Crônicas da meia noite. escrita por JeeffLemos


Capítulo 12




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   Ele só se lembrava do brilho dos faróis vindo em sua direção, e depois disso, foi tudo confusão.

   Ele vinha percorrendo a rodovia a 80 km/h quando um caminhão, vindo em sentido contrário, perdeu a direção e se chocou bruscamente contra seu carro. Ele conseguiu jogar a direção levemente para a direita, em uma tentativa desesperada de escapar, mas foi lento demais e foi atingido na lateral. O carro capotou umas sete vezes antes de parar em uma vala que corria paralela à rodovia. Ele foi lançado para fora na segunda capotada, e caiu bruscamente na pequena área gramada que separava a rodovia da pequena vala. 

   Caído no chão, ele ficou flutuando entre o mundo real e a escuridão. Os carros que passavam pela rodovia, foram parando aos poucos e as pessoas iam saindo e correndo em sua direção, caído no chão, e parcialmente inconsciente.

   Ele já não sentia seu corpo, e ao longe, conseguia distinguir o brilho dos faróis dos carros apenas pelos borrões de luz que deixavam ao passar. Uma multidão se aglomerava à sua volta. As pessoas pegavam seus telefones celulares e pediam ajuda, desesperadas. Ele via rostos o cercando e não conseguia identificar nenhum, já estava entorpecido. Fechando os olhos durante alguns segundos e na escuridão que se seguiu, ele viu imagens se formando e percebeu que as imagens, eram cenas de sua vida.

   O momento em que teve seu aniversário de quatro anos, enquanto sua mãe tentava tirar uma foto e ele enfiava a mão no bolo, acarretando risadas de todos à sua volta. Lembrou-se do seu primeiro beijo, quando tinha apenas nove anos de idade, e não tinha noção nenhuma do que estava fazendo. Sua prima que foi a escolhida. Lembrou-se do dia em que se formou no colégio, todos haviam ido prestigiar sua formatura, porém naquele dia, à noite, seu pai teve um infarto fulminante, e o deixou sozinho para tomar conta de sua mãe e suas duas irmãs. Lembrou-se de quando conheceu sua esposa, e de como fez papel de idiota na frente dela, desajeitado e tímido, falando coisas sem sentido. Lembrou-se do dia em que conseguiu comprar sua casa, logo após de ser promovido à gerente administrativo da empresa onde trabalhava. Lembrou-se do dia em que suas filhas nasceram, e isso fez com que pensasse na sua família.

   Sua mulher o esperava em casa junto com suas filhas. E isso pesou seu coração de tal forma, que por dentro, revivendo sua vida e pensando nas coisas que estava deixando para trás, ele chorava, e a sensação da morte o cercando se tornava cada vez mais angustiante. Ao abrir os olhos, o mundo já parecia algo surreal. Já não conseguia identificar as pessoas à sua volta e via tudo muito embaçado. A respiração era um simples resquício, até que não sentiu mais o ar entrar em seus pulmões. O mundo todo parou à sua volta, e tudo que ele conseguia ver, era uma luz ofuscantemente brilhante, vindo em sua direção. No começo parecia um carro, mas quando foi se aproximando, ele percebeu que se assemelhava à uma silhueta humana.

   O homem que emitia uma aura brilhante se aproximou dele lentamente por entre a multidão, que não estranhamente não o percebia, e parando à sua frente, lhe estendeu a mão. Em resposta, ele a segurou, e sentiu uma sensação de alívio quando foi puxado para cima e ficou de pé. Atrás dele, seu corpo jazia estirado no chão, sem vida, e com um talho na lateral esquerda que ia da cintura até axila, e jorrava um sangue escuro e grosso, que umedecia a grama em volta de seu corpo. Ele olhou para o homem que estava à sua frente, e com uma sensação de resignação e tristeza, só pode pensar em uma pergunta. E a fez.

– Eu morri?

– Sim, você morreu. – respondeu o homem, olhando diretamente em seus olhos, e sem nada de hesitação em suas palavras.

– Quem é você então? – perguntou ele.

– No que você acredita?

– Eu sou cristão – disse ele, se virando e olhando seu corpo no chão novamente – pelo menos eu costumava ser...

– Então, posso dizer que sou um anjo – respondeu o homem.

– Então isso quer dizer que Deus realmente existe? – perguntou ele, um tanto quanto feliz, pois havia sido um servo fiel e havia cumprido com seus deveres para com a igreja. E se realmente ele estivesse morto, tinha uma grande chance de alcançar o paraíso.

– Deus sempre existiu – disse o anjo – mas sua fé molda a forma como você o vê. – enquanto o anjo terminava de falar, a luz que o cercava foi se transmutando como em um holograma, e de repente, tomou a forma de alvas asas gigantescas.

– Como assim? – perguntou ele, fascinado com o que acabara de ver.

– Você vê muitas religiões que existem pelo mundo – disse o anjo – mas todas tem uma coisa em comum. Existe um Deus supremo por trás de todas as coisas. Ele inexplicável e imensurável. A única coisa que diferencia a forma como você o vê das outras pessoas, é a sua fé.

– Mas existe um paraíso de verdade? – perguntou ele.

– Tudo depende da sua fé – disse o anjo – basta você acreditar.

– Eu quero estar no paraíso. Viver uma vida plena ao lado do meu senhor Jesus e ser abençoado por toda a eternidade. Mas eu não posso partir agora. – argumentou ele – Tenho uma família em casa. O que será da vida das minhas filhas agora, sem mim? Sem o pai delas! – nesse momento, ele não conseguiu conter as lágrimas, e elas verteram e se derramaram pela sua face.

   Ele chorava por sua vida, os sonhos que não havia realizado, por coisas de que havia se arrependido. Chorava por não poder mais estar ao lado de sua família, e por não poder ver suas filhas crescendo. Chorava por não poder envelhecer, e também chorava de alegria. Apesar de tudo que estava acontecendo, existia um Deus, e mais cedo ou mais tarde, ele reencontraria sua família no paraíso do Senhor.

   Mas ainda sim, apesar de tudo, ele chorava.

– Essa é a ordem natural das coisas. – respondeu o anjo, com uma calma que provavelmente só é atribuída aos seres divinos – Uma vida vai e outra vem. Sempre foi assim, e assim será até o fim dos tempos. Não se preocupe com a sua família. Agora, você viverá no eterno paraíso. Você teve o seu tempo aqui, agora deixe que eles decidam o que fazer com o deles. Você é o responsável pelo o seu destino, e apenas isso.

– Mas eu... – engasgou ele – mas eu... – Não conseguiu formar uma palavra, pois os soluços de seu choro e a surpresa do que havia acontecido, estavam tornando tudo mais difícil.

– É muito difícil passar por isso. – disse o anjo – Mas você precisa aceitar, pois é algo que não tem volta. Eu sei que é duro deixar tudo para trás, mas precisamos nos apressar. O tempo não para, e a situação no Egito está uma loucura. Estou fazendo hora extra ultimamente! – completou ele, em um tom não tão calmo quanto aparentava um momento antes.

   O anjo lhe estendeu à mão e enquanto ele o olhava, por um instante, o anjo se modificou. Ele viu o anjo passar de um homem alto, brilhante e com grandes asas, para uma mulher, trajada em cota de malha e armadura, com cabelos dourados e com um espírito de uma guerreira. Logo após, passou de uma mulher para um homem, alto e bronzeado dessa vez, trajava um saia no estilo egípcio e no lugar de sua cabeça, havia uma cabeça de chacal. Ele viu o homem se transmutar em diversas formas na sua frente, várias e várias vezes. Esfregou os olhos durante alguns segundos para limpar as lágrimas e se deparou novamente com o anjo a sua frente, com a mão estendida, esperando que ele a segurasse.

   As pessoas a sua volta não perceberam que ele havia parado de respirar, e estavam angustiadas esperando a ajuda médica. Naquele momento, os céus desabaram e a chuva desceu forte e determinada. Determinada a lavar o sangue que se formava em volta dele, determinada a lavar suas angústias e seus pecados e determinado a purificar seu corpo e sua alma. Assim como ele, os céus também choravam.

  Enquanto ele subia com o anjo, com sua visão embaçada e com a chuva tornando-a ainda pior, ele pode ver as ambulâncias chegando ao local. As pessoas se afastaram e abriram espaço para que os paramédicos chegassem ali. Mas já era tarde demais.

   Em casa, uma mulher e suas duas filhas estavam sentadas no sofá assistindo um filme na televisão. Uma de suas filhas olhou pela janela e viu o tempo fechando e as nuvens carregadas se aproximando.

– Ih mamãe, parece que vai chover. – disse ela, apontando para a escuridão de nuvens que se formava ao longe.

– Verdade filha ­– respondeu ela – espero que seu pai chegue cedo em casa.

   Enquanto ela olhava para o horizonte um raio desceu a terra e logo depois pareceu subir. A chuva estava vinda com força e determinação, disposta a lavar a tristeza que estava prestes a se abater sobre aquela família.


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