Crônicas da meia noite. escrita por JeeffLemos


Capítulo 10
Medo do Escuro




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   Eu acho que todo mundo tem medo de alguma coisa.

   Na minha infância o que me assustava não eram alienígenas, vampiros ou lobisomens, (que estavam em alta naquela época, e eram o pavor da garotada) e sim, os monstros que moravam embaixo da minha cama e dentro do meu guarda-roupa.

   Minha infância não foi das piores, veja bem. Durante o dia eu ia pra escola e tocava o terror no lugar. As professoras não me agüentavam e a diretoria era meu ponto de parada semanal. Em casa não era nada diferente. Chegava da escola era almoçar, trocar de roupa e brincar, que era o que eu fazia de melhor, aliás, que é o que toda criança faz de melhor.

   Meus primos sempre moraram relativamente perto de mim, então eu sempre tive companhia. Eu cresci em um lugarzinho rural, onde minha casa ficava em uma fazenda e nessa fazenda tinha um pequeno lago perto do galpão abandonado, e pastos verdejantes até perder de vista. Árvores também não faltavam por lá.

   De todos eu era o mais destemido, sempre me arriscando a fazer tudo. Subir na árvore o mais alto, roubar frutas da fazenda vizinha, entrar no lago até a cintura e zombar dos meus primos que ficavam do lado fora. Certa vez, minha mãe me pegou lá dentro e me disse que saísse de lá imediatamente. Eu voltaria a fazer de novo, mas obedeci. Ela me disse que ninguém entrava naquele lago, porque tinha jacarés por lá. Pensei novamente, e decidi que talvez não fosse uma ideia tão boa assim entrar lá de novo.

   Quando somos crianças acreditamos em tudo que nos falam. Pelo menos na minha época era assim. Depois do flagra do lago e do que minha mãe me falou, eu nunca mais cheguei perto de lá, e se meus primos já não chegavam antes, depois disso, eles nem passavam perto. Enfim, eu era o mais corajoso de todos e nada me colocava medo.

   Pelo menos até que a noite caísse.

  

   Durante o dia, eu era o maior desbravador de todos, conhecia cada cantinho daquele lugar e não tinha medo nem mesmo do galpão abandonado. Minha mãe me disse uma vez que aquele lugar era onde ficavam os escravos na época em que meus ancestrais moravam ali, e que depois que escravidão foi abolida, o lugar foi fechado, mas muita gente tinha morrido ali, e esses espíritos revoltos, assombravam o lugar durante a noite. Eu, corajoso do jeito que era, vivia aprontando para aquelas bandas. Entrava no galpão e ficava por horas a fio remexendo nas coisas que encontrava por lá, e nenhum fantasma havia vindo me assombrar. Ou não existia fantasma algum, ou eu era intocável, e durante o dia e tudo o que eu fazia naquela fazenda, eu pensava que a segunda opção era a certa. Crianças acham que o mundo gira ao seu redor e que tudo está ligado a elas, e se os fantasmas que minha mãe havia mencionado, não mexiam comigo, era pelo fato de eu ser o maioral do pedaço, e não de eles não existirem.

   De dia era assim, mas no meu quarto, à noite, era completamente diferente.


   Na minha época, eles tinham lançado um filme chamado “O Monstro do Armário”, e aquilo era um tipo de terror medonho naqueles tempos. Certo dia meu pai havia arrumado esse filme para nós vermos e eu tive a maior infelicidade da minha vida. Depois daquele dia, meu armário nunca mais foi o mesmo.

   Na hora de dormir, toda a coragem que eu exalava durante o dia, se esvaia e só sobrava o pavor do meu pequeno armário que ficava do outro lado da parede. Minha mãe costumava deixar a porta entre aberta à noite e uma fresta de luz era a única coisa que iluminava meu quarto. Todas as noites era a mesma coisa. Eu tinha dez minutinhos pra me preparar, era um ritual, antes que o terror começasse.

  Eu me cobria até a cabeça e esperava, respirava profundamente e cada vez mais inquieto.

   E então, vinham os barulhos.


   Eles começavam quase inaudíveis, e depois iam aumentando gradativamente. Eu ouvia algo arranhando lá dentro do meu armário, pedindo para sair. Soltava uns sons agonizantes e vez ou outra, eu também sentia como se estivesse embaixo da minha cama. Ouvia o barulho de uma coisa grossa e escamosa se arrastando no chão de madeira do quarto, e sibilando como se fosse uma cobra. Não me arriscava um minuto sequer, a abaixar minha coberta e tentar ver o que perambulava pelo chão de madeira meu quarto. Essa coisa fazia barulho durante uns vinte minutos, depois, os sons diminuíam as batidas cessavam lentamente até parar, e tudo voltava a quietude sonífera de momentos antes de vir o sono.  Mas o pavor em mim estava instalado e minhas noites eram mal dormidas. Logo assim que vi o filme, não me lembro de ter tido uma boa noite de sono, e isso durou por um bom tempo, e me lembro de que era uma sensação agonizante. Eu sempre acordava no meio da noite e qualquer pio de coruja fazia meu coração quase saltar pela boca. Houve uma vez, em que eu fiquei com vontade de ir ao banheiro durante a noite, naquele dia eu havia bebido suco demais e não consegui segurar. Eu não ouvia barulho algum, me descobri lentamente sem tirar os olhos do armário, e nada se mexia. Levantei da cama e fiz a besteira de olhar para baixo. A luz da lua que entrava pela minha janela, já que meu quarto ficava no segundo andar e virado para entrada da casa, clareava todo o meu quarto, com uma luz branca e fantasmagórica, era medonho sair da cama somente com aquela iluminação. Naquela noite em especial, quando olhei para o chão, vi algo parecido com uma mão, cheia de garras que deslizava por baixo da minha cama e vinha em minha direção. Eu me joguei em cima da cama de novo, apavorado, e naquele momento eu já não consegui prender minha bexiga. Mijei na cama e ali mesmo fiquei. Fiquei a noite toda acordado, coberto até a cabeça com um lençol fedendo a urina e eu fedendo a medo. Quando amanheceu, minha mãe me encontrou acordado em cima da cama, olhando envergonhadamente para o lençol e com olheiras que me faziam parecer um panda, só que fedendo a urina. Levei uma bronca daquelas naquele dia. Contei para minha mãe o que tinha acontecido e só pra variar, ela não acreditou. Naquela época, eu não sabia qual era o problema dos adultos em acreditar nas histórias que as crianças contavam, e na época eu achei aquilo ridículo. Fiquei vivendo essas noites difíceis durante um tempo até o dia em que, não sei como, meus primos ficaram sabendo que eu havia molhado a cama por medo de monstros que estavam no meu armário e debaixo da minha cama. A partir daquele momento, eu perdi toda minha hegemonia no grupo. E minha vergonha foi tanta que me fez tomar vergonha na cara.

   Nos primeiros dias foi difícil aceitar que não havia nada que pudesse me “pegar” dentro daquele quarto. Demorei uma semana pra poder tomar coragem e olhar embaixo da cama e ver que não tinha nada lá além das minhas bugigangas e brinquedos velhos. Dois dias depois, eu tomei mais coragem ainda e me levantei no meio da noite e caminhei até o meu armário. Abri lentamente e me deparei com um monte de camisas bermudas e cuecas dobradas meticulosamente pela minha mãe, que era uma dona de casa exemplar.

   Confesso que depois desses dias, eu ainda cheguei a ouvir alguns barulhos durante a noite, mas já não estava ligando tanto, então depois de um tempo cessou completamente.

   Quando somos jovens e o mundo é um mistério para nós, temos medo de tudo àquilo que possa nos impedir de continuar desbravando. Eu tinha medo de um monstro que vivia em armários e debaixo de camas. Hoje a ideia me parece ridícula.

   Alguns meses atrás, eu decidi assistir o filme que foi o motivo das minhas noites mal dormidas. Eu ri mais do que tudo. Como eu pude sentir medo assistindo um filme daquele, eu não sei. Hoje eu já me sinto como se vivesse os dias em que passava perambulando pela fazenda com os meus primos, não tenho medo de nada.

   Lobisomens e vampiros já viraram motivo de chacota para muita gente, existe até uns que brilham agora, e as adolescentes são apaixonadas por eles. Demônios e assombrações são coisas que estão em alta nos dias de hoje, com certeza deve tirar o sono de muitas crianças e alguns adultos também. Quanto às outras coisas e bichos em armários, isso já não assusta ninguém. O que eu acho mais engraçado é que vivendo em uma fazenda eu poderia ter medo de tantas outras coisas, e fui ter medo logo disso. Hoje em dia eu moro em cidade grande. Consegui ter uma vida boa e posso desfrutar disso. Meus pais morreram há alguns anos atrás e também me deixaram uma boa quantia, então digamos que eu tenho uma vida razoável.

Meu armário é enorme, cabe as minhas roupas, as da minha esposa, e até um amante pode se esconder lá se quiser, no momento esse é o único monstro de armário que pode me assustar. Minha cama é uma cama Box, então posso ficar despreocupado em relação a bichos em baixo dela.

   Só uma coisa da minha infância que eu cresci com isso e até hoje eu nunca perdi o costume. Quando eu era pequeno, era a luz que entrava pela fresta da porta, hoje é um abajur que fica do lado da cabeceira. Eu posso ter deixando meus monstros embaixo da minha antiga cama e do meu velho armário. Mas uma coisa que eu nunca admiti pra ninguém, mas não consigo me livrar, é do meu saudável medo do escuro.


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