Crônicas da meia noite. escrita por JeeffLemos


Capítulo 7
A tormenta


Notas iniciais do capítulo

O mar sempre foi um mistério para a humanidade, e quando nos lançamos a ele, nosso destino é imprevisível. Tudo pode acontecer.



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O tempo bom que perdurava durante dias se foi inesperadamente, e o que vinha em seguida era algo indesejável.

   Naquela hora, o mar estava furioso.

   As ondas batiam no casco do navio e espirravam água salgada por todas as direções.  As águas revoltas e a tempestade que estava a caminho tornavam aquela uma cena apavorante e amedrontadora.

   Os homens corriam por todo o convés, de um lado para o outro. Ajustando cordames, recolhendo as velas e se segurando na amurada de madeira do velho “Holandês Voador”, enquanto o mar revolto e as chuvas tempestuosas massacravam o navio com pancadas cada vez mais ferozes.

  O navio era um velho galeão, suas tábuas de madeira leves já estavam gastas pelo uso excessivo e de longo prazo. Suas velas remendadas cumpriam com muita dificuldade sua função. Seus grandes números de cordames já estavam puídos e em sua grande maioria, já também haviam sido remendados diversas vezes. Porém o velho galeão ainda navegava e transportava suas mercadorias de forma eficiente.

   Seu capitão era um homem alto, do tipo enorme, com um rosto duro e queimado de sol, ombros curvados e uma perna atrofiada. Mas ele era rígido com seus marujos. Sua reputação como capitão era famosa e ele era muito respeitado em todos os portos em que atracava e em sua velha Amsterdã.

   Sua tripulação era composta por homens honestos. Trabalhadores que tinham mulheres e filhos, e viviam uma vida digna e aventurosa pelos sete mares. Porém, por melhor e mais instruída e experiente que fosse sua tripulação, nada era capaz de prever o que estava por vir naquele fatídico dia.

   O mar estava revolto e a tormenta só aumentava cada vez mais. Naquele dia, o navio fazia um transporte de uma carga valiosa. Ouro. E seu destino era o continente americano. Eles viajavam pelo melhor caminho, uma rota que era muito utilizada para aproveitar os ventos provenientes da Corrente do Golfo. O local era conhecido por seu clima instável e por fortes tempestades e ondas gigantescas. Mas naquele dia, tudo estava muito pior.

   

   Os homens buscavam abrigo e corriam de um lado para o outro enquanto as ondas cada vez maiores projetavam o barco a metros de altura, e o largavam fazendo com que cada centímetro rangesse com o choque brutal. Naquela fúria de ventos e água, as primeiras peças do navio a se desfazer foram os mastros dianteiros. Eles caíram com força no convés e um dos marinheiros que amarrava as velas tentou fugir e foi esmagado. O som de ossos se quebrando e madeira rachando não foram o suficiente para chamar a atenção dos outros marujos que buscavam salvar suas próprias vidas. Enquanto isso, o chão do convés ia tomando uma tonalidade escarlate, varrida por jatos de água de tempo em tempo. O mastro quebrado rolou quando o navio balançou violentamente e expôs o corpo esmagado do marinheiro que prendia as velas. A força da água era tamanha, que seus restos foram jogados de um lado para o outro por sobre o convés até que uma onda imensa cruzou por cima do navio e quando ele submergiu, já não havia mais nada por lá.

   De cima do castelo da proa, o capitão se segurava e gritava ordens para seus homens, que assustados e apavorados, tentavam acatar. Novamente, uma onda gigantesca se aproximou do navio e o engoliu, deixando ao ver apenas os mastros traseiros e quando ele submergiu novamente, o número de homens dentro do navio havia diminuído e um grande número de silhuetas, apavoradas e minúsculas, eram vistas dentro do mar revolto. Mas somente até a próxima onda, quando o mar os tragava para seus confins e eles simplesmente se afogavam. 

   O capitão se via e uma situação aterrorizante e temia por seus homens e sua carga, quando de repente, se ouviu um estrondo!

   

   As ondas a distância começaram a tomar uma forma e um enorme jato de água foi lançado para cima. Raios cruzavam os céus e riscavam de um branco fantasmagórico aquela coisa que havia saído de dentro das águas. E a coisa que se mostrava gigantesca, foi crescendo cada vez mais. Dentro do navio, os homens pararam e observaram, se segurando no que podiam, aquele terror de um coloração verde musgo e corpo alongado, se erguendo dos mares e trazendo junto com si o pânico, o medo e a certeza de morte, que era acentuada pela fileira infinita de dentes que eram possíveis ser vistos de dentro de sua enorme boca.

   A serpente marinha gigantesca soltou um rugido mais alto que os trovões da tormenta, e se locomoveu em direção ao navio.

   De dentro do navio, os homens corriam e buscavam arpões e o que fosse possível ser usado como arma. Eles iriam morrer, mas morreriam lutando, seria um ultimo suspiro forçado, onde cada segundo foi gasto em prol da salvação de suas vidas.

   O capitão desceu do castelo de proa e se juntou a seus homens dando ordens e pegando ele também um arpão. Certamente antes não haveria o suficiente para todos, mas com os homens que haviam se perdido no mar, havia arpões até demais.

   Enquanto alguns poucos homens ficavam lá em cima, outros desceram para onde ficavam os canhões da embarcação. Menos da metade dos canhões estavam ocupados, pois não havia homens o suficiente. Eles se preparam e esperaram enquanto a tormenta os balançava de um lado para o outro e suas munições vadeavam por toda extensão da parte baixa do navio causando estragos a cada pancada que davam. O ouro que estava armazenado em caixas reforçadas, que já haviam se quebrado com a força do impacto, estava espalhado por todo o navio. Com bolas de canhão e barras de ouro balançando junto com as ondas, o som que eles criavam era como um badalar mortal e angustiante. Os homens só podiam ouvir aquilo e aguardar, e enquanto aguardavam ansiosamente eles rezavam. A fé era a única coisa que os mantinha ali, esperando pela morte certa.

   A serpente marinha veio deslizando graciosamente por entre rajadas de ventos e luzes de relâmpagos criando ondulações por onde passava , causando um pânico maior e fazendo com que os marinheiros perdessem todas as suas forças. Suas tripas se soltavam e o cheiro no lugar só não era pior por conta das ondas que lavavam o convés de tempo em tempo.

    Ela se aproximou a uma distância de disparo, e então os canhões começaram a fazer o seu trabalho. Com dificuldade em acender a pólvora, os homens demoraram a lançar seus projéteis. Depois de inúmeras tentativas, os pavios foram acessos e o estrondo preencheu todo o navio. Eles atiravam desordenadamente e sem muita noção de mira. Metade dos projéteis lançados errou o alvo e a outra metade não surtiu muito efeito. Em cima, no convés, o medo era tanto, que a maioria dos arpões foram disparados precipitadamente e não foram capazes de atingir o alvo. Somente o capitão esperou o momento certo e conseguiu atingir a parte inferior da cabeça da serpente. Só que na correria e no desespero em que se encontravam o capitão só percebeu a corda amarrada ao arpão quando disparou. Assim que o projétil penetrou na pele da serpente, ela se movimentou e com uma força imensurável, o capitão agarrado ao seu lançador, foi arremessado ao mar e quando se deu por conta já era tarde demais. Caiu na água e logo em seguida a onda fez com que desaparecesse.

   Na parte de baixo, os homens com os canhões já não conseguiam mais fazer disparos, e enquanto isso, a monstruosa serpente que vinha em direção ao barco ia se aproximando, e ao se aproximar do barco, ela simplesmente seguiu seu caminho. 

   No convés os homens observavam boquiabertos enquanto aquele monstro imenso passava por cima do navio fazendo uma curva perfeita e mortal, que só mostrou sua conseqüência quando a cabeça do monstro mergulhou no mar revolto. Ao descer a parte frontal de seu corpo, o restante veio logo em seguida, fazendo a ondulação, e quando desceu, acertou em cheio o navio. Nesse momento os homens já haviam recuperado seu senso de direção e começaram a correr desesperadamente, em direção a lugar nenhum. Alguns mais amedrontados se jogaram no mar e foram levados pelas ondas, outros foram esmagados juntos com praticamente metade do navio. Os que correram a tempo para parte baixa, e os que já estavam por lá, conseguiram se salvar. Os que ficaram no convés foram mortos ou esmagados, ou afogados. 

   Após toda a extensão da serpente cruzar por sobre e em cima do navio, ela seguiu seu caminho e a tempestade perdurou por horas a fio. O barco se viu a deriva e parecia um brinquedo, que o mar utilizava jogando de um lado para o outro. Os tripulantes que restaram não tinham outra opção a não ser tentar sobreviver, e foi o que eles fizeram. Após muito tempo de ondas gigantescas e fortes tempestades a calmaria veio. Já era alvorada quando o terror passou. Os homens esperaram até o amanhecer completo e então, saíram para o que restava do convés do navio. O tempo estava limpo e se nenhuma nuvem, para todos os cantos que se olhava, via apenas a imensidão de um céu azul e límpido. Eles ficaram a deriva durante muito tempo, e enquanto o dia passava, nada era visto. 

   O dia passava, mas o sol continuava no mesmo lugar.

   Desde o momento em que eles saíram de dentro do navio, até aquele momento horas depois, o sol continuava exatamente no mesmo lugar. Mas depois de sobreviver a uma serpente marinha e a uma furiosa tempestade, isso era algo estranho, mas nada com o que se preocupar. O que importava de verdade era ver terra. Sair de dentro daquele resto de navio, voltar pra casa e nunca mais fazer aquilo outra vez. Era esse tipo de pensamento que os acometia quando de repente um ponto desconhecido surgiu no horizonte. Mesmo desidratados e famintos seu fogo da vida foi renovado, e eles rezavam para que aquilo fosse um galeão de mercadorias ou até mesmo um navio da esquadra que estivesse patrulhando a área.

   Tudo menos piratas.

   A forma estranha veio se aproximando aos poucos e não se parecia em nada com um navio, não tinha nenhum mastro ou vela visível, e eles começaram a temer nesse momento. 

   Enquanto aquela coisa estranha ia se aproximando a tensão entre eles aumentava, afinal de contas, não havia para onde correr, e nadar não era uma opção. 

   O navio que se aproximou deles era o mais estranho que eles já haviam visto.

   Nunca haviam visto nada igual.

   Ele não tinha velas, era enorme, tinha uma frente projetada da forma mais aerodinâmica possível e era todo feito de metal. Vinha transportando em um enorme convés, milhares de baús enormes de ferro.  Em sua proa vinha escrito “GÊNESIS”. Ao se aproximar do navio, eles viram que o navio também estava em situação precária. Não avistaram ninguém em lugar algum. Ao lado do navio, havia uma escada de cordas pendurada. Eles se jogaram no mar, e nadaram até a escada, um a um foram subindo, abandonando o “Holandês Voador” a deriva, e adentrando ao “GÊNESIS”.

   

   Em 1999, um navio cargueiro transportando 465 toneladas de suprimentos como tanques de água, tábua, concreto e tijolos, informou um problema em uma de suas bombas e alguns segundos depois, o contato foi perdido e nunca mais o navio foi encontrado.

   Em sua proa havia escrito a palavra “Gênesis”, e o último contato feito com o navio, foi no momento em que ele passava por um ponto localizado no Oceano Atlântico, que passa entre a Flórida, Porto Rico e Bermudas. Esse local é conhecido por um grande número de desaparecimentos e afundamentos. Popularmente ele é conhecido com Triângulo das Bermudas, mas alguns também o chamam de “O Triângulo do Diabo”.


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