora como a que tivera com Severus. Finalmente, após uma breve conversa com Regulus, que terminou com os olhos arregalados, ele se afastou e encarou o jovem grupo, começando a fazer perguntas no que parecia um ritual:
– Vocês que desejam me seguir, sabem que a partir do momento em que tiverem a minha marca indelével, serão Comensais da Morte e portanto deverão a mim fidelidade absoluta?
– Sim.
– Estão dispostos a ir mais fundo nas artes das trevas, a descobrir segredos que o resto do mundo bruxo ignora ou finge ignorar que os tornarão mais fortes e mais poderosos?
– Sim.
– Estão dispostos a compartilhar comigo seus segredos e descobertas no campo das artes das trevas, e sabem que o preço de qualquer traição ao grupo é a morte?
– Sim – havia uma sinceridade feroz naquela promessa, porque naquele momento todos os jovens aspirantes estavam absolutamente seduzidos pela promessa de descobrir todos os segredos das artes das trevas, e não havia dúvida que se havia um bruxo do mundo capaz de desvendar todos esses segredos, estavam diante dele. Como se tivessem sido instruídos para isso, vários dos comensais adultos tomaram posição ao lado dos jovens. Bellatrix postou-se ao lado de Regulus, que estava bem à sua direita e Lucius Malfoy ficou ao seu lado e puxou o braço esquerdo dele e subiu a manga de sua veste até o cotovelo, desnudando seu antebraço e virando a parte interna na direção do Lord das Trevas.
Voldemort aproximou-se dele e deu um toque com sua varinha no seu antebraço. A dor lancinante o atingiu imediatamente, antes mesmo dele perceber que um desenho aparecia, como que riscado a faca, na sua pele. A dor era muito maior que a que provocara com seu feitiço de corte. O sangue brotava do desenho, que se delineava lentamente em seu antebraço: uma caveira, com uma cobra saindo da boca. Logo o sangue pegou fogo, e a dor passou para outro estágio, mais intenso, parecendo agora também queimar e não só cortar. A marca enegreceu, fumegante, e então, começou a esmaecer. Mas a dor não passou de todo, apenas se tornou menos intensa. Lucius o encarou, parecendo impressionado:
– E você nem gritou.
Ele não respondeu, mas percebeu o que ela queria dizer. Ao lado dele, todo e cada um dos recém-nomeados Comensais da Morte gritava conforme a dor os consumia. Lucius soltou seu braço, que ele deixou pender, tentando ignorar a ardência da marca das trevas marcada nele em ferro e fogo, não só no corpo mas, ele sabia, na alma. Era uma dor não se comparava à dor de ter sua mente revirada e seus pensamentos revelados. Aquele sim, era um poder ilimitado que ele gostaria de ter. Mas procurou não pensar naquilo. Prometeu a si mesmo que aprenderia a legimência, mesmo que não chegasse ao domínio do Lord das Trevas, que agora parecia distraído demais com o fim da cerimônia de iniciação para prestar atenção em algum pensamento específico. Naquele momento, mais que nenhum em toda sua vida, Severus Snape admirou Lord Voldemort e acreditou no poder sem limite dele. E bebeu cada palavra de seu discurso final:
– A todos vocês eu empresto uma parte do meu poder a partir de agora. Sejam meus olhos e meus ouvidos, e seus inimigos serão meus inimigos. Não pronunciem jamais meu nome, mas levem meu temor a todos que ousarem repeti-lo. Sejam meus Comensais e levaremos aos trouxas e aos amantes de trouxas a dor que eles merecem.
Os Comensais mais antigos saudaram de forma fanática o Lord das Trevas e seus novos seguidores. O único que não partecia muito entusiasmado era Regulus: ele suportara a dor pior que os demais, e chorava, confortado por uma Bellatrix que olhava por cima do ombro com um ar aborrecido, olhando na direção de Severus. Todos os outros novos comensais seguravam o braço onde a marca negra fora conjurada, porque realmente ainda doía muito. Procurando mostrar força, Severus desenrolou a manga da veste e empertigou-se. Doía, mas ele podia suportar.
Com um volteio de capa e um estalo no ar, Voldemort desapareceu, levando a gigantesca cobra que o acompanhara o tempo todo junto com ele. A excitação que ficara contida durante toda cerimônia de iniciação explodiu entre os presentes, o episódio constrangedor entre Severus e Abraxas Malfoy agora parecendo totalmente esquecido. Por algum motivo, ele não conseguiu compartilhar daquela excitação, evitando os outros e procurando um banheiro. A dor no braço o incomodava e sua cabeça parecia a ponto de explodir.
Ele entrou no banheiro e jogou uma quantidade generosa de água fria no rosto. Não aliviou a dor de cabeça ou o ardor contínuo no braço, mas deu uma certa sensação de conforto, desviando seu pensamento da torturante sensação de ter tido a mente vasculhada. Levantou o rosto da pia e ao ve-lo refletido no espelho levou um susto. Bem atrás dele viu Bellatrix, que o olhava com interesse. Não sabia como ela o seguira e muito menos como entrara atrás dele no banheiro sem que ele notasse. Virou-se sem esconder a expressão de desagrado.
– O que você quer?
– Saber como um garoto que ainda nem recebeu os NiEMs pôde impressionar tanto o Lord das Trevas.
– Pergunte para o mestre, também não entedo o que tenho de especial... – disse, e o comentário pareceu mais debochado que sincero.
Ela sorriu e tornou ao modo de falar sussurrante que Severus já havia visto uma vez:
– Eu fiquei impressionada, porque o mestre não se interessa por qualquer aspirante... sabe, podemos conseguir muita coisa juntos, Severus... – ela ia aproximando seu rosto do dele, no que pretendia ser uma tentativa de sedução.
– Bellatrix...
– Pode me chamar de Bella...
– Engraçado, ontem mesmo você me disse que não me dava essa intimidade. – não podia negar: ela era bonita e sedutora, mas com a cabeça e o braço ainda doendo, seus encantos nao pareciam fazer muito efeito sobre ele.
– Eu reconsiderei... estou procurando alguém como você, sabe?
Conforme ela aproximava mais o rosto do dele, Severus percebeu que ela só notara sua presença porque ele impressionara o mestre. Não era um interesse real, por mais que ela fosse muito bonita e insinuante. Severus tinha plena consciência de sua falta de jeito com mulheres, mas não queria definitivamente ser dominado por uma, ainda mais porque percebeu que aquela era uma tentativa de Bella de entrar nos seus pensamentos: ela não era uma legimente tão habilidosa quanto o Lord das Trevas e ele podia sentir a presença do seu pensamento ligeiramente doentio tentando abrir caminho atrávés de sua mente. Sem muita delicadeza, empurrou-a e procurou se desvencilhar dela.
– O que você pensa... – ela bufou.
– Sabe, Bella, quando alguém lê seu pensamento é fácil perceber se outra pessoa tenta fazer o mesmo logo depois, ainda mais se faz isso sem muito tato.
Ela fechou a cara para ele e disse:
– Já vi que não adianta tentar te seduzir. Mas use pelo menos a razão: imagine o que poderíamos fazer juntos...
– Eu já sei o que eu posso fazer sozinho, Bella... e eu sei que não faço seu tipo: sou mestiço. Procure um bruxo de sangue puro que tope seu joguinho de dominação.
Ele abriu a porta do banheiro, deixando a garota furiosa atrás de si. Não sabia, mas estava ganhando uma eterna opositora entre seus novos companheiros. Dali em diante, Bellatrix jamais confiaria nele e sempre iria se opor a toda e qualquer sugestão ou idéia que ele desse diante dos demais Comensais: ela jamais confessaria que um dia havia sido rejeitada por ele e ele, por sua vez, jamais diria que havia chegado a um passo de envolver-se com ela.
Logo chegou à sala da mansão e viu que a reunião se tornara, sem a presença do mestre, uma descontraída festinha, com elfos domésticos circulando com bandejas lotadas de comida e bebida. Sem se despedir, foi direto na direção da porta, num comportamento que ele repetiria para o resto da vida em todo grupo que tomasse parte, tanto entre os Comensais, como, mais tarde, na Ordem da Fênix e entre os professores, em Hogwarts: só o interessariam as decisões e objetivos da reunião. Ele não era e jamais seria sociável: naquele dia consolidou o ser solitário que seria pelo resto de sua vida, mas sem saber disso e querendo apenas se ver fora dali, abriu a porta e saiu para o dia claro que fazia no povoado.

**

Não muito longe dali, no Três Vassouras, Remus, Peter e Lilly olhavam atônitos para James, que acabara de contar, nos mínimos detalhes, sua história nos últimos sete dias. Ele corou irremediavelmente quando confessou que fora o responsável pelos bombons com amortentia e tentou conter a raiva ao relatar seu encontro com Regulus e Snape. No final da narrativa parecia exausto, mas indiscutivelmente aliviado. Foi Remus quem falou primeiro, após um longo silêncio:
– Então...  foi por isso que você se afastou?  Pra salvar a minha pele?
– É claro. Não acho que Snape seria louco de delatá-lo, mas eu fui idiota suficiente para por em risco seu segredo, tão idiota quanto ele havia sido ao tentar ir atrás de você e nunca se sabe: aquele Ranhoso nos detesta...
– Eu nunca imaginei que Severus fosse capaz de fazer uma chantagem dessas... ele era meu amigo, foi meu melhor amigo tanto tempo...
– Ele já te chamou de Sangue-Ruim – disse Sirius. – Se ele diz isso para a melhor amiga, o que ele não faz com o pior inimigo?
– Eu fico nervoso só de pensar que os Comensais da Morte querem intervir até em Hogwarts – completou Peter. – sempre achei que estívéssemos seguros.
– Seguros... – debochou Sirius – não duvido nada que eles estejam usando imbecis como meu irmão para espionar Dumbledore e Hogwarts. A coisa vai ficar bem feia daqui para frente, é bom se preparar para a briga.
– E aquela turma que a gente conhece e é chegada em artes das trevas não vai deixar de seguir essa modinha – completou Remus.
– Eu não acredito que Severus quer ser um deles... – disse Lilly. Ela olhou em volta e encarou seus novos amigos. – ainda bem que agora tenho vocês.
– E com a gente você pode contar sempre. – disse Sirius, num tom sério completamente diferente do usual. – agora que está todo mundo feliz, podíamos dar uma volta...
– Volta? – perguntou Peter.
–  A gente não precisa ficar grudado, não acha? – respondeu Remus com um gesto impaciente – sei lá, podia ir dois para um lado, três para o outro...
Lilly riu e ficou da mesma cor que seus cabelos; James também pareceu sem graça mas disse:
– Se vocês quiserem ficar aqui, tudo bem. Mas eu vou levar Lilly para um passeio.
– Ah... – Peter pareceu finalmente entender e levou um tabefe ao pé da orelha, aplicado por Sirius.
– Demorou, hein?

Estava um dia claro e fresco de primavera. James nao sabia se andava ao lado de Lilly, se tentava estender-lhe a mão, se a puxava para junto de si, andando abraçado... na dúvida pôs as mãos nos bolsos e indicou um caminho que subia rumo ao lado menos povoado da aldeia, onde ficava a casa dos gritos. Nao deram nem três passos e ele despenteou o próprio cabelo, fazendo Lilly rir.
– Sempre achei isso irritante...
– Eu sei. – Ele deu de ombros e tornou a por as mãos nos bolsos– acho que eu sou irritante.
– Definitivamente!
Ele riu:
– É horrível quando você concorda com a minha auto-depreciação.
Ela deu uma gargalhada. Haviam passado pela casa dos gritos e estavam já nos limites da aldeia, de onde se via o Lago de Hogwarts, montanhas e muitos campos ao longe. Era uma linda paisagem. Lilly parou e ele também, e não disseram nada por algum tempo. De repente ele virou-se e disse, olhando o rosto dela:
– A melhor coisa disso tudo foi saber que você não queria que eu sumisse.
Ela sorriu e sem aviso nenhum, pulou no pescoço dele. James quase perdeu o equilíbrio, mas retribuiu o beijo imediatamente. Ficaram nesse beijo desajeitado um tempo, até que se aprumaram e pararam um instante, olhos nos olhos.
– Sabe o que vão dizer disso, não sabe? – ela perguntou, rindo.
– Sim. Vão dizer que você fez charminho mas acabou cedendo...
– Não. Vão dizer que finalmente você acertou para qual garota para entregar o bombom com poção de amor!
– Isso é um tremendo golpe baixo, Evans...
– Você não merece que eu jogue limpo, Potter. – ela riu.
– James. Pode me chamar de James, por favor.
– Ok. – ela aproximou o rosto do dele e disse: – agora que estamos íntimos, pode me chamar de Lilly. Se puder me pegar!
Ela desceu correndo a ladeira, deixando-o por um segundo para trás, atônito. Ele gritou:
– Isso não vale! – e saiu correndo atrás dela, rindo muito.
Repentinamente ela parou e ele a alcançou, rindo. E parou de rir logo em seguida. Haviam topado de cara com Severus Snape, que vinha descendo uma ladeira transversal e acabara de virar a esquina na rua onde corriam. Ele estava pálido e seu cabelo parecia suado, como alguém que convalescia de uma febre. Segurava o braço esquerdo crispado com a mão direita e tinha um olhar duro e frio. Ninguém disse nada, mas James aproximou-se de Lilly, pondo a mão no seu ombro. Snape olhou para a mão do rapaz, depois para Lilly e, sem dizer nada, desceu na direção do centro do povoado.
– Você vai sentir falta dele, Lillian? – perguntou James, sentindo-se um pouco inseguro.
– Sim. Ele foi um bom amigo. – Ela o encarou e viu a pontinha de ciúme que ele deixava transparecer – mas na hora de escolher entre minha amizade e as artes das trevas, veja o que ele escolheu...
– Ele não parece nada bem, deve ter machucado o braço. – ele procurou desconversar, mas tornou ao assunto: – e se ele tivesse, sei lá, não escolhido as artes das trevas e... – Lilly riu.
– James Potter, seu bobão. O problema do Severus comigo foi mais nunca ter gostado dele de outra forma além da amizade. Descobri que estou a fim de um cara que gosta de aparecer, é meio irritante e às vezes até mesmo arrogante, mas que não deixa ninguém ficar chateado na sua presença. Quando esse cara sumiu que eu vi como ele fazia falta!
– Nossa, que cara de sorte! – Ele disse e a puxou, para um novo beijo.


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Notas finais do capítulo

Se você é do tipo "Lily não ficou com Snape por mero acaso", por favor me perdoe. Minha concepção é que ela nunca esteve nem remotamente perto de se apaixonar por ele, por motivos muito claros na minha cabeça:
1. O jeito baixo-astral do Snape francamente não combina com a energia da moça descrita como feliz e bem humorada. Nesse caso, os opostos não se atraem, definitivamente.
2. Já ouviu falar em "friendzone"? É um termo para designar aquele tipo de relacionamento que nunca consegue evoluir para relacionamento amoroso porque - normalmente a mulher - não olha para o outro como alguém sexualmente desejável, seja por qual motivo for.
3. Detesto amor platônico. Na minha opinião Snape tinha que desencanar da Lily, largar esse osso... mas ai não haveria livro, certo? Então, entende-se da seguine forma: independente da opinião de qualquer um sobre esse triangulo, ele tinha que acabar como acabou para que pudéssemos ter uma história.



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