The End Is Coming escrita por Aya Ishikawa


Capítulo 5
Pesadelos


Notas iniciais do capítulo

Demorou mas saiu!!! Com vocês o capítulo cinco!!!
Custei a escrever pois não sabia como apresentá-lo a vocês... espero que gostem =)



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Durante os dias seguintes fiquei pensando em tudo que havia acontecido, no portal, na voz que ouvi e principalmente na preocupação do Sam comigo. Hoje sei que foi algo comum, que ele teria se preocupado igualmente com qualquer outra pessoa, mas naquela época eu achava que aquilo era especial... Sempre fui meio tola.

Umas duas noites depois daquele ocorrido eu tive um pesadelo, um que se tornou bem recorrente com o passar dos anos. Nele eu estava no ônibus indo para o centro da cidade, de repente todos se viravam para olhar uma criança de uns dez ou doze anos de idade, cabelos ruivos encaracolados quase nos ombros, olhos que transmitiam uma paz imensa, aquela devia ser a criança mais linda do mundo e estava descendo do ônibus ao lado do meu. Enquanto isso acontecia eu olhava para o céu através da janela e o tempo, que estava bem ensolarado, começava a mudar para uma grande tempestade. Nuvens cinzas e pesadas enchiam o céu, relâmpagos e trovões assustavam aos pedestres, todos começavam correr desesperados em busca de abrigo, e aquela criança que havia distraído à todos criava belas asas transformando-se em um belo anjo e já não era mais uma criança. Eu saia rapidamente do ônibus, tentava falar com ele, mas não conseguia e então eu começava a entender, aquela não era uma tempestade qualquer, era o fim do mundo.

Meu desespero no sonho era enorme, eu queria avisar a todos para que fugissem, queria ligar para os meus pais e avisar a eles pra não saírem de casa, mas nada dava resultado. Entrei na rodoviária, e ali de dentro, junto a centenas de cidadãos perdidos eu via demônios surgirem do solo, anjos com espadas flamejantes lutavam contra eles em meio à tempestade. Senti alguém bater no meu ombro, era o Sam, ele usava uma armadura e uma espada e dizia que precisávamos lutar, que precisávamos proteger o mundo, então, antes que eu pudesse dar qualquer resposta eu acordei.

Levantei da cama e olhei para o relógio, dez pras quatro da manhã, cedo demais para fazer qualquer coisa e meu sono havia ido embora. Liguei a TV do meu quarto apenas para fazer algum barulho e esperei amanhecer, eu pretendia fazer uma nova visita ao Sam naquele dia, eu precisava contar para ele sobre o sonho.

Com o barulho da TV acabei pegando no sono, acordei novamente na hora do jornal da manhã. Seis e meia. A repórter falava algo sobre um acidente de avião no Irã, pelo que notei era uma daquelas notícias rápidas por falta de matéria mais interessante. Embora já estivesse sol do lado de fora ainda era cedo para bater na casa de alguém, principalmente sem ser convidada. Levantei da cama, calcei minhas pantufas roxas e desci para tomar o café da manhã.

Minha mãe estava na cozinha, meu pai já havia saído para o trabalho. A primeira coisa que a ouvi dizer foi:

–Bom dia querida! Dormiu bem?

Geralmente quando minha mãe começava com muitos carinhos é porque queria saber algo, ela apenas estava preparando o terreno para perguntar. Respondi que tive uns sonhos esquisitos, ela não pareceu muito interessada nesse assunto, então aguardei a pergunta importante. Essa veio enquanto ela estava de costas para mim, virada pra pia lavando a louça. Isso era algo que costumava me irritar, sempre que minha mãe queria me falar algo importante não me olhava nos olhos.

–Dona Claúdia disse que viu você chegando ontem. Já havia passado do nosso horário combinado e você estava com as calças e cabelos molhados.

Permaneci em silêncio preparando meu café. Coloquei chocolate no copo e estava terminando de misturar com o leite na tentativa de uma saída “à francesa”, mas fui interrompida enquanto pousava a colher sobre o guardanapo. Minha mãe parou sua atividade de lavar louça e virou-se para mim:

–Lorena querida, o que está havendo com você? Essa já é a segunda vez que um vizinho vem me dizer que te viu chegando tarde em casa. Tem algo que você gostaria de me contar?

Eu não sabia o que dizer, desejei sumir dali e em um instante, lá estava eu, dentro da minha mente observando Christinne. Ela olhava sério para minha mãe, pose autoconfiante, capaz de convencer um exército inteiro:

–Não, está tudo bem. Ontem eu apenas saí com umas meninas do colégio, fomos à casa de uma delas e brincamos de guerra de balões d’água. Minha blusa estava seca porque pedi uma emprestada, a senhora não iria querer que eu pegasse uma pneumonia não é? Por falar nisso eu vou sair hoje a tarde com elas de novo, tudo bem?

Notei a cara de espanto da minha mãe, ela ficou parada por alguns minutos me olhando, aquele com certeza não era o meu modo de falar, eu provavelmente iria pedir desculpas e choramingar, Chris ao contrário, quando acabou de falar, pegou um pedaço de pão com toda a naturalidade e começou a comer. Minha mãe, ainda meio confusa, respondeu:

–Claro, querida, mas tome cuidado na rua. Se precisar de algo é só falar.

Senti que minha mãe parecia um pouco magoada pelo modo como Chris falou – ou na visão dela, pelo modo como eu falei – mas de certa forma eu tinha que agradecer aquela ruiva, ela me ajudou a conseguir ir ver o Sam sem ter que arrumar grandes histórias.

Naquele dia as horas pareciam querer se arrastar... Finalmente acabei meu almoço, troquei de roupa e fui para a casa do Sam. Eu nunca soube me vestir muito bem, dessa forma eu estava usando uma calça jeans desbotada e como sempre, uma blusa de malha bem folgada, eu não estava exatamente atraente, principalmente considerando meu cabelo bagunçado e meus velhos tênis All Star.

Toquei a campainha, não demorou muito Sam veio atender, ele pareceu surpreso ao me ver:

–Olá Aya, não sabia que você viria hoje...

Fiquei um minuto olhando para ele, me senti envergonhada por chegar de surpresa então simplesmente fiquei parada no portão com cara de idiota até ele me convidar para entrar. Enquanto atravessava o quintal dei uma boa olhada na fonte, era estranho pensar que aquilo quase tinha me matado há uns dias.

Logo que chegamos à varanda ouvi uma voz feminina, uma voz conhecida e irritante: Rachel.

–Ei, porque você demorou tanto? Eu ia começar o jogo sem você...

–Fui receber uma amiga. Entre Aya, vai ficar aí a tarde toda?

Rachel me olhou da cabeça aos pés, ela devia estar me achando ridícula com aquelas roupas uma vez que ela estava vestindo algo digno de uma festa: sandálias de tiras finas, uma saia jeans curta, camiseta bem justa e cabelos presos em rabo de cavalo com uma franja para o lado. Ela não perdeu tempo em perguntar:

–E o que ela veio fazer aqui?

Eu tenho certeza que minha cara estava vermelha naquele momento, de vergonha e raiva. Esperei que Sam dissesse algo, em vez disso ele apenas me olhou como quem perguntasse a mesma coisa.

–Eu... Eu preciso falar com o Sam, é importante...

Dentro da sala, havia um videogame ligado, provavelmente eles estavam começando a jogar algo, Sam olhou para mim, depois pra Rachel e para o jogo, após um suspiro, antes que ele pudesse falar qualquer coisa, a prima dele interrompeu:

–Então Sam, vamos jogar logo... Daqui a pouco papai vem me buscar para as aulas de dança...

Naquela época eu era uma pessoa bem calma então apenas abaixei a cabeça e murmurei “tudo bem” enquanto procurava um lugar para me sentar e esperar que ela fosse embora, se isso tivesse acontecido hoje eu provavelmente socaria a cara dela. Rachel tinha a minha idade, mas Sam às vezes a via como uma criancinha. Assim, sentada no sofá, tentando participar das conversas e sendo cortada pela Rachel eu passei quase toda a minha tarde. Finalmente ouvi uma buzina, quase pulei do sofá de alegria quando a vi se levantar, pegar a bolsa e ir em direção ao portão. Permaneci na sala enquanto Sam a acompanhou, ainda hoje, tenho quase certeza de que os vi trocar um selinho antes dele fechar o portão...

Enfim Sam notou que eu estava ali, embora parecesse um pouco sarcástico no tom de voz:

–Então Aya, o que há de tão importante assim?

Eu já nem me lembrava mais porquê eu estava ali... Rachel e Sam ali juntos... Ele nem ao menos se preocupou em me oferecer uma água, nem mesmo quando tentei comemorar com ele uma vitória que ele havia conquistado... Eu precisava me acalmar, aquilo não era o fim do mundo... Ah! Sim! O fim do mundo, era isso!

–Aya?

–Eu tive um sonho estranho...

Sam não pareceu muito interessado:

–Hum... E?

Abaixei a cabeça e comecei a contar o sonho para ele, quando terminei ouvi:

–Foi só um sonho... Não é importante Aya, você poderia ter me dito isso depois das férias.

–Desculpa... Eu achei que você gostaria de saber, talvez pudesse ajudar em algo... Vou embora.

Levantei do sofá e fui até a porta calçar meus sapatos, Sam emitiu um som que parecia uma risada:

–Aya, quer parar com esse ciúme! Você está sendo ridícula... Eu vi muito bem como você se comportou a tarde toda, assim como marquei com você aquele dia, hoje eu havia marcado com Rachel para que ela viesse aqui, além disso, ela é minha prima e você minha amiga, vocês deveriam ao menos tentar se falar.

Ridícula. Comecei a sentir que as lágrimas viriam, eu nunca havia sentido algo assim, eu ainda era muito fraca, não sabia como agir quando me machucavam. Me apressei em amarrar os cadarços.

–Eu já vou, não quero te atrapalhar.

Tentei parecer séria, mas sabia que minha voz estava trêmula o suficiente para notar o choro.

–Aya, não precisa chorar por isso... Você não deveria ser tão boba... Vou ver se descubro algo sobre o sonho, enquanto isso melhor você ir pra casa, sua mãe deve estar preocupada.

Olhei de frente para o Sam, eu devia estar com uma cara horrível, mas eu queria dizer isso olhando-o nos olhos.

–Esquece. Não precisa ver nada. Continue jogando suas coisas estúpidas com essa garota, eu não ligo! Aliás, por que eu ligaria? Não sou nada sua, nem você é nada meu! Pode deixar que eu me viro sozinha.

Eu disse tudo aquilo quase gritando, eu queria gritar mais alto do que os trovões que haviam começado. Quando terminei Sam me olhava espantado, de espanto a expressão dele mudou para irritado:

–Ok Aya, você que sabe... Mas você está fazendo confusão à toa.

Saí da varanda e fui andando até o portão, gotas d’água começavam a molhar minha camisa e meus cabelos, eu mesma abri o portão da casa de Sam e fui andando, apesar da chuva, o mais devagar possível até em casa. Queria apagar os sinais de tristeza do meu rosto antes de ver minha mãe e então, eu o escutei:

–Não fique assim minha querida, deixe-me tomar conta de ti...

Senti um arrepio, olhei em volta não havia ninguém... Fechei os olhos por um minuto, vi uma figura de capa e elmo, perguntei pra mim mesma:

–Quem é você?

Abri os olhos para poder continuar a andar enquanto ouvia-o falar:

–Sou uma pessoa que quer o seu bem, observo você desde muito pequena, inclusive já salvei sua vida algumas vezes... Apenas quero te proteger.

Me concentrei para continuar aquela conversa, eu já sabia como fazer isso pois conversava com Christinne muitas vezes, era só saber como falar.

–E qual o seu nome? De onde você é?

Senti que aquela energia se aproximava, me fazia sentir uma espécie de frio, mas um frio aconchegante, senti como se alguém passasse o braço pelo meu pescoço e apoiasse a mão no meu ombro, em vez de assustada aquilo me fez sentir segura, até mesmo a chuva já havia diminuído.

–Sou conhecido por muitos nomes querida, e venho de um lugar para onde todos irão um dia. Não falarei mais que isso por hoje, eu apenas quero que saiba que sempre estarei lhe vigiando, e assim que estiver pronta irei lhe propor um acordo.

–Que tipo de acordo?

Esperei por alguns minutos, não houve resposta... Cheguei em casa, passei o mais rápido que pude pela minha mãe, tomei um bom banho e fui me deitar, tudo o que eu queria era esquecer daquele dia.

Encostei a cabeça no travesseiro, olhei o relógio, oito da noite. Um lugar para onde todos irão um dia...

Eu estava em um lugar frio e triste, parecia o salão de um castelo, uma figura olhava para mim do trono, eu poderia dizer que aquilo era real se não fosse pelo cão de três cabeças babando ao meu lado. Eu estava sonhando, ou pelo menos era o que eu achava já que estava supostamente dormindo em meu quarto. Um homem magro demais para ter qualquer carne entre a pele e os ossos veio até mim:

–Meu senhor está lhe aguardando.

Ele mostrou o caminho com a mão pálida e esquelética que saia de dentro de suas vestes negras. Hesitei em seguir em frente. A pessoa no trono levantou-se e começou a caminhar em minha direção, apesar de não haver nada em sua cabeça eu não conseguia identificar seu rosto. Quando chegou perto, ele disse:

–Bem vinda ao seu palácio minha querida. Vou providenciar para que lhe apresentem todos os aposentos. Não se preocupe, nem tudo é tão triste quanto essa sala e, com você aqui, tudo ficará mais alegre.

O cara magro que me recebeu fez uma reverência e se retirou. Eu estava incomodada por não conseguir ver o rosto daquela pessoa. Eu conhecia aquela voz, era a mesma que tinha falado comigo mais cedo... E ali, um lugar para onde todos irão um dia... O mundo dos mortos.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado...
Peço desculpas pela demora em escrever e agora que você já leram posso dizer a verdade: foi realmente doloroso pensar na briga do Sam e da Aya, cada vez que eu sentava para escrever esse trecho eu empacava... Enfim, o capítulo seis já está quase pronto :3